“A gente estuda e busca conhecimento para defender nosso povo”, diz Bepkudjy Apydjare Kayapó
19 abril 2023 às 19h11
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Bepkudjy Apydjare Kaiapó, 28 anos, nasceu na aldeia A’Ukre, localizada na Terra Indígena Kayapó (PA). Ansioso pelo início das aulas na Universidade Federal do Pará, onde vai cursar matemática, o indigena narra que começou os estudos em 1999. “Não tinha estrutura na aldeia. Na época eu tive muita dificuldade de acesso à escola”.
Ao Sul de São Félix do Xingu, a aldeia é cercada por mata nativa e está longe dos olhos dos garimpeiros ilegais presentes em boa parte do território paraense. Nos meses da colheita da castanha do Pará, as aulas eram suspensas por até três meses até que todo o trabalho fosse finalizado. “A escola era em uma fábrica de castanha. Sempre tive interesse em estudar e fiz a primeira série na cidade, já que meu pai trabalhava na Funai e foi transferido para lá”, lembra.
O indígena completou o ensino médio em 2012 e, devido ao trabalho, não teve oportunidade de continuar os estudos. “Depois desses sete anos, fui inscrito e passei no vestibular. Estou muito feliz e esperando para começar as aulas”, garante.
Estudo para proteger
Questionado se gostaria de tornar-se professor, Apydjare responde com firmeza:
É exatamente para isso que a gente aprende. A gente aprende uma cultura diferente, buscamos conhecimento na saúde, na educação para lutar pelo nosso povo. A gente estuda e busca conhecimento para defender nosso povo.
As mudanças do mundo é uma das preocupações que o levou às salas da Universidade Federal do Pará. “Quero ensinar os alunos que estão vindo agora, todo tipo de coisa está evoluindo e está ficando cada vez mais difícil para nosso povo”, lamenta.
Essas mudanças, nem sempre, são negativas. Apydjare cita, por exemplo, que sua aldeia conta agora com mais escolas e apoio didático. “Tiveram muitas mudanças desde que eu comecei a estudar. Temos sete escolas de qualidade, feitas de alvenarias. As outras salas nós reformamos. Temos hoje praticamente 600 pessoas vivendo nessa aldeia”, aponta.
Comunidade indígena cresce nas Universidades
Até o final dos anos 1990, os indígenas universitários eram poucos. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, eles eram em média 4 mil. Nas últimas duas décadas houve um crescimento expressivo, chegando, segundo o Censo da Educação Superior (CenSup), a 47 mil matriculados em 2020.
Esse é o caso de Haje Kalapalo, com 31 anos, membro da aldeia Tangurinho Kalapalo, um grupo indígena que habita o sul do Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso. O indígena foi para Goiânia em busca de uma oportunidade no ensino superior em 2019. “Sai da minha aldeia em busca de uma formação e conhecimento que não tinha acesso na minha terra”, explica.
Haje conta que sempre teve interesse pela área de ciências biológicas e hoje cursa enfermagem em uma unidade de ensino superior da Estácio, em Goiás. “Meu sonho é trabalhar na área da saúde e conseguir ajudar meu povo e as pessoas. Por isso fui atrás de uma formação técnica”, revela.
“Quando finalizar o curso quero voltar para a minha aldeia para atuar como enfermeiro, assim vou prestar um serviço para a minha comunidade e estar perto da minha família”, finaliza o indígena.
Em um país cujos povos originários foram e continuam tão brutalmente massacrados, conquistas como a criação de um ministério, a ocupação de cargos políticos e espaços na academia devem ser comemorados sim, mas há de se ressaltar que a luta é constante.
Estereótipo alimenta discriminação
De acordo com a historiadora e professora de direito da Estácio, Anne Caroline Fernandes, o termo ‘indígena’, significa ‘originário ou ‘nativo’ de um local específico, sendo uma forma mais precisa de se referir aos diversos povos que, desde antes da colonização, vivem nas terras que hoje formam o Brasil. “O estereótipo do ‘índio’ alimenta a discriminação, que, por sua vez, instiga a violência física e o esbulho de terras, hoje constitucionalmente protegidas”, explica a docente.
Anne conta que a alteração do nome da celebração e a criação de um Ministério dos Povos Originários incentivam o progresso. “Agora com a Sônia Guajajara como ministra os povos indígenas terão uma representação maior para as suas questões. Causando um avanço na preservação, saúde, políticas públicas e no acesso à educação”, comenta.