O voto feminino se tornou o foco da crônica política e das campanhas eleitorais. Com agenda própria para aprovação ou recusa a diferentes candidatos, as mulheres são o alvo do marketing político. Entretanto, este momento é apenas mais um capítulo na história recente das mulheres na política, que começou com o movimento sufragista durante a primeira República e que ainda enfrenta desafios. 

Hoje, as mulheres são o grupo que mais deixa de escolher um candidato (33 milhões de abstenções, votos nulos ou brancos – 43% do eleitorado feminino) e que menos participa do poder. Mulheres são apenas 15% dos integrantes na Câmara Federal e 12% do senado. Globalmente, essa média é de 25,5% e o Brasil perde para todos os países da América Latina, com exceção de Paraguai e Haiti. O Brasil ocupa a posição de número 140 em ranking que contempla 192 países pesquisados pela União Interparlamentar. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições de 2020.

História

O Memorial da Justiça Eleitoral de Goiás (TRE-GO) recupera documentos da participação feminina no poder do estado e disponibiliza ao público a memória das primeiras eleitoras e eleitas no estado. Segundo Filipe Petres Dellon Silva, historiador responsável pela seção de memória no TRE, é difícil apontar quem foram as primeiras eleitoras do estado. Após a independência em 1889 e com a Constituição Republicana de 1891, nasceu uma legislação sobre o voto e o processo eleitoral livre do jugo colonial, mas as mulheres estavam amplamente excluídas das decisões políticas no país.

Algumas mulheres puderam votar, entretanto, judicializando o processo e exigindo o direito ao sufrágio nas cortes. Via de regra, eram pessoas proeminentes, da elite econômica, com espaço para expressão em jornais e no fórum público. “Isso não significa que não tenham existido lideranças populares no movimento sufragista goiano, mas precisamos de mais pesquisas para conhecer melhor quem foram mulheres”, afirma Filipe Petres. 

Segundo Luciano Hanna, advogado e ex-juiz membro do TRE-GO, a primeira mulher a conquistar judicialmente o direito ao voto foi a professora Celina Guimarães, de Mossoró (RN), em 1927. Celina Guimarães foi a primeira mulher latino-americana a votar. A pioneira abriu caminho ao direito universal de todas as mulheres brasileiras em um cenário em que crescia já no Brasil o movimento sufragista, que tomou o mundo inteiro desde meados do século XIX e ganhou força nas primeiras décadas do XX.

Luciano Hanna afirma: “Foi no bojo desse forte e organizado movimento que no Brasil que Alzira Soriano foi eleita a primeira mulher a ocupar uma prefeitura no país, assumindo o posto na cidade de Lajes (RN) em 1° de janeiro de 1929, após receber 60% dos votos no processo eleitoral. Esses movimentos pioneiros que foram surgindo antes da Revolução de 1930, mostravam que as mulheres decididamente não abririam mão do seu direito universal ao voto, que, após muita luta, conquistaram-no com o Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932, posteriormente assegurado pela Constituição de 1934”.

Em 1932, com a criação da Justiça Eleitoral e promulgação do código eleitoral por Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram definitivamente o direito ao voto. “O voto feminino era facultativo, ao passo que o masculino era obrigatório. Além de ser facultativo, não eram todas as mulheres que poderiam votar ou serem votadas. As mulheres negras, por exemplo, não tinham esse direito. Além disso, ainda que a mulher pudesse votar, se o marido não autorizasse, ela não poderia exercer esse direito assegurado. Foi somente no ano de 1946 que o voto passa a ser realmente obrigatório a todos”, explica a professora Fernanda Moi, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

Em 1947, nas primeiras eleições após o período ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas, foram registradas as primeiras candidaturas femininas em Goiás. Três mulheres se candidataram ao cargo de vereadora por Goiânia: Ana Pereira Braga, Julieta Fleury da Silva e Maria José Oliveira. Todas as três foram eleitas. Mas não sem alguma luta.

Títulos de Eleitor de Maria José Candido de Oliveira | Foto: Acervo TRE-GO

Maria José Cândido de Oliveira teve exatamente o mesmo número de votos que  e Agenor Rodrigues Chaves, do PSD. O caso acabou indo parar na Justiça, para que se decidisse quem tinha direito à vaga. O impasse durou cerca de seis meses. Enquanto isso, o vereador que chegasse primeiro era quem ocupava o assento no Plenário. No portal da Câmara Municipal se lê: “Foi uma situação engraçada, porque os dois ficavam disputando quem se sentava na cadeira diariamente. O critério avaliado foi a idade dos candidatos. O mais curioso é que ambos eram nascidos no mesmo ano. A disputa também foi acirrada para provar quem era o mais velho. O ex-vereador Odon Rodrigues de Morais lembra que o fato foi mais inusitado ainda porque era a primeira vez que se via uma mulher brigando para ser mais velha. Ele conta que até escreveu um artigo sobre o assunto e enviou para a revista O Cruzeiro. O texto foi publicado e teve grande repercussão.”

Outra curiosidade, ainda segundo a própria Câmara, foi que a chegada das vereadoras obrigou o desenvolvimento de um projeto emergencial, antes da posse – a construção de mais um banheiro. Naquela época a Câmara Municipal de Goiânia tinha apenas um toalete, destinado aos homens. 

Foto de Maria Cândida de Oliveira na Câmara dos Vereadores 1948-1951 | Foto: Acervo TRE-GO

Do trio de vereadoras goianienses eleitas em 1947, quem teve maior expressão política foi Ana Pereira Braga. Eleita pela primeira vez com apenas 24 anos de idade, era solteira, normalista, e de oposição – do partido União Democrática Nacional (UDN). Foi a primeira goiana a proferir um discurso sobre a importância da mulher na política.

Em 1959, Ana Braga – então casada com o médico Trajano Machado Gontijo – se candidatou com o nome Ana Braga Machado Gontijo e foi eleita deputada estadual, recebendo votos em todos os municípios goianos. O marido foi eleito prefeito de Tocantinópolis e posteriormente de Porangatu, e Ana Braga desempenhou, simultaneamente, as atividades de primeira-dama dos municípios e de parlamentar estadual. Segundo a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), seu mandato foi marcado pela campanha em defesa das vítimas da hanseníase, conseguindo atrair a atenção da sociedade e da imprensa, que deu apoio à causa.

Ana Braga continuou ativa na política até a década de 1980. Foi secretária estadual de Educação e subsecretária de Cultura. Durante toda sua carreira, se dedicou também ao magistério. Foi membro da Academia Goiana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, assim como da Academia Tocantinense de Letras. Hoje, reside em Goiânia, aos 98 anos de idade.

Justiça

Filipe Petres fez o levantamento das mulheres que atuaram no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, e afirma que também na justiça os avanços na equidade de gênero são recentes. O historiador afirma: “Para além dos cargos de Juízas, percebemos que ainda existe uma barreira de gênero que atrapalha as mulheres a não só ocuparem, como também a permanecerem em cargos públicos, mais ainda os de comando. Ainda existem muitas barreiras a serem superadas, mas o processo de inclusão de gênero, racial e social em todas as instâncias da esfera pública é essencial para uma sociedade cada vez mais justa e democrática.”

Apenas em 1987 a primeira juíza foi eleita membro titular da classe de Júizes Federais no tribunal: Orlanda Luíza de Lima Ferreira, eleita para o biênio de 1987 a 1989. Até os dias atuais, apenas 18 magistradas tiveram atuação no TRE-GO. A primeira magistrada a ocupar a cadeira de Juiz de Direito foi a Dra. Marília Jugmann Santana, em 2000, e a primeira Jurista foi Maria Thereza Pacheco Alencastro Veiga, também em 2000. A e única mulher a presidir o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás foi a Desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, entre os 54 homens que ocuparam a cadeira desde 1937 . 

Filipe Petres afirma que o baixo número de mulheres integrantes da Corte Regional em Goiás não é um caso isolado. Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2019 , somente 31,3% das mulheres exerceram cargo de magistrada na Justiça Eleitoral Brasileira. Esse número é ainda menor quando se trata de porcentagem de cargos como Presidente, Vice-Presidente, Corregedora ou Ouvidora. Nos últimos 10 anos, as mulheres ocuparam somente 23% destes cargos.

Memorial

O acervo do  Memorial do TRE está disponível de forma virtual, pelo site da instituição. Navegando pelo Memorial Virtual, pode-se conhecer os documentos e textos acerca das primeiras mulheres a participar da democracia brasileira. A visita possibilita também conhecer um pouco da história da Justiça Eleitoral, ver exposições, galerias, programas, publicações, vídeos institucionais, mapas das Zonas Eleitorais, unidades de Memória, solicitar pesquisas, e, ainda obter mais informações sobre a Memória da Justiça Eleitoral de Goiás.