Alzheimer: primeiro exame de sangue para detecção da doença chega ao Brasil

25 setembro 2023 às 19h22

COMPARTILHAR
Esta semana, o Brasil recebe o exame americano PrecivityAD2, uma inovação que permite a identificação precoce da doença de Alzheimer por meio de uma simples amostra de sangue. A iniciativa de introduzir este teste no mercado brasileiro é liderada pelo Grupo Fleury. O procedimento está disponível ao custo de R$ 3,6 mil e, atualmente, não é coberto por planos de saúde.
A disponibilidade deste exame de sangue é um marco significativo para tornar o processo de diagnóstico mais acessível. Ele é quase três vezes mais econômico do que o PET amiloide, um exame de imagem que custa cerca de R$ 9 mil e é considerado o padrão-ouro para identificação da doença. Além disso, o PrecivityAD2 é menos invasivo em comparação ao teste de líquor, que custa aproximadamente R$ 3,5 mil e requer uma punção na região lombar para a coleta do líquido da medula espinhal.
“Esse exame é uma análise de proteínas que estão relacionadas à doença de Alzheimer, a beta-amiloide, tau e tau fosforilada. É feito no plasma (do sangue) e com uma técnica mais recente, que a gente chama de espectometria de massa e é capaz de detectar mínimas variações nessas proteínas”, afirma o neurologista do Fleury Medicina e Saúde, Aurélio Pimenta Dutra.
O diferencial do PrecivityAD2 em relação a outros exames de sangue disponíveis no Brasil é sua capacidade de detectar alterações tanto na tau como na tau fosforilada, enquanto os demais concentram-se apenas na beta-amiloide, oferecendo apenas uma previsão de risco de associação com a doença, sem capacidade de diagnóstico.
Possibilidade de ampliação
É importante ressaltar que o PrecivityAD2 não é um exame de triagem e não se destina a check-ups. Ele é recomendado para pacientes que já apresentem sinais e sintomas de declínio cognitivo.
Inicialmente, o teste está disponível nas unidades da marca Fleury localizadas no Estado de São Paulo, mas segundo Edgar Gil Rizzatti, presidente de Unidades de Negócios Médico, Técnico, de Hospitais e Novos Elos do Grupo Fleury, em breve será ampliado para todas as unidades do grupo. A realização do exame requer uma solicitação médica, e os resultados são entregues em aproximadamente 20 dias.
O PrecivityAD2 é comercializado pela C2N Diagnostics, uma startup da Universidade de Washington, e foi desenvolvido por pesquisadores da mesma instituição. As amostras coletadas no Brasil são enviadas para avaliação nos Estados Unidos, onde o exame já está disponível desde agosto. “Estamos preocupados em oferecer uma medicina no ‘estado da arte’”, conta Rizzatti.
O diagnóstico do Alzheimer é um processo complexo, que começa com base nas queixas do paciente ou de seus familiares sobre sintomas como perda de memória. A partir disso, o médico realiza testes neuropsicológicos para determinar se há declínio cognitivo em comparação com indivíduos da mesma idade e nível de escolaridade.
Conforme Orestes Vicente Forlenza, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), se os déficits cognitivos resultarem em incapacidade para realizar atividades cotidianas, é feito o diagnóstico de demência. Caso contrário, é considerado comprometimento cognitivo leve, que pode ser um sinal precursor da doença de Alzheimer.
A demência pode ter diversas causas, sendo o Alzheimer a mais comum delas. Nessa fase do diagnóstico, o médico pode solicitar exames laboratoriais e de imagem para descartar outras causas e estabelecer um diagnóstico preliminar de Alzheimer.
No entanto, para um diagnóstico mais preciso, são necessários exames de biomarcadores, que são elementos no corpo que podem indicar a presença da doença. Os mais conhecidos são o PET amiloide e a biópsia do líquor. O primeiro é caro e disponível em poucos centros no Brasil, enquanto o segundo é considerado invasivo. Recentemente, os exames de sangue também ganharam destaque.
A causa do Alzheimer ainda não é totalmente compreendida, mas sabe-se que a doença se desenvolve quando o processamento de proteínas no sistema nervoso central falha. Isso resulta na formação de fragmentos tóxicos de proteínas mal processadas dentro e entre os neurônios, formando placas. Como o corpo não consegue eliminá-las, elas se acumulam no cérebro.
Duas proteínas, a beta-amiloide e a tau, são marcadores-chave da doença. “Aparentemente, a beta-amiloide se acumula primeiro na forma de lesões extracelulares, em volta dos neurônios. Com o progredir da doença, parece que ela desencadeia a deposição de proteína tau em lesões intracelulares, que levam à morte neuronal”, explica Claudia Kimie Suemoto, professora associada da disciplina de geriatria da FMUSP, que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).
Adição “bem-vinda”
Os biomarcadores indicarão o aumento dos níveis dessas proteínas, auxiliando na confirmação do diagnóstico. Embora o Alzheimer ainda não tenha cura, existem drogas experimentais em uso fora do Brasil. Para determinar a elegibilidade de um paciente para essas terapias, é essencial conhecer os níveis de tau e beta-amiloide. Portanto, a precisão do diagnóstico desempenha um papel fundamental nesse contexto.
“É um caminho sem volta, (o tratamento) vai chegar no Brasil, vai ser aprovado e a gente precisa de exames assim pra poder indicar”, destaca Claudia Kimie.
Claudia destaca que o novo exame é uma adição muito bem-vinda ao Brasil, pois é capaz de detectar tanto a tau quanto a beta-amiloide no sangue, representando uma abordagem revolucionária. No entanto, ela observa que, neste momento, o exame apresenta algumas limitações que merecem consideração.
Segundo o Fleury, o PrecivityAD2 alcançou uma precisão de 88% quando comparado aos resultados quantitativos do PET amiloide cerebral.
“É um exame de de equivalência, mas ainda não faz parte dos critérios diagnósticos”, fala Dutra, neurologista do Fleury. “Ou seja, possivelmente será utilizado para complementar (outros exames) e, com a progressão da confiança, pode ser que futuramente ele faça parte de um dos critérios diagnósticos para doença de Alzheimer.”
“A gente tem uma estrutura que envolve todo o cérebro que denominamos de barreira hematoencefálica. Essas proteínas ultrapassam essa barreira e caem no sangue. A questão é que a dosagem dessas proteínas no sangue é extremamente baixa, e outras técnicas foram utilizadas anteriormente pra tentar detectar essas variações, mas foram ineficazes”, completa Dutra.
É importante ressaltar que o cérebro é considerado um órgão isolado, onde ocorre a formação de placas de proteínas defeituosas. Portanto, a capacidade de detectar alterações em todos esses elementos a partir de uma simples amostra de sangue é um avanço notável.
“Há outros métodos laboratoriais que também têm demonstrado bom potencial para a detecção dos biomarcadores da doença de Alzheimer em amostras de plasma, e ainda não se sabe qual será o melhor para aplicação clínica.”
“Em segundo lugar, como toda tecnologia nova, ainda requer validação em amostras multinacionais. Na minha opinião, o método é excelente para pesquisa, mas o seu uso na prática clínica requer cautela, e não dispensa a expertise de quem solicita o exame e avalia os seus resultados”, finaliza Dutra.
Leia também: