A política brasileira é marcada, historicamente, por uma relação complexa entre a ocupação de cargos públicos e as aspirações eleitorais dos ocupantes. É inevitável que gestores públicos, ao desempenharem suas funções, ganhem certa visibilidade. Entretanto, a linha entre a legítima prestação de contas à sociedade e o uso de recursos e posições públicas para promoção pessoal é tênue e, muitas vezes, ultrapassada. Esse comportamento não apenas compromete a ética administrativa, mas também enfraquece a confiança da população no sistema democrático. Pior ainda, é quando se utilizam desses cargos de forma sensacionalista, provocando a prisão de pessoas inocentes ou o escrutínio público de quem ainda sequer foi julgado.

Na administração pública, o princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, é um pilar fundamental. Ele determina que o gestor não deve se beneficiar da posição que ocupa para interesses pessoais, incluindo a autopromoção. Este princípio visa assegurar que a função pública seja exercida em benefício da coletividade, e não de uma pessoa ou grupo específico.

Recentemente, um episódio envolvendo um delegado e ex-deputado reacendeu o debate sobre o uso de cargos públicos para fins pessoais e midiáticos. A publicação de um vídeo, em tom sensacionalista, exibindo a prisão de uma pessoa, levantou questionamentos sobre os limites éticos e legais do comportamento de agentes públicos que utilizam as redes sociais como palco de autopromoção.

O delegado em questão, conhecido por sua atuação midiática, já ocupou cargos políticos e parece continuar a buscar relevância pública por meio de ações que misturam o exercício de suas funções e estratégias de marketing pessoal.

Agentes da segurança pública, como delegados, têm a responsabilidade de agir com discrição e sob o amparo das normas legais. O Código de Ética da Polícia Civil e a própria legislação penal determinam que a exposição de suspeitos ou acusados deve ser evitada, preservando a dignidade das partes envolvidas e respeitando o princípio da presunção de inocência.

No ambiente digital, a linha entre informação pública e autopromoção se tornou ainda mais tênue. Perfis oficiais e pessoais de agentes públicos são frequentemente utilizados para promover ações de forma que privilegiam a imagem individual, em vez de enfatizar o caráter institucional. No caso em questão, o vídeo divulgado segue essa lógica: ao invés de informar a sociedade de maneira imparcial, o conteúdo foi produzido para destacar o delegado, com tom dramático e foco em sua atuação.

No Brasil, a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) estabelece que é crime expor presos ou acusados de forma que prejudique sua dignidade. O compartilhamento de vídeos como o mencionado pode ser enquadrado nessa legislação, dependendo das circunstâncias. Além disso, o Código Penal e o Estatuto da Polícia Civil impõem limites claros ao comportamento de agentes da segurança pública.

No entanto, a aplicação dessas normas ainda é insuficiente diante da banalização da exposição midiática de operações policiais. É necessário que os órgãos de controle interno, como corregedorias e Ministérios Públicos, atuem de maneira mais rigorosa para coibir essas práticas. O comportamento de servidores públicos nas redes sociais, especialmente quando em exercício de suas funções, deve ser monitorado para garantir que estejam alinhados aos princípios éticos e legais.