Tião Pinheiro: “Nossa missão é estruturar a pasta e construir políticas perenes de cultura”

16 julho 2023 às 00h01

COMPARTILHAR
Alvaro Vallim
Especial para o Jornal Opção
Trabalhando desde sempre no jornalismo, tendo crescido na profissão cobrindo o setor de cultura no jornal O Popular e depois sendo editor-chefe do Jornal do Tocantins antes mesmo da criação do Estado em 1988, José Sebastião Pinheiro, ou apenas Tião Pinheiro – como gosta de ser chamado – foi incumbido pelo governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) de estruturar a recém-recriada Secretaria de Estado da Cultura.
Tendo trabalhado tantos anos no Grupo Jaime Câmara, para onde voltaria após ter deixado a Diretoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ-TO), muita gente nem acreditava que Tião aceitasse o cargo e o encargo. Mas parece que foi justamente o encargo que o fez ficar no Tocantins.
Com a missão de reestruturar e fortalecer o setor cultural, ele acredita que nunca houve um momento tão bom para a cultura, já que só a Lei Paulo Gustavo 2 destinou um orçamento de R$ 3,8 bilhões para projetos culturais. E virão por aí mais recursos, com as leis Aldir Blanc 1 e 2 e ainda com a reformulação da Lei Rouanet.
Mas na visão de Tião Pinheiro – que diz “trocar o pneu do carro a 300 por hora”, referindo-se a reestruturar pasta e ainda montar e tocar projetos –, é preciso construir uma política cultural perene. A Cultura do Tocantins conseguiu que 137 dos 139 municípios se cadastrassem para receber recursos da Lei Paulo Gustavo. O Estado e ainda foi um dos quatro primeiros a apresentar um plano de trabalho ao Ministério da Cultura (MinC).
Com bom trânsito entre políticos de todos os matizes, Tião Pinheiro quer parcerias com prefeituras, quer o apoio dos parlamentares e, também, dos fazedores de cultura para construir uma política cultural perene e forte, para que não seja novamente uma pasta extinta e com as políticas deixadas de lado.
Como o sr. avalia este novo marco para a cultura tocantinense, com a recriação da Secretaria de Cultura no início do governo?
Todo mundo sabe que a cultura viveu hiatos, pandemias, pandemônios e outras coisas mais. Agora, a cultura brasileira de uma forma geral, e no Tocantins não é diferente, está vivendo um momento muito especial. Primeiro, no aspecto federal, em que o presidente Lula (PT) recriou o Ministério da Cultura e colocou uma pessoa do quilate da artista Margareth Menezes. O MinC está numa agilidade tremenda, se reestruturando e trabalhando muito ao mesmo tempo. E o governador Wanderlei Barbosa também recriou não só a Secretaria de Cultura, mas se alinhou, criando as Secretarias dos Povos Originários, da Mulher e da Pesca. E a Cultura veio nesse bojo.
A instituição Estado tinha um passivo muito grande com a cultura do Tocantins, por muitas razões, como a descontinuidade de gestões, dentre outras. E o governador apostando na cultura, como ele aposta. Um governador tocantinense nato, que me chamou para assumir aqui.
Eu, inclusive, mudei meu roteiro profissional. Estava voltando para Goiânia, para assumir um desafio, uma missão, no Grupo Jaime Câmara, e, a 15 dias da minha volta, mudei tudo pelo convite do governador. Senti a disposição dele, sua vontade política, primeiro recriando a Secretaria e depois apostando no setor cultural. É um momento muito particular e sempre tenho falado que nós, não só gestores públicos, mas nós, fazedores de cultura, temos de ter consciência da importância do momento. Não é hora de ter um lado lá e outro cá. É hora de ter um lado só: o lado da cultura.
Então, você veja a Lei Paulo Gustavo, o primeiro projeto já “startado” [anglicismo para “iniciado”], que destina R$ 3,8 bilhões para o País todo para editais para os fazedores de cultura. Só no Tocantins foram R$ 41,5 milhões, sendo R$ 25,5 milhões para o Estado e R$ 16 milhões para os municípios. O prazo para inscrições venceu agora no dia 11 de julho. No Tocantins, dos 139 municípios, só dois não fizeram adesão.
No governo, a Secretaria da Cultura fez a lição de casa e, em tempo hábil, se incluiu entre os quatro primeiros Estados que apresentaram plano de trabalho ao MinC. O plano de trabalho já está aprovado e o dinheiro já em caixa. Os R$ 25,5 milhões estão na conta da secretaria.
Estamos trabalhando na fase de elaboração dos editais, que inicialmente serão cinco. Serão várias linguagens, artesanato, música, dança, audiovisual. Profissionalmente, eu acompanho a cultura há 45 anos e nunca vi um cenário tão favorável. E foi por isso que eu resolvi ficar. Nós estamos numa fase de reestruturação da secretaria, mas como diz o povo, estamos trocando pneu com o carro andando a 300 por hora. Ou seja, reestruturando, mas já tocando os projetos também. A secretaria é nova, mas tem muitas demandas e passivos antigos.
Como estão os passivos da pasta, aqueles editais que governos anteriores prometeram pagar e os beneficiados estão esperando até hoje?
Em relação aos passivos antigos, têm os editais sobre os quais a gente está fazendo gestão, mas muitas coisas nem prometemos, porque já foram finalizadas e legalmente não há nem como voltar. Mas claro que tem o passivo de pagamento de edital de 2013 e outros mais antigos, passivos jurídicos e administrativos, que nós vamos resolvendo na medida do possível.
Resolvemos um recentemente, que era a questão do anexo do Palacinho, que estava sub judice com uma reclamação junto ao Ministério Público. Já assinamos um termo de ajuste, que liberou a conclusão do espaço. Nós temos dois equipamentos públicos na capital, que são o Palacinho e o Memorial Coluna Prestes. Não tem sentido ficar com um espaço praticamente pronto parado e sem uso. Então foi ajustado para poder diminuir o impacto arquitetônico de uma obra mais nova com o Palacinho, que é tombado.
Então o governo, por meio da Secretaria da Cultura, vem trabalhando para poder resolver essas questões e fazer o que é nossa missão principal: estruturar a pasta, construir políticas públicas perenes de cultura. Porque fazer evento qualquer um faz, todo mundo faz. Eu já fiz festival no interior de Goiás cinco vezes, sem apoio de nenhum órgão público. Isso é fácil, agora nós temos de trabalhar muito com o legislativo, os deputados estaduais, federais e senadores. Também junto à Associação Tocantinense de Municípios (ATM), já estamos conversando para fazer parcerias. Estamos conversando com a iniciativa privada para construir uma lei de renúncia fiscal estadual. Porque não basta ter só os recursos federais, precisamos dos recursos locais. Várias empresas podem fazer destinação de recursos para a cultura, mas precisa ter lei de renúncia fiscal. Como existe em outros Estados, o Tocantins também precisa das leis para possibilitar que as empresas possam destinar recursos para a cultura. Então, precisamos juntar forças para poder incrementar o setor.

Então não basta fazer os eventos e os editais, é preciso um arcabouço legal pra sustentar tudo isso?
Exatamente. Para criar política pública perene, cria-se o Edital por meio de lei e, quando vira lei, qualquer governador que entrar tem de cumprir. Qualquer secretário que chegar tem de fazer, não depende mais só da vontade das pessoas. Então, criando o edital e a lei que garante os recursos, fica mais fácil para quem chegar poder executar sem maiores problemas.
Durante a pandemia, o setor cultural sofreu muito com o impacto de não poder sair, não poder juntar pessoas e isso exigiu criatividade para fazer espetáculos online. Muita gente se reinventou e ficou fazendo as coisas de casa. Como está agora a retomada? E como a secretaria está ajudando essas pessoas na recuperação de seus trabalhos e do que faziam antes?
Para você ver, o setor artístico cultural foi o primeiro setor a ser atingido. Porque parou tudo e ninguém ia ao cinema, ao teatro, ao boteco. Então, se você está em casa, como é que vai fazer uma peça de teatro virtual? Primeiro, a pandemia nos ensinou a trabalhar virtualmente. Foi uma grande lição e hoje tem muita coisa que você faz no virtual, independentemente de ter passado a pandemia ou não.
Mas tem muita coisa que não dá para fazer no virtual. Por isso, teve esse grande movimento dos fazedores de cultura, no País inteiro. Teve de ir junto ao Congresso Nacional para aprovação. Foi preciso romper barreiras, romper resistências no setor público na esfera federal e até nas esferas estaduais também. Primeiro grande esforço que foi feito foi a aprovação da Lei Paulo Gustavo. Também vamos ter recursos da Lei Aldir Blanc 1, que foi a primeira lei para poder socorrer o setor cultural emergencialmente, mas com muita burocracia. Depois veio a Lei Paulo Gustavo, mais simplificada e depois vem a Lei Aldir Blanc 2, também já bem simplificada para acesso aos recursos. E a transição entre a pandemia e a normalidade vai ser a Lei Aldir Blanc 2 e a Lei Rouanet, que era tida como uma lei de elite (só servia para empresas grandes demais e artistas grandes demais e famosos). A Lei Rouanet agora vai atingir todo mundo. O objetivo do governo federal, dos governos estaduais e dos municipais, que aderiram é fazer os recursos chegarem na ponta. Que dia você já viu isso? Um dinheiro desse tamanho para os fazedores de cultura apresentarem projetos de todas as áreas de todas as manifestações artísticas? Isso já está acontecendo.
Além disso, a Secretaria de Cultura do Tocantins não vai ficar presa à Lei Paulo Gustavo, à Lei Aldir Blanc ou à Lei Rouanet ou a quaisquer outros recursos federais. Vamos lançar, com recursos do Estado e com recursos que vamos captar junto à iniciativa privada, editais próprios, que não sejam através de recursos federais. Então, essa estruturação da secretaria é para poder oferecer soluções e opções para os fazedores de cultura. Então, já está bem encaminhado, nos finais de semana a gente vê muita coisa acontecendo. Eu fiz um post falando isso, acontecimentos da iniciativa privada, do município, do Estado. Recentemente eu tive dificuldade pra adequar a agenda e não consegui ir a todos os eventos. Mas eu volto a chamar a atenção que os fazedores de cultura têm de participar ativamente disso, não só para apresentar projetos, mas no sentido de ajudar as gestões públicas a incrementar tudo, para ficar uma coisa bem bacana, sólida e perene.
O sr. falou nos dois museus de Palmas e nós queremos saber como a Secretaria vai trabalhar para fomentar esta área. Têm muitas pessoas que têm objetos, bens artísticos e milhares de outras coisas que poderiam compor o acervo de um museu.
Isso passa pela estruturação da secretaria, que precisa ter profissionais gabaritados para compor o quadro e poder desenvolver as ações. Nós temos três meses de criação somente e ainda não foi possível compor toda a estrutura. Só para dizer na área de museus, já tinha sido aprovado pelo Conselho de Políticas Culturais na gestão passada – e acabamos de obter a autorização dos recursos – o valor de R$ 4,5 milhões do Fundo Estadual de Cultura, para aplicar em restaurações de igrejas e museus. Não em todo o Estado, mas os principais já estão em andamento e a área do governo que cuida disso é a Ageto [Agência de Transportes, Obras e Infraestrutura]. Vai haver nova licitação, porque a primeira deu “deserto”, não apareceu ninguém interessado. Mas depois nós vamos fazer um levantamento estadual para saber o que tem para restaurar, mas o que tem para fazer também. O Brasil, todo mundo sabe, é pouco afeito à memória e nós temos essa missão. Estamos trabalhando junto com o Iphan, por meio da superintendente Cejane [Muniz], que assumiu o instituto no Tocantins. Temos também o reforço do Cícero Belém, que assumiu o escritório executivo do Ministério da Cultura, é uma pessoa que tem uma vivência extraordinária na cultura com teatro, dança, um militante comprometido e sério em relação à cultura. O Iphan e a Funarte acabam de lançar um projeto voltado para museus e ainda tem o Ibram, que cuida de museus. Vamos trabalhar junto com todos. Nos municípios, as pessoas poderiam fazer como um grupo de amigos em Araguaína que já está incrementando um belo museu na cidade. Todo mundo pode fazer dentro desse modelo, seguindo as leis. Por exemplo, o Palacinho tem a Associação dos Amigos do Palacinho, que tem ajudado muito. Estamos revendo tanto o papel da secretaria, como o papel da associação, no sentido de incrementar o uso público do Palacinho. Então, o momento é muito bom não só para os museus, mas para a música, para a literatura, para o audiovisual, que sempre foi intenso e temos agora a [cineasta] Eva Pereira, que acaba de emplacar um longa no Festival de Gramado, O Barulho da Noite. O filme está entre os seis selecionados para o festival, uma produção eminentemente tocantinense. Temos muita gente boa fazendo audiovisual no Tocantins – o Hélio Brito, que começou lá atrás, o André Araújo, o João Luiz. Tanta gente fazendo. E é bom lembrar que o dinheiro da Lei Paulo Gustavo, os R$ 3,8 bilhões, são oriundos do Fundo do Audiovisual e é por isso que o audiovisual tem 80% dos recursos. Tudo isso nos mostra que é um grande momento para a cultura. E o Tocantins que sempre teve cultura, tem agora uma Secretaria de Cultura.