A Extinção do jumento no Brasil
07 novembro 2025 às 19h51

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Não foi num garboso cavalo branco, mas no lombo de um jumento que Dom Pedro I declarou a Independência do Brasil em 1822. Conhecidos pela capacidade de transportar cargas e pessoas por vários quilômetros, os jumentos estão presentes na história do Brasil desde o início da colonização portuguesa. Os primeiros animais foram introduzidos no país por volta de 1534. No período colonial, Tomé de Souza, Governador-Geral do Brasil, trouxe várias raças de jumentos vindos de Portugal, da Espanha e da África para a Bahia. Aqui, elas se misturaram e deram origem à raças naturalizadas no Brasil.
Com o desenvolvimento da mineração nos séculos XVIII e XIX, em Minas Gerais e Goiás, os animais eram usados para atender à atividade. Só os jumentos eram capazes de vencer grandes distâncias rumo à corte, manter a convivência entre as populações do campo e das cidades, suprir as necessidades das famílias e transportar a produção agrícola. A sociedade da época, reconhecia a importância do jumento como elemento formador. Sua presença, rapidamente se expandiu pelas áreas do sertão brasileiro, especialmente no Nordeste, onde encontrou clima e ambiente favoráveis ao seu desenvolvimento.
O jumento brasileiro apresenta traços físicos que o diferenciam de outras espécies asinares, como a pelagem curta e a coloração que varia entre cinza, pardo, preto e até o branco. As orelhas são longas e contribuem para a regulação térmica — fator vital em regiões de altas temperaturas. O peso varia entre 150 e 200 quilos, e a altura não passa de 1,30 metro na cernelha. As patas são robustas, resistentes e ideais para terrenos irregulares. O casco é duro e adaptado ao solo do semiárido brasileiro, o que permite que o animal percorra longas distâncias sem desgaste prematuro.
“O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sertão. Ajudou o homem na lida diária, ajudou o homem e o Brasil a se desenvolverem. Arrastou lenha, pedra, fez a feira e serviu de montaria… E o homem, em retribuição, o que lhe dá? Castigo, pancada, pau nas pernas, no lombo, no pescoço.”
Os versos são do cantor Luiz Gonzaga e fazem parte da música “Apologia ao Jumento”. A presença da mula, jegue, asno ou outro nome regional é tão forte no imaginário popular que o possível risco de extinção dessa espécie passa despercebido. Mas é justamente essa, a tragédia iminente que enfrenta o jumento brasileiro: a espécie pode desaparecer do sertão nordestino até 2030. Trata-se de uma população à beira do colapso.
Segundo estimativas de entidades de defesa dos jumentos, mais de um milhão desses animais foram abatidos entre 1996 e 2025, reduzindo o número de 1,37 milhão para pouco mais de 70 mil — uma queda de 97%.
A causa principal da extinção vem, principalmente, da China e de outros países asiáticos, cuja demanda é pelo eijão, uma substância feita a partir do colágeno extraído da pele desses animais. O produto é usado na medicina tradicional chinesa como um pó afrodisíaco, embora não haja comprovação científica de sua eficácia.
Não é só no Brasil que o jumento está em risco de extinção, mas também em vários países, como o Egito, onde ele praticamente desapareceu, além de outras nações africanas. Segundo a organização britânica “The Donkey Sanctuary”, cerca de 5,9 milhões de jumentos são abatidos anualmente em todo o planeta para abastecer o mercado do eijão, que movimenta cerca de US$ 6,38 bilhões — o equivalente a R$ 35 bilhões.
Apenas três frigoríficos possuem autorização para o abate de jumentos no Brasil, todos localizados na Bahia. No entanto, segundo organizações de conservação da espécie, há falta de fiscalização da atividade, ausência de controle sanitário e práticas abusivas contra os animais.
Em algumas cidades do sertão baiano, o jumento já não existe mais, e o impacto desse desastre é visível até mesmo na alteração da cultura local. Em rincões, onde ainda estão presentes, há intensa negociação entre chineses e sertanejos pelo animal. Um jumento adulto pode ser vendido por até mil reais, diante da escassez. A pele, por sua vez, chega a ser negociada por até 4 mil dólares no mercado internacional.
Para tentar reverter essa tragédia, pesquisadores e ativistas defendem a aprovação de um projeto de lei que proíbe o abate de jumentos em todo o território nacional, mas a proposta está parada no Congresso. Outras iniciativas, como a criação de santuários para a reprodução e reintrodução da espécie no habitat natural como a caatinga, também são alternativas que podem ajudar a salvar e preservar o jumento: um símbolo de resistência que é parte da história do Brasil.
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