Vamos permitir que a vida escape pelos vãos dos dedos?

01 agosto 2024 às 10h07

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Larissa Rezende de Oliveira
Especial para o Jornal Opção
“Chegamos muito recentemente à Terra e vamos embora em breve”. — Henry Gee, editor da revista científica Nature.
Segundo a corrente predominante da Paleontologia, houve cinco extinções em massa das espécies, antes de nossa era geológica. Sempre causadas por fenômenos naturais. A última teria ocorrido há 65 milhões de anos, em razão da queda de um asteroide, com impacto ambiental monstruoso, alcançando todo o globo, tornando a Terra insalubre para cerca de 80% das espécies, que foram desaparecendo após o desastre. Exemplo: os dinossauros.
Na janela de oportunidade de um clima ameno, na era cenozoica, já no período quaternário, no qual nos encontramos, deu-se o surgimento da vida humana, há aproximadamente 2,5 milhões de anos. Considerando que nos registros fósseis são encontradas evidências de organismos vivos de 3,5 bilhões de anos atrás, o período de tempo que nós humanos estamos aqui é, comparativamente, muito pequeno. Uma vírgula num texto de mil páginas. Um estalar de dedos, comparado a todos os ruídos do mundo.
Diferentemente das espécies anteriores à nossa, chegamos dotados de alto potencial de recurso embarcado, que deu início, há 67 mil anos, à revolução cognitiva. Com ela veio a consciência de si mesmo, o aprendizado, o desenvolvimento e a acumulação cultural, as narrativas míticas do surgimento do universo. Inclusive Deus, como narrativa e objeto de fé, surgiu da efervescência mental de nossa espécie.

Prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul Crutzen propõe o entendimento de que, com a Revolução Industrial, iniciada há 300 anos, foi dado início a uma nova era, o Antropoceno, cujas alterações predominantes no meio ambiente, não são naturais, como nas outras eras. Mas artificiais, resultado da ação direta do homem. A atividade humana vem afetando o meio ambiente de forma turbinada e crescente, com a queima de combustíveis fósseis, o descarte de materiais plásticos, o lançamento brutal de gás de efeito estufa no ar, a dizimação dos biomas pela agricultura de terra arrasada, a poluição sem limites da terra, da água e do ar. É como se houvesse acendido a lenha na caldeira que habitamos e a temperatura sobe, dia após dia, numa velocidade sem precedentes.
Há pouco mais de duas décadas, ainda estudante de Biologia, iniciei um trabalho sem tréguas de preservação, restauração, consciência e educação ambiental para crianças e jovens. Primeiramente acreditei que meu trabalho se juntaria ao de outras pessoas, levaria consciência a uma nova geração que poderia sensibilizar seus pais para a causa ambiental, a tempo de proceder a reversão dos extremos climáticos.
Hoje, percebo que meu trabalho e de meus colegas, se não foi de todo inútil, foi no mínimo ineficaz para combater a ameaça que avança sobre a vida, de forma obstinada, cujo prazo de reversão está se esgotando. Desastres ambientais de dimensões inéditas, tais como tufões, enchentes, deslizamento de barreiras, secas, desertificações, fogaréus incontroláveis, calores escaldantes e nevascas rigorosas já se espalham ao redor do planeta, sem distinção de zona climática. O que era previsível pela ciência, mas só daqui a décadas ou até mesmo séculos, já está acontecendo agora, diante de nossos olhos. Estudos de instituições ligadas à ONU atestam que o Brasil, em pouco tempo, será, em grande parte, inundado, desertificado e insalubre para a vida humana e a outras espécies coabitantes. Diante do iminente desastre, nem os estados nacionais, nem os organismos de representação supranacional, têm dado conta, ou mesmo feito questão de enfrentar tais desafios.

Durante a turbulência de passagem de períodos geológicos, um dos acontecimentos marcantes é o desaparecimento em massa das espécies. As conclusões mais aceitas garantem que uma nova extinção em massa das espécies já está em curso, de uma forma antecipada e atípica, vez que se dá, não pelo ciclo natural da Terra, mas pela ação predatória do homem sobre o ambiente em que vive. Nós somos o equivalente à queda do asteroide. O desaparecimento não atingirá apenas as espécies que nossa santa ignorância julga não fazerem falta, como as formigas, as abelhas, os urubus, os vaga-lumes e as águas-vivas. Uma das espécies prioritárias para o desaparecimento será nada menos que a do Homo sapiens, a espécie que nos classifica no reino animal. Somos elementos integrantes e sensíveis da biodiversidade. No entanto, há uma distopia em nosso comportamento atual. Quando há um inimigo comum, a reação normal de qualquer espécie é se unir para se defender. Temos um feroz inimigo comum. E até agora, lamentavelmente, não conseguimos nos mobilizar contra ele.
O desaparecimento de nossa espécie implica na perda de tudo o que nossa revolução cognitiva conquistou em seu período de existência: a cultura, o acúmulo de saberes, o desenvolvimento científico e tecnológico, a narrativa sempre em evolução do universo. Implica, inclusive, no desaparecimento de Deus, como narrativa e objeto de reverência.
Não deixarei de realizar meu trabalho de restauração, preservação e conscientização ambiental. Porém, faço um apelo para que cada pessoa pense mais na preservação da vida do que se dar bem economicamente. Que recalibre suas ações e hábitos de consumo, de modo a cooperar com o bem-estar no mundo. Comece a observar as recomendações de pessoas e instituições qualificadas para se tornar um operador da causa da preservação da vida de nossa espécie. Mantenha hábitos sustentáveis e reduza seu rastro ecológico.

Não se esqueça nunca de que a Terra é o suporte da vida. Não há outro planeta à vista para o qual possamos migrar, levando nossa cultura, crença, desenvolvimento de saberes e, enfim, todo o nosso tesouro cognitivo que, infelizmente, está contaminado por afetos de autodestruição. Essa história do magnata Elon Musk de que levará o ser humano para habitar o planeta Marte é apenas uma balela de marketing, para aumentar a cotação das ações de suas empresas e garantir sua posição de “o homem mais rico do universo”, até que a extinção das espécies o carregue.
10 dicas de hábitos e ações sustentáveis
1
Vote em políticos realmente comprometidos com a causa do meio ambiente (e acompanhe suas ações e cobre se for o caso);
2
Discuta questões ambientais (ou promova palestras) no trabalho, com amigos e familiares, com leveza, sem radicalismo. O radicalismo mais afasta do que agrega;
3
Preserve as nascentes e as matas ciliares. Evite o desperdício de água. Use água da chuva e de reuso para lavar calçadas, carros e irrigar jardins;
4
Evite a impermeabilização de terrenos. Plante árvores e gramados;
5
Dê preferência a produtos orgânicos. Reduza o consumo de carne. Evite produtos químicos e venenosos;
6
Respeite áreas de reserva e proteção ambiental. Reserve mais do que o obrigatório por lei;
7
Use técnicas de preservação do solo e faça plantio direto ou consorciado;
8
Use transporte compartilhado entre parentes e amigos. Evite combustível fóssil. Faça pequenos percursos a pé ou de bicicleta.
9
Separe os resíduos para recolhimento seletivo e reciclagem;
10
Pratique o consumo consciente. Antes de comprar, responda honestamente: “Realmente eu preciso disso?”
Lembre-se: ações individuais refletem coletivamente. Toda revolução começa com uma ação individual.
Larissa Rezende de Oliveira é bióloga e mestra em Ciências Ambientais e Saúde, pela PUC-Goiás, autora do livro a sair: “Guia Prático de Educação Ambiental em Zoológicos”. É colaboradora do Jornal Opção.