O assessor técnico do Ministério da Igualdade Racial, Victor Lemos Cruzeiro, esteve no Tocantins a convite da secretária dos Povos Originários e Tradicionais, Narúbia Werreira, para contribuir na formatação do programa Aquilomba Tocantins, que segue os moldes do programa do governo federal, Aquilomba Brasil.

Em sua primeira visita ao Jalapão, Victor Cruzeiro, revelou que ficou impressionado com a importância que o capim-dourado ocupa na organização econômica das comunidades locais. O assessor elogiou a disposição do poder público e da comunidade em ampliar a proteção ao símbolo do Jalapão.

“Sei que há três anos houve uma grande baixa da colheita, por manejos errados, mudanças climáticas e por colheitas clandestinas. O problema persiste, porque obviamente, os criminosos vão procurar todas as brechas possíveis, mas se nota um interesse muito grande do poder público em proteger isso. Inclusive em colocar o capim-dourado dentro do radar de itens culturais do cotidiano tocantinense”, observou o gestor.

Durante a visita, Victor Cruzeiro destacou a importância do Programa Aquilomba Brasil, que garante os direitos da população quilombola no país. Segundo o gestor, o programa está estruturado em quatro eixos: acesso à terra e território; infraestrutura e qualidade de vida; inclusão produtiva e etnodesenvolvimento local; e direitos e cidadania.

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Victor Cruzeiro Lemos, falou ainda da sua impressão sobre o nível de organização das comunidades quilombolas do Jalapão, elogiou as políticas da Secretária Estadual dos Povos Originais e Tradicionais e defendeu a existência de órgãos que defendam os direitos dos povos quilombolas em todos os níveis de poder.

A que se deve a sua visita ao Tocantins, especificamente ao Jalapão?

A minha visita ao Tocantins foi motivada por um convite da diretora Ana Mumbuca, que está como diretora de Proteção aos quilombolas, da Secretaria dos Povos Originais e Tradicionais [do Tocantins]. Ela e a secretária Narúbia [Werreria] estão construindo um programa em nível estadual intersetorial chamado Aquilomba Tocantins que visa garantir direitos mínimos e alguns direitos mais, acesso a programas avançados de garantia de direito para a população quilombola que vai desde a infraestrutura básica até a potencialização dos eixos de desenvolvimento econômico que é o desenvolvimento regional localizado dentro do potencial produtivo de cada comunidade.

Victor Cruzeiro com a equipe da Secretaria dos Povos Originais e Tradicionais do Tocantins, durante visita ao Estado para ajudar na elaboração do Programa Aquilomba Tocantins | Foto: Manoel Júnior/Secom-TO

No caso aqui do Mumbuca é o capim-dourado, em outras comunidades é o processamento dos frutos do cerrado, casa de farinha, então é um projeto bem completo que é um reflexo do Programa Aquilomba Brasil que está sendo capitaneado pelo Ministério da Igualdade Racial, com mais 12 ministérios e mais organizações da sociedade civil, como a Fundação Palmares que ajuda no reconhecimento dos quilombos.

Enfim, como o Ministério da Igualdade Racial já vem trabalhando no programa Aquilomba a secretária Narúbia me chamou para, a partir de uma escuta com o poder público e as comunidades e vivências diretas, poder ajudar a fazer um rascunho dos objetivos específicos, dos eixos do programa Aquilomba Tocantins, inclusive para que ele seja mais afim com o programa Aquilomba Brasil, entendendo que programas nacionais, estaduais e municipais não se sobrepõem, se complementam.

A atuação direta aqui nos quilombos do Tocantins, a partir da Secretaria dos Povos Originais e Tradicionais do Tocantins, é muito mais qualificada pelo conhecimento e pelo escopo menor, pela capacidade da diretora Ana e da secretária Narúbia de poderem coordenar demandas em um número menor de quilombos e levá-las mais direcionadas para o Ministério, para, por exemplo, programas de escopo nacional que alcancem a região.

Qual a sua avaliação sobre organização social e econômica que as comunidades quilombolas do Jalapão conseguiram alcançar por meio do capim-dourado?

Eu vejo isso muito claro, não só dentro da Secretaria de Povos . Eu tive o prazer de conversar com um representante da Secretaria da Cultura e ficou muito claro que é um projeto em nível estadual a proteção do patrimônio cultural, especificamente, do capim-dourado que é uma questão da identidade muito forte, não só quilombola, mas tocantinense. Por ser a minha primeira visita ao território eu não consigo averiguar isso, mas pelas conversas que eu tive tanto com membros do poder público, como com pessoas da comunidade, inclusive artesãos, eu percebo que existe um encontro de interesses e uma disposição do Estado em fazer uma proteção maior.

Sei que há três anos houve uma grande baixa na colheita, por manejos errados, mudanças climáticas e colheitas clandestinas. O problema persiste, porque obviamente, os criminosos vão procurar todas as brechas possíveis, mas se nota um interesse muito grande do poder público, pelo que eu vejo, de proteger isso, inclusive em colocar o capim-dourado dentro do radar de itens culturais do cotidiano do tocantinense. Inclusive o estilista apresentou roupas tentando colocar dentro do cotidiano urbano a possibilidade do uso do capim-dourado, não só como uma lembrancinha, que você vai ao quilombo e traz para alguém, mas como uma parte de vestimenta de festa de mais requinte.

Peça de decoração feita com capim-dourado | Foto: divulgação

Tive oportunidade de participar da mesa dourada sobre o turismo de base comunitária e foi muito interessante ver que a mesa foi montada aqui dentro da comunidade por membros do poder público, pesquisadores, empresas privadas, Sebrae, pessoas que trabalham com turismo de base comunitária. Foi demonstrado ali num microcosmo, a construção de uma política ideal que envolve os artesãos locais dentro do território e faz uma escuta paritária com o poder público, com as instituições de ensino e com as empresas privadas para chegar a algum lugar que não seja aquela política pública que vem de cima para baixo. E aí vem igual a um jabuti branco, achando que é receita de bolo que serve pra todo mundo e não ouve as necessidades. Eu sinto que nesta toada, e somando isto com a construção de um programa transversal de garantia de políticas públicas para universalizar saneamento básico, energia elétrica, potencializar a educação quilombola, acho que isso só tem a melhorar as comunidades, não só o Mumbuca, certamente toda a comunidade quilombola do Tocantins.

O Ministério da Igualdade Racial está coordenando a construção de um plano de ação conjunta entre todos os ministérios.

Quais as linhas de recursos que o Ministério da Igualdade Racional dispõe para investimento direto nas comunidades quilombolas?

O Programa Aquilomba Brasil é um programa guarda-chuva que em cada esfera vai ter um ministério. O Ministério da Igualdade Racial está coordenando a construção de um plano de ação conjunta entre todos esses ministérios. As dotações orçamentárias e os programas serão executados pelos próprios ministérios. O Ministério da Igualdade Racial não vai concentrar os recursos para distribuir. O plano é que dentro dos programas desses ministérios existam recortes específicos para população quilombola.
Os quilombolas entram em quase todas as políticas prioritárias, geralmente pela inscrição no Cadúnico e por serem populações em vulnerabilidade social e baixa renda. Mas objetivo é que possamos fazer um recorte ainda mais direcionado e aí fazer recortes específicos para quilombolas, como por exemplo, que seja desenvolvido um Minha Casa, Minha Vida, para os quilombolas, que não entre só editais de cultura para comunidade quilombola.

O plano ainda não está pronto. A previsão é que o comitê gestor do Aquilomba Brasil termine o desenho do plano de ação agora em outubro a partir da sensibilização dos ministérios e de uma atuação direta do Ministério da Igualdade Racial esses mecanismos específicos para população quilombola.


Pode surgir um edital específico para o quilombola do cerrado, ou específico para o Tocantins

Não posso afirmar que haverá recursos direcionados, mas o objetivo é que esses recursos sejam direcionados de uma maneira específica e garantida, em nível nacional, mas lidando também com recortes territoriais. Pode surgir um edital específico para o quilombola do cerrado, ou especifico para o Tocantins também, porque daí essa atuação ministerial pode muito bem andar de mãos dadas com uma atuação estadual. Por isso a importância de termos secretarias de povos tradicionais ou secretarias dedicadas aos direitos quilombolas, não necessariamente secretarias específicas, mas, por exemplo, diretorias, dentro dos poderes estaduais e até municipais.

Considerando uma cidade como Mateiros, que tem uma grande quantidade de quilombolas nessa região, nós temos o prefeito [Pastor João Martins] que é extremamente comprometido com a pauta quilombola, mas porque não uma diretoria, em outras cidades, para que esse trabalho direcionado entre essa área finalística que é o poder municipal, o poder estadual como intermediário e o poder federal para que possa ter um encontro das demandas? E nesse encontro das demandas pode ter transferência de recursos, realização de programas e até a elaboração de programas específicos. Nada impede que após a finalização do plano do Programa Aquilomba Brasil, com as áreas específicas, a Secretaria dos Povos Tradicionais não aborde o Ministério da Cultura, por exemplo, e porque não elaboramos um edital específico para elaboração de projetos com capim-dourado?

O objetivo é que a gente garanta políticas que façam com que essas comunidades não tenham só o mínimo, que possam ter uma melhoria de vida

Com o plano de ação delimitado nós vamos ter metas físicas e financeiras. Quer dizer, nós vamos ter números e orçamento. Com perdão da expressão, mas o céu é o limite para atuação de políticas bem coordenadas para populações quilombolas. O objetivo é que a gente garanta políticas que façam com que essas comunidades não tenham só o mínimo, que possam ter uma melhoria de vida e possam ter a plena cidadania que as pessoas na cidade têm. Ter um lugar onde falta energia, onde a internet é instável, onde a água pode faltar, onde o saneamento básico é precário, isso é não é cidadania, é pré-cidadania.

O objetivo do Aquilomba Brasil é que nós possamos garantir cidadania plena para esses cidadãos que estão isolados e que entendemos que eles estão historicamente isolados porque estavam fugindo de uma situação de escravidão. Os quilombos são formados juntamente por esta fuga. Pela fuga da violência, pela fuga da escravidão, pela fuga do trabalho forçado, então eles ficaram à margem durante 200, 300 anos. Então o objetivo do Aquilomba Brasil é que nós tiremos essas pessoas da margem para as trazermos para o centro da cidadania plena do Estado, na elaboração de políticas e na garantia de direitos.

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