Advogado alerta para riscos do PL da Dosimetria e vê brechas que podem favorecer crime organizado
17 dezembro 2025 às 18h30

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A aprovação do chamado PL da Dosimetria pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado acendeu um sinal de alerta entre juristas. Para o advogado Edemundo Dias, o texto, da forma como foi encaminhado e aprovado na comissão, é excessivamente amplo e pode produzir efeitos colaterais graves, ao abrir espaço para beneficiar não apenas envolvidos nos atos de 8 de janeiro, mas também criminosos ligados a facções e ao crime organizado.

Em entrevista ao Jornal Opção, Edemundo afirmou ver com “muito receio” a tramitação acelerada da proposta. “Quando se faz uma proposição tão ampla, abrindo perspectivas para criminosos, inclusive vinculados a facções criminosas e ao crime organizado, isso é muito perigoso. Ainda mais em um país onde já se verifica a proximidade entre o crime organizado e estruturas do próprio poder público”, explicou.
Segundo o advogado, operações recentes da Polícia Federal, como a Poço de Lobato, a Compliance e a Carbono Oculto, revelam um cenário de infiltração do crime organizado em diferentes níveis do Estado. “O que estamos vendo é um poder transversal, que transita entre o Estado legal e o Estado criminoso. Nesse contexto, qualquer mudança ampla na legislação penal precisa ser tratada com extremo cuidado”, disse.
Para ele, o projeto ignora distinções fundamentais do sistema penal ao tratar de crimes distintos de forma homogênea. Ele reconhece excessos e falhas nos processos relacionados aos atos de 8 de janeiro, mas defende que eventuais correções deveriam ser pontuais. “Talvez fosse o caso de ajustar a dosimetria para pessoas do que eu chamo de ‘baixo clero’, que participaram sem liderança ou poder decisório. O problema é aproveitar isso para criar um projeto tão aberto que possa resultar em impunidade para criminosos com alta responsabilidade penal”, afirmou.
O advogado também criticou a condução dos inquéritos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apontando concentração de funções no mesmo magistrado. “Temos um cenário em que a mesma autoridade aparece como vítima, investigador, acusador, julgador e executor da pena. Isso é muito grave para o Estado Democrático de Direito”, declarou.
Apesar das críticas, Edemundo Dias disse nutrir expectativa de que o Senado corrija o texto antes da votação em plenário. Ele citou como exemplo a atuação de senadores que, em sua avaliação, têm adotado postura mais prudente. “Vejo com bons olhos a atuação de parlamentares experientes, como o senador Alessandro Vieira, que têm prestado atenção nessas brechas e demonstrado cautela”, pontuou.
Para o advogado, o caminho seria restringir de forma clara os benefícios previstos no projeto. “O texto precisa deixar explícito que não alcança facções, crimes violentos ou organizações criminosas. Se caminhar no sentido de corrigir excessos pontuais, sem abrir margem para a impunidade, aí sim pode ser um projeto benéfico”, concluiu.
O que muda com o PL
O texto aprovado pela Câmara prevê, entre outros pontos:
- progressão ao regime semiaberto após o cumprimento de 16% da pena para condenados pelos crimes do 8 de Janeiro, ante os 25% exigidos atualmente;
- prevalência da pena mais grave, e não da soma, nos casos de condenação simultânea por tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático;
- redução de pena de 1/3 a 2/3 em crimes cometidos em contexto de multidão, desde que o condenado não seja liderança ou financiador;
- contagem de tempo de estudo e trabalho durante prisão domiciliar para abatimento da pena.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, Jair Bolsonaro foi condenado a mais de 27 anos de prisão por cinco crimes ligados à tentativa de golpe. De acordo com cálculos apresentados por aliados, as novas regras poderiam reduzir significativamente o tempo em regime fechado.
Manobra e divergências
Para conter críticas de que o projeto beneficiaria outros criminosos, Amin acolheu uma emenda do senador Sergio Moro, limitando a nova progressão de pena aos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Mesmo assim, parlamentares apontam risco de efeitos colaterais na legislação penal.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, avalia levar o projeto ao plenário ainda nesta quarta-feira. Já o ex-presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, afirmou que a revisão das penas surgiu como alternativa para evitar uma anistia ampla aos envolvidos nos ataques.
A proposta segue cercada de resistência, inclusive após manifestações contrárias registradas em várias cidades do país no último fim de semana. A decisão da CCJ deve definir se o projeto avança ou se o Senado buscará outra solução para o impasse.
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