Nos últimos anos, Goiás tem assistido a uma preocupante erosão de um modelo educacional que foi fundamental para o fortalecimento da agricultura familiar e da vida rural no estado. As Escolas Família Agrícola (EFAs), que sempre representaram uma esperança para a juventude do campo, enfrentam uma ameaça iminente de desmonte, resultado de uma série de ações que visam desvalorizar e fechar essas instituições.

Em 2023, o número de escolas rurais fechadas em Goiás foi alarmante: 19. Em 2024, a situação não melhorou, com o fechamento de mais de nove escolas, e para 2025, a previsão é de que pelo menos outras cinco instituições sigam o mesmo caminho.

O caso da Escola Família Agrícola de Goiás EFAGO, uma das mais representativas, é o mais grave, com risco de fechamento imediato, o que implica a perda de um modelo educacional que visa formar jovens com um compromisso com a agricultura familiar e o fortalecimento das comunidades rurais.

Mas por trás dessa tragédia está uma tentativa deliberada de reconfigurar o modelo educacional no campo. O programa “Goiás Tec”, que tem ganhado força no estado, promete substituir a presença dos professores nas escolas rurais por aulas remotas, numa clara tentativa de cortar custos e centralizar o ensino.

Na escola família agrícola, os jovens são formados nos princípios da agricultura familiar, pensando nele, voltar para ajudar na propriedade ou na comunidade. No entanto, no agrocolégio, é pensado muito mais na modalidade do grande agronegócio. Então, induzem isso, a retirada desse jovem, todos esses princípios educativos que tem das escolas do campo para as grandes cidades.

coord. Comissão Pastoral da Terra e Comitê de Educação do Campo

A premissa de que o ensino remoto pode substituir a educação presencial nas zonas rurais é, no mínimo, desconcertante. A realidade do campo exige uma educação prática, vinculada ao contexto local, que ensine as técnicas agrícolas, o respeito à cultura e aos saberes tradicionais e que promova uma formação cidadã que o ensino à distância simplesmente não pode oferecer.

Em vez de valorizar as EFAs, que se comprometem com o desenvolvimento local e a permanência das famílias no campo, o governo estadual tem incentivado a migração de jovens para os agrocolégios em Goiânia, instituições que se voltam para o agronegócio e se distanciam das necessidades reais do campo.

Ao invés de fortalecer a agricultura familiar, o que esses programas oferecem é uma visão de desenvolvimento que favorece grandes corporações e um modelo de ensino voltado para a massificação da educação, desconsiderando as especificidades do meio rural.

Além disso, o que se observa é que a imposição do ensino remoto é um ataque direto à formação de uma educação que respeite a identidade do campo. Comunidades quilombolas, como as de Cavalcante, têm se mostrado resistentes a essa mudança, pois sabem que o ensino à distância não pode transmitir os conhecimentos e habilidades necessários para a realidade dessas comunidades.

O impacto dessa mudança é ainda mais grave quando pensamos no futuro das gerações que, ao invés de continuarem a desenvolver suas comunidades com base na agricultura familiar, são forçadas a abandonar suas raízes e se inserir em um sistema educacional que não tem nada a ver com sua realidade.

A soma dessas medidas – o fechamento das escolas rurais e a imposição do ensino remoto – ameaça não só a educação, mas a própria identidade das comunidades do campo. Quando as escolas são fechadas, jovens e crianças são arrancados de suas comunidades e levados para longe de suas famílias e da vida no campo.

Dados de fechamento das escolas

Isso não apenas fragiliza a educação, mas enfraquece as comunidades rurais, criando um ciclo vicioso onde a migração para as grandes cidades aumenta, a agricultura familiar perde força e as propriedades rurais acabam sendo abandonadas e até vendidas.

É impossível ignorar os efeitos negativos desse desmonte. O que o governo estadual está fazendo não é apenas cortar custos, mas destruir um modelo de desenvolvimento que busca fortalecer o interior de Goiás, garantindo que as famílias permaneçam em suas terras, que os jovens se eduquem em suas comunidades e que a agricultura familiar se mantenha como um pilar de sustentabilidade e de justiça social.

As entidades que representam o campo, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF-GO) e o Comitê de Educação do Campo de Goiás (CECEG), estão se mobilizando para barrar essa destruição.

Em 5 de fevereiro, representantes dessas organizações estiveram na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás para denunciar o descaso do governo estadual com a educação rural, levando um relatório detalhado sobre o fechamento das escolas e a implantação do “Goiás Tec”, que tem gerado resistência em diversas comunidades.

Não podemos permitir que o Estado continue com esse processo de esvaziamento do campo. As escolas do campo, especialmente as Escolas Família Agrícola, são fundamentais para garantir que o futuro das novas gerações seja construído a partir da preservação da agricultura familiar e da valorização do que é genuinamente rural.

A educação do campo precisa ser fortalecida, não destruída. É preciso que as autoridades estaduais reconheçam que o futuro do Brasil depende da valorização da educação rural e do fortalecimento das comunidades do campo.

O desmonte das escolas rurais e a imposição do ensino remoto são um retrocesso que precisamos impedir. A luta pela educação do campo é também uma luta pela permanência das famílias no campo, pela preservação das culturas e tradições rurais e pela construção de um país mais justo e sustentável.

Não podemos permitir que as escolas que têm sido a base da educação agrofamiliar em Goiás sejam simplesmente fechadas. A juventude do campo merece mais, e a sociedade precisa se unir para defender esse direito.

Nota da Secretaria de Educação

Em atenção à solicitação de informações sobre o fechamento de escolas agrícolas em Goiás, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc/GO) esclarece que:

  • A rede estadual de ensino do Estado de Goiás tem trabalhado para ampliar o atendimento na Educação do campo e, de 2019 até agora, esse crescimento foi consolidado com a oferta de vagas de cursos técnicos em Agropecuária em três Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), situadas nas cidades de Goiás (Efago), Orizona (Efaori) e Uirapuru (Efau);
  • Em 2025, a Seduc/GO inaugurou o Agrocolégio Estadual Maguito Vilela, que oferta 60 vagas em duas turmas de Ensino Médio integrado ao curso técnico profissional em Agropecuária. Para o ano que vem, essa capacidade de atendimento terá um aumento de 100% no número de vagas;
  • Atualmente a rede estadual de ensino conta, no total, com 71 escolas do campo;
  • A Seduc/Goiás ressalta que não houve nenhuma redução no atendimento aos estudantes do campo na rede estadual de ensino de 2019 até agora.

Secretaria de Estado da Educação – Governo de Goiás

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