A vanguarda do atraso

10 maio 2014 às 08h49

COMPARTILHAR

Eleição de Sandoval Cardoso divide opiniões. Governistas falam de renovação da continuidade. Oposicionistas dizem que nada mais é do que continuísmo de um projeto que não vingou. Governador diz que tem estilo próprio de caminhar
Ruy Bucar
Ainda não é possível prever para onde o governador tampão Sandoval Cardoso (SDD) vai pender. Em discurso durante a eleição revelou que tem estilo próprio de caminhar. Sugerindo novo jeito de governar. Em seu primeiro ato depois da eleição colocou um aliado de primeira hora na Secretaria de Planejamento, o ex-vereador de Paraíso do Tocantins Joaquim Júnior. O que demonstra que está montando um time de confiança, não necessariamente uma equipe competente.
O governador pode optar em fazer um governo de mudanças, o que não significa rompimento com o siqueirismo, ou dar continuidade a um modelo de governo que fracassou, desperdiçando a oportunidade de mostrar estilo próprio de caminhar, como assegura ter. Sandoval não tem escolha: ou avança ou regride. Ficar parado também é retrocesso.
Não se trata aqui de prever se Sandoval vai ou não romper com o siqueirismo. De posse da caneta e alojado da cadeira de governador Sandoval pode ser obrigado a conduzir o governo para uma direção que desagrade os Siqueira. E isso pode representar rompimento. Ou vai ser obrigado a tomar decisões que não gostaria. Que o diga o ex-governador Marcelo Miranda e o ex-prefeito de Palmas Odir Rocha, que foram tentados com insultos políticos, interferências e provocações antes de tomar a decisão de rompimento.
Se a questão é lealdade canina pelo criador, Sandoval não é um dos melhores exemplos. Em 2007, quando chegou ao plenário da Assembleia como deputado eleito pelo PMDB, em uma hora de mandato já tinha traído duas vezes, seu grupo político e o seu partido. Na eleição para a presidência da Assembleia Legislativa, no primeiro dia da nova legislatura, Sandoval declarou que não votaria no candidato do seu partido, Carlos Gaguim, para apoiar César Halum, candidato do governo Marcelo Miranda. Na hora da votação votou em Gaguim depois de acordos e negociações, traindo o compromisso com o governo e com a sua palavra dado as companheiros.
O prefeito de Palmas, Carlos Amastha (PP), pelo twiter saudou a eleição de Sandoval com uma expressão que pode muito bem virar slogan do novo governo: Sandoval é a continuidade renovada. O prefeito, que é aliado do governador, queria certamente fazer um elogio ao gestor que acredita liderar um processo de renovação política-administrativa, o que representa uma ruptura com o velho estilo de governar. Sua colocação não ressalta mudança, mas sustenta o continuísmo.
A frase do Amastha que revela o seu entusiasmo com o novo governador nos faz lembrar uma passagem do ex-ministro da Justiça do governo Sarney, o deputado pernambucano Fernando Lyra. No afã de destacar a importância de Sarney na condução do governo de transição (da ditadura militar para a democracia), Lyra cunhou uma frase emblemática sobre aquele governo do qual fazia parte, dizendo de Sarney, que tinha participado da ditadura militar, inclusive dirigindo o partido governista, o velho PSD, ser vanguarda do atraso.
Era para ser uma frase elogiosa, mas virou uma crítica virulenta. Lyra queria dizer que Sarney representava a parte avançada do que sobrou da ditadura. Ou seja, em relação ao sistema conservador e retrógado que chegava ao fim com a eleição indireta de Tancredo Neves, Sarney era vanguarda. Mas não foi essa a mensagem que a frase passou. A frase passou a ideia de que Sarney, que era vice de Tancredo e assumiu o governo com a sua morte, representava a parte atrasada de um novo tempo, pós-ditadura militar. A frase provocou certo mal-estar entre Lyra e Sarney e obrigou o deputado a deixar o governo mais cedo.
Amastha sintetizou de maneira clara o governo Sandoval Cardoso. Renovação do continuísmo. A expressão em si guarda uma contradição muito importante. Se é continuísmo não é renovação e se tem possibilidade de renovação terá que haver ruptura com o continuísmo. A expressão é uma impropriedade, está sendo usada para incutir a ideia falsa de uma premissa verdadeira. Sandoval pode sim ser uma renovação, mas para tal terá que negar a sua origem. Da forma que chegou ao poder, carregado pelo siqueirismo, nada mais é do que a face mais suave do mesmo sistema desgastado e ultrapassado pela exaustão.
Não há como disfarçar ou negar que Sandoval Cardoso realiza uma gestão de continuidade do velho modelo de governar de Siqueira Campos. O secretariado é o mesmo, o modelo de gestão o mesmo, assim como a lógica de organização do poder bem como os seus objetivos. Sandoval pode ser jovem e ter vontade de expressar opinião própria no comando da gestão, mas será que tem condições e coragem de romper com os laços políticos que o predem umbilicalmente ao siqueirismo, responsável direto pela sua ascensão política e que por uma questão de sobrevivência exige a continuidade?
Outro dado a se observar é que Sandoval é resultado direto da necessidade do siqueirismo de mudar a aparência para preservar a essência, como dizia Tomasi di Lampedusa, em o “Leopardo”: “Algo deve mudar para tudo continuar como está.” No caso, não perder o comando do governo, incluindo, manter os benefícios, vantagens e os privilégios com que são agraciados os que comandam o poder no Tocantins. A obra de Lampedusa narra a decadência da nobreza e o aparecimento de uma nova classe na Itália, no final do século 19. Guardadas as devidas proporções não é interessante observar que no Tocantins também se verifica a decadência de uma classe política com a possibilidade de surgimento de uma nova?
A verdade é que Sandoval tem uma dívida enorme com o siqueirismo, mas não tem muito o que oferecer como recompensa, que seria o apoio deliberado ao pré-candidato Eduardo Siqueira Campos (PTB), pelo menos por enquanto. O cenário também não ajuda. As pesquisas indicam claramente o desejo de mudança na sociedade. Sandoval surge da percepção deste cenário, mas sua ascensão política não é para atender a vontade popular, mas para evitar mudanças.
Para apoiar Eduardo Siqueira da forma do acordo, que se pressupõe que exista, senão não seria necessária a renúncia do vice João Oliveira, com condições de influenciar no resultado das eleições, Sandoval precisa primeiro apoiar a si próprio. Buscar condições de realizar um bom governo. E não tem muito tempo para tentar esta proeza. Também não será nada fácil. O Estado passa pela sua pior crise de gestão. A capacidade de investimento está chegando ao escandaloso índice de 1,5%, enquanto a os gastos com folha de pagamento ultrapassam o limite prudencial de 49,5%.
Siqueira mantém o controle do governo, mas não se sabe por quanto tempo. Sem resultado administrativo e divorciado do sentimento popular o poder se esvazia naturalmente. E neste caso quanto mais se apegar ao poder mais difícil será para se manter nele. A renúncia foi uma ruptura importante e sinal claro de que o governo assimilou o desgaste, tanto é que tentou se livrar dele. E pode ser um caminho sem volta. Ainda que alguns não queiram as mudanças virão, talvez mais rápidas do que se possa imaginar. É aguardar para ver o que vai dar.