Agronegócio goiano lidera pedidos de recuperação judicial
29 março 2024 às 07h17
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Em 2023 os pedidos de recuperação judicial no setor do agronegócio sofreram um crescimento de 535% no Brasil, comparado ao ano anterior. E neste incerto cenário para o agronegócio, Goiás aparece como segundo com o maior número de pedidos, segundo dados da Serasa Experian divulgados no mês de março que contempla os pedidos para pessoas físicas do agronegócio. O estado tem 36 pedidos, apenas 7 a menos que o líder Mato Grosso, que tem 43 no total.
Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado especialista em recuperação judicial, Hanna Mtanios alertou sobre os possíveis motivos que contribuíram para o aumento do número de casos no agronegócio e o que pode ser implementado para melhores resultados no setor, sobretudo, proprietários rurais que atuam como pessoas físicas, que puxaram a alta para o ano. Hanna esclareceu ainda que, para o setor, eles são os únicos do perfil que podem requerer recuperação judicial pela Lei 14.112/20.
O advogado destacou que não há dúvidas de que ainda há resquícios da pandemia, principalmente no setor de agronegócio, negócios, comércio e prestação de serviços, que agora estão tentando se recuperar. Uma grande quantidade de pessoas fora do ramo em que estavam migraram para o agronegócio atraídos pelos altos preços e pelo mercado aquecido. Muitos decidiram plantar soja, criar gado, entre outras atividades. Ele avalia que, no agronegócio, houve um boom em um determinado período, com um aumento nos preços e na produção com commodities em alta e colheitas bem-sucedidas por alguns anos.
Em outro ponto, o especialista ressalta que no cenário atual, devido ao aumento do número de produtores, o preço da soja pode ter diminuído também, embora para alguns críticos, o preço da soja não caiu, apenas voltou ao preço normal. E com isso, naturalmente, gerou uma quebra de expectativa e frustração entre os produtores, que esperavam vender a preços mais altos, mas agora enfrentam preços 30% mais baixos, talvez. E o grande desafio é honrar os compromissos mesmo com essa baixa de preço.
Além disso, analisou ainda que alguns estados enfrentam problemas com chuvas e irrigação, principalmente Goiás, resultando em colheitas abaixo do esperado. Isso também frustrou as expectativas de rentabilidade dos produtores e levou a uma diminuição das rendas. Hanna considera que a intervenção e o apoio do Ministério da Agricultura parecem ser necessários. No entanto, intervenções como a manifestação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda aos juízes cumprir a lei, podem ser vistas como desrespeitosas ao Poder Judiciário.
Veja a entrevista completa:
Quais são os principais desafios enfrentados pelos proprietários rurais anteriormente? Atualmente, pagar as contas geradas para investir no agronegócio, incluindo dívidas com bancos que financiaram a produção. Alguns produtores até compraram terras e agora estão endividados, precisando renegociar seus compromissos e buscar apoio do poder público.
Por que houve um aumento tão dramático nas solicitações de recuperação judicial entre os proprietários rurais? Provavelmente devido à queda na colheita e nos preços, o que gerou dificuldades financeiras para muitos produtores. Talvez esses dois pontos sejam os pontos importantes que precisam ser explorados e debatidos. Colocados à mesa na negociação com os credores, com os bancos e até com o próprio governo para buscar uma ajuda para o setor.
Como essas solicitações de recuperação judicial estão afetando o setor agrícola como um todo? Elas estão gerando insatisfação e insegurança, fazendo com que os financiadores da atividade, como bancos, fiquem receosos de continuar investindo. Isso leva os produtores a buscar contratos que garantam o recebimento, evitando os efeitos da recuperação judicial e dificultando o processo para eles. Isso trava os produtores rurais no eventual processo de recuperação. Talvez esse seja o caminho dos advogados, dos consultores orientarem os produtores rurais sobre recuperação judicial irresponsável que podem levar a uma falência, a uma insolvência e até, às vezes, perder a terra.
Quais medidas podem ser implementadas para os produtores rurais evitar mais falências no setor? Talvez os bancos públicos possam oferecer linhas de crédito mais favoráveis e estender prazos de pagamento, além de políticas governamentais específicas para fornecer assistência financeira e técnica aos agricultores em dificuldades.
Existem desafios estruturais que tornam difícil para os proprietários rurais manterem suas atividades de forma lucrativa?
Entendo que sim e talvez encontre apoio no que chamamos de terceirização do que fomenta o agronegócio. Vale lembrar que o agronegócio não é só brasileiro e temos visto a China e outros países produtores de insumos agrícolas, também responsáveis pelo agronegócio brasileiro. Aqui temos a terra e a mão-de-obra, mas precisamos de adubo, de semente e por variadas situações eles vem de fora e ficamos na mão do estrangeiro, empresas multinacionais gigantes. E, claro, se depender de outros atores, a boa vontade dos produtores rurais, advogados, construtores, agrimensores não será de tanta relevância.
Com o aumento nas solicitações de RJ, quais medidas podem ser implementadas para os produtores rurais e evitar mais falências no setor?
Talvez os bancos públicos, com linhas de crédito convidativas, possam comparecer neste momento junto aos produtores rurais, mantendo o agronegócio robusto no Brasil e auxiliando o setor com juros acessíveis, que possam ser pagos, e estendendo o prazo de pagamento da dívida, talvez essa seja a solução. Eu entendo que a intervenção do governo será crucial neste momento para sustentar essa atividade.
Políticas governamentais específicas são necessárias para fornecer assistência financeira e técnica aos agricultores em dificuldades?
Eu creio que sim. É importante, mais uma vez, enfatizar. O governo precisa oferecer apoio a esse setor e, dessa forma, ajudá-lo a superar essa crise, permitindo que continuem produzindo, mantendo empregos, renda e cumprindo com os impostos, como sempre fizeram e continuam fazendo até o momento.