Pedro Sérgio dos Santos

O terror, o drama e a comédia que os gregos da antiguidade deixaram para humanidade no terreno da ficção ganha, incrivelmente, força nos dias de hoje com a brutalização das mentes.

A mídia divulga passo a passo o drama de uma adolescente grávida (vítima de abuso sexual, com violência presumida) que teve a morte do bebê — em avançado estado de gravidez — decretada pelo STJ.

O aborto veio para punir um feto que já teria chance de vida em parto normal, pois a gravidez passava dos sete meses. Ainda que seja direito da mãe a não aceitação do filho gerado em seu ventre em razão do delito, há uma interminável fila de adoção no Brasil, na qual pessoas de bem aguardam pela oportunidade de bem cuidar de uma criança.

Mas o fator adoção também não pesa na cabeça e na consciência de pessoas e ONGs, que no Brasil e no mundo militam pela cultura da morte, impõem ao inocente uma pena que não lhe cabe.

Assim como nos tempos de Herodes, a morte aos inocentes é imposta tão-somente para atender aos seus interesses, que, ironicamente, são travestidos do discurso de defesa dos “direitos humanos”.

Dessa forma, após uma injeção tóxica no coração do bebê (assistolia fetal, quando a gravidez é interrompida após mais de 22 semanas de gestação e que consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto antes da sua retirada do útero), que o faz sofrer com dores intensas antes de sua morte, pois é esse o procedimento — que, por cruel, é negado a animais — para tirar a vida inocente, a mãe deve passar por um parto para a retirada do corpo da criança.

No presente caso, o pai da adolescente, contrário ao aborto, reclamou ao menos pelo direito de sepultar dignamente o neto brutalmente morto e tal direito ainda é objeto de debate jurídico entre decisões judiciais, agravos, recursos, habeas corpus, e outras perlengas judiciais que não querem enxergar o mínimo.

Pode um avô sepultar o neto: o que diria Antígona?

Na obra de Sófocles, autor da antiguidade grega, a personagem Antígona se opõe à ordem do rei, que havia determinado que o corpo do irmão dela não poderia ser sepultado, visto que fora considerado um traidor da pátria. Em resposta ao rei, Antígona afirmou: “A tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram. Não, eu não iria arriscar o castigo dos deuses para satisfazer o orgulho de um pobre rei”.

A obra de Sófocles discute a legitimidade das leis e se o povo deve ou não obedecer a um soberano em flagrante desajuste frente ao Direito Natural, caso suas normas sejam contrárias à dignidade humana. De outro lado, o texto judaico, também da antiguidade testamentária, no livro bíblico de Tobias, mostra um personagem justo que sepultava os mortos, observando isso como um ato de dignidade diante de Deus.

Após dois mil e quinhentos anos, Antígona cai no colo de juízes e desembargadores para fazer a eles a contundente pergunta: pode um avô sepultar um neto? Por que não poderia? Apenas para atender normas absurdas criadas pelo Estado, e que na prática podem colocar sob suspeita a destinação dos corpos desses bebês abortados em avançado estado de gravidez?

A criança inocente já foi morta e expulsa do ventre materno, e agora, por lei, norma, portaria, regulamento, sentença ou qualquer outra engenhoca jurídica, negam-se a autorizar um sepultamento digno, o que nem mesmo deveria ser objeto de questionamentos, uma vez que tal direito já foi devidamente esclarecido por Antígona e Tobias, caso o bom senso não fosse eloquentemente suficiente a pesar sobre os que decidem sobre  vida e a morte dos inocentes.

Pedro Sergio dos Santos é advogado, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). É doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).