Almoços com vinho e aluguel de luxo: Jockey Club é alvo de auditoria por suposto desvio de R$ 62 milhões
01 novembro 2025 às 10h04

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A Prefeitura de São Paulo abriu uma auditoria para investigar o suposto desvio de R$ 62 milhões arrecadados pelo Jockey Club de São Paulo com a venda de Transferência do Direito de Construir (TDC), instrumento urbanístico que permite a comercialização do potencial construtivo entre imóveis. O montante deveria ter sido destinado à restauração da infraestrutura do Jockey, conforme estabelecido em um Termo de Compromisso firmado com a Prefeitura em 2016, mas até o momento a instituição não conseguiu comprovar a correta aplicação dos recursos.
Em matéria publicada anteriormente pelo Jornal Opção, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a criação de uma CPI para investigar possíveis irregularidades fiscais e imobiliárias no Jockey Club da capital. Uma investigação do UOL revelou que parte dos recursos teria sido desviada para empresas ligadas à família e ao círculo político do ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, conselheiro do Jockey.
A TDC permite que proprietários de imóveis tombados ou com restrições construtivas vendam o direito de construir para empreendedores interessados em erguer edificações em outras áreas da cidade.
No caso do Jockey Club, que está localizado em uma das regiões mais valorizadas de São Paulo, a instituição realizou seis operações de venda de TDCs, arrecadando R$ 62 milhões.
O valor deveria ser usado integralmente na preservação e no restauro do patrimônio histórico, como condição para a manutenção dos benefícios concedidos pela Prefeitura.
Auditoria e irregularidades identificadas
De acordo com o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), o Jockey solicitou a renovação do Termo de Compromisso, mas foi exigido que a instituição apresentasse a prestação de contas dos recursos já utilizados.
O Jockey enviou notas fiscais relacionadas a gastos cobertos pela Lei Rouanet, mas a documentação revelou despesas consideradas irregulares, como almoços com vinho, aluguel de apartamento no Itaim Bibi por R$ 5 mil, pagamento de contas de condomínio e água da empresa gestora, entre outros itens.
Diante dessas inconsistências, a Secretaria Municipal de Cultura acionou a Auditoria Geral do Município para rastrear o destino do dinheiro arrecadado com as TDCs.
Defesa do Jockey Club
Em nota, o Jockey Club de São Paulo afirmou que o envio das notas fiscais da Lei Rouanet se deu por um “equívoco no preenchimento da planilha”, e que o objetivo era apresentar “um panorama amplo das ações preservacionistas realizadas”. [Veja posicionamento na íntegra ao final]
A entidade negou qualquer tentativa de confundir o processo e declarou que todas as informações solicitadas pela Prefeitura já foram encaminhadas. O caso também chegou à Câmara Municipal de São Paulo, onde foi instalada uma CPI para investigar os gastos do Jockey Club.
A criação da comissão aconteceu logo após o ex-presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), apresentar uma notícia-crime por racismo contra advogados da instituição.
No pedido de recuperação judicial protocolado em março de 2025, os advogados do Jockey, Hoanes Koutoudjian, João Boyadjian, Vicente Paolillo e José Mauro Marques, chamaram o vereador de “antropoide desvairado” e acusaram a Prefeitura de “terrorismo estatal” contra o clube.
Em resposta, Milton Leite declarou que reavaliou sua posição após o episódio e anunciou que entrará com representação na OAB contra os advogados. “Como homem negro que lutou a vida toda contra a discriminação, jamais me calarei diante de tamanho crime e absurdo”, afirmou o vereador, em nota.
Entenda
A CPI, proposta pelo vereador Gilberto Nascimento (PL), investigará gestão de débitos tributários, alienação de potencial construtivo e omissão do Poder Público. O número de integrantes foi ampliado para nove, e houve alteração no regimento interno para permitir até quatro CPIs em 2025 e 2026.
Segundo o UOL, o Jockey recebeu R$ 22,4 milhões via Lei Rouanet e R$ 61,2 milhões contestados pela Prefeitura. Parte dos recursos teria sido usada para pagamentos a empresas fantasmas, jantares de luxo, despesas pessoais e notas fiscais duplicadas entre projetos municipais e federais.
No centro das suspeitas está a produtora Elysium, transformada em Organização Social de Cultura (OSC) por decreto de Perillo em 2014. A empresa coordenou o restauro e repassou valores a fornecedores ligados à prima de Perillo, Débora Perillo.
Uma das principais construtoras citadas, a Construtora Vidal, não foi localizada e estaria registrada em endereços residenciais. O Ministério da Cultura questionou despesas como bebidas alcoólicas, refeições caras e compras em farmácias, consideradas indevidas pela Lei Rouanet.
A Elysium defendeu-se dizendo que eram custos administrativos permitidos. Perillo negou envolvimento, dizendo não ter indicado a Elysium e chamando as denúncias de “leviandade absurda”.
O Jockey Club alegou que seus contratos são privados e que há uma tentativa de desvalorizar o imóvel. Apesar dos altos valores gastos, as obras seguem inacabadas, e partes do complexo do Jockey permanecem abandonadas.
Jornal em Goiânia
O jornal A Redação, sediado em Goiânia, é investigado por supostamente ter recebido verbas da Lei Rouanet que deveriam ser destinadas à restauração do Jockey Club de São Paulo, administradas pela Elysium Sociedade Cultural.
Segundo o Metrópoles, parte dos recursos, cerca de R$ 1 milhão, teria sido usada para pagar contas de luz, seguros e outras despesas do jornal, além de R$ 48 mil por “conteúdos editoriais” sobre o projeto, o que foge ao escopo cultural aprovado.
Empresas ligadas aos irmãos Wolney e João Alfredo Arruda Unes (donos do jornal e ligados à Elysium) também teriam sido beneficiadas, incluindo a Engenho & Arte, Biapó Urbanismo e Sapé Imobiliária, com pagamentos por obras, comunicação e aluguéis.
Os irmãos Unes e sua sobrinha Débora Perillo Arruda Unes (aparentada ao ex-governador Marconi Perillo, que nega envolvimento) aparecem em várias das empresas beneficiadas. O Jockey Club afirma que todas as obras foram auditadas e seguem as exigências legais.
Já investigações do UOL e Metrópoles apontam uso da verba também para contas domésticas e serviços de limpeza, além de duplicidade de prestações de contas entre a Rouanet e a Prefeitura de São Paulo, indícios de desvio de recursos públicos para fins privados, inclusive o financiamento do jornal A Redação.
Nota do Jockey
“O Jockey Club de São Paulo esclarece que todas as informações solicitadas sobre as despesas com preservação, manutenção e conservação do conjunto tombado do Hipódromo Cidade Jardim já foram devidamente prestadas ao Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura da capital.
Em razão de um equívoco no preenchimento da planilha, dados sobre a prestação de contas referente a verbas captadas via Lei Rouanet, que envolve obras de restauração do patrimônio histórico do Jockey com mais de 600 mil metros quadrados de área tombada, foram indevidamente incluídos. A juntada inicial de documentos variados teve como único objetivo oferecer um panorama amplo das ações preservacionistas realizadas, muitas delas complementadas por recursos provenientes de outras fontes (como a Lei Rouanet/Pronac), sem qualquer intenção de procrastinação ou confusão processual.
Com relação aos documentos pertinentes à destinação dos recursos oriundos da Transferência do Direito de Construir (TDC), o Relatório de Despesas de Manutenção e Preservação do Patrimônio (2019 a 2024) apresenta os valores que foram aplicados exclusivamente na preservação, conservação e manutenção das áreas tombadas ao longo de seis anos. Os números foram auditados por empresas de auditoria independentes, garantindo fidedignidade e transparência.
O montante abrange contratos e comprovantes de pagamento relacionados diretamente à manutenção de elementos protegidos pela Resolução CONPRESP nº 05/2013, excluindo despesas custeadas por outras legislações de incentivo. Importante frisar que os gastos com pessoal técnico, insumos, serviços de limpeza, máquinas, equipamentos, reparos, monitoramento, dentre outros, são indispensáveis e indissociáveis para preservação e conservação patrimonial, evitando danos estruturais e maiores custos de restauração futura.
O Jockey Club ressalta que o restauro vem ocorrendo a portas abertas, com o público tendo acesso aos progressos e resultados das obras já realizadas ou em andamento, reforçando o compromisso com a total transparência. A entidade reitera o compromisso com a boa-fé processual, conforme demonstrado em todas as manifestações anteriores, e reafirma a plena disposição para eventuais vistorias e esclarecimentos adicionais.
Por fim, o Jockey destaca que a preservação desse patrimônio centenário de extrema relevância nacional é indissociável da manutenção de suas atividades sociais, culturais e esportivas.”
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