“A situação da cultura no Estado era de balbúrdia, de sucateamento completo, mas estamos arrumando”

05 junho 2015 às 16h14

COMPARTILHAR
Secretário diz que, se não fosse a ação do governador junto ao Ministério da Cultura, Estado estaria sem verbas

Gilson Cavalcante
O secretário estadual da Cultura, jornalista e produtor cultural, Melck Aquino, quer abrir uma discussão com os mais variados segmentos culturais do Estado sobre o setor. Na entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Melck adianta que a sua ideia é acabar com a espetacularização da cultura no Estado e começar a implantar políticas estruturantes.
O secretário pretende convencer os deputados a redimensionar os recursos das emendas parlamentares destinados a eventos culturais. A ideia é que 50% desses recursos, hoje estimados em mais de R$ 10,8 milhões, sejam reservados para grandes projetos pelo interior do Estado. Em sua avaliação, cerca de 90% dessas emendas são direcionadas para atender ao prefeito que pede, por exemplo, uma banda para tocar no aniversário da cidade. E essas bandas são geralmente de fora, bandas nacionais.
Segundo Melck, em recente encontro com o ministro Juca Ferreira, do qual participou o governador Marcelo Miranda, o titular ficou muito empolgado com dois projetos apresentados por ele: um é a realização do Festival Gastronômico e Musical do Circuito das Águas.
“Queremos levar para o interior do Estado quatro festivais dessa natureza, tudo isso regionalmente”. O outro se refere à integração dos estados que fazem parte do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). “O Matopiba não pode ser visto somente pelo lado do agronegócio, como disse a própria presidente Dilma Rousseff e a ministra Kátia Abreu está consciente desse processo”, explicou.
Melck Aquino é goiano, mas está no Tocantins desde dezembro de 1997. Como profissional de comunicação, trabalhou em diversos órgãos de comunicação de Goiás e Tocantins, assessorou políticos, com trabalho reconhecido como consultor político em campanhas nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Maranhão e Tocantins. Foi diretor da Federação Interestadual de Trabalhadores em Rádio e Televisão (Fitert). Desde 1º de janeiro deste ano, vinha ocupando a subsecretaria de Comunicação Social do governo do Tocantins, depois de ter sido o assessor de comunicação de Marcelo Miranda na campanha eleitoral de 2014.
Ao abrir o baú da cultura do Estado, o que o sr. encontrou?
Na verdade, o que a gente percebe – e já percebia bem antes – é que, uma vez que o governador Marcelo Miranda instalou definitivamente a Secretaria Estadual de Cultura (Secult), é que houve a recuperação de todo o sucateamento da cultura do Tocantins. Já tivemos aqui no Estado: secretaria de Cultura e Fundação Cultural. Depois essas estruturas foram completamente desmontadas, criando-se apenas uma diretoria de Arte e Cultura, subordinada à Secretaria de Educação. Todo patrimônio que a cultura tinha foi desmantelado: tivemos o fechamento da Galeria Mauro Cunha, o fechamento da Biblioteca Darcy Cardeal, o fechamento da loja de artesanato, que era uma parceria importante para os artesãos da comunidade e das aldeias indígenas, além da região do Jalapão. Herdamos uma situação em que os artistas que venderam suas telas, suas obras para o aniversário de 25 anos de criação do Tocantins, nunca receberam o dinheiro. Pegamos uma situação em que aqueles que foram premiados no edital de 2013, edital do Pró-cultura, nunca foram pagos. Era uma situação de balbúrdia, de sucateamento completo. Mas o governador, sensível a isso, fez um compromisso, ainda em setembro do ano passado, quando era candidato, com a classe artística, com os empreendedores e produtores culturais. Disse que não só retornaria com a secretaria, mas também faria o pagamento dos editais. E essas duas pendências o governador cumpriu agora: criou a secretaria e autorizou o pagamento dos editais, aos quais anunciamos, há pouco, o pagamento parcelado.
De quanto é a verba desses editais?
Dá um pouco mais de R$ 5,1 milhões, divididos em sete parcelas. O edital previa o parcelamento em duas vezes: 70% dessa dívida foi parcelada em até sete vezes, que vai de 20 de junho a 20 de dezembro. Algumas categorias, por exemplo, dos técnicos contratados para dar parecer sobre os projetos — técnicos do Brasil inteiro que vieram para cá avaliar esses projetos —, não foram pagas. Portanto, criou-se um desgaste muito grande, porque são pessoas conhecidas no Brasil inteiro na área de cultura que foram para a internet, nas redes sociais, e falaram mal do Tocantins. Cada um receberia R$ 3.500. Cada projeto daria uma média de R$ 100, enquanto a média nacional é de R$ 500 por projeto. São pessoas tecnicamente preparadas para isso, e mesmo assim, não foram pagas. Alguns outros editais serão pagos em três ou quatro vezes. Os outros 30% ficam para o orçamento do próximo ano. Vamos tentar viabilizar o pagamento desses 30% de uma só vez ou, no máximo, em três vezes.
A classe artística ficou satisfeita com a proposta?
É lógico que todo mundo viu que não seria a situação ideal, mas a classe artística se sentiu, pelo menos, respeitada porque percebeu que nós estávamos dispostos a resolver o impasse, ainda que parcelado. Era uma situação que perdurava desde 2013 e o governador precisou tomar a decisão política de pagar essa dívida.
O que a Secult pode fazer este ano? Algum recurso previsto?
Esse ano é para fazer o saneamento da casa. Temos quatro convênios pendentes com o Ministério da Cultura, que se arrastam desde 2011 e dos quais não se prestou contas, o que nos coloca em perigo de sermos inscritos no Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (Cauc), justamente por falta dessa prestação de contas junto ao ministério. Em alguns casos, até documentos foram perdidos. Por recomendação da Procuradoria Geral do Estado e da Controladoria Geral do Estado, há casos em que serão abertas sindicâncias administrativas para apurar que, naquela época, estava à frente da estrutura da Cultura ou da Secretaria da Educação, por que razão esses convênios não foram executados, onde estão esses documentos e por que não foram prestadas as contas.
A Secult, diante desse quadro, está inviabilizada de receber qualquer recurso ou de celebrar convênios com o ministério?
Ainda não. Estamos habilitados porque conseguimos fazer uma negociação política, com a habilidade do governador Marcelo Miranda, junto ao ministro Juca Ferreira. Estávamos já na iminência de sermos inscritos no Cauc, mas conseguimos explicar tudo o que aconteceu ao ministro. Houve uma postura muito receptiva por parte dele por haver uma disposição nossa de resolver o problema. Portanto, nos foram concedidos novos prazos para fazermos a prestação de contas. Tem um caso de uma prestação de contas de R$ 11 mil que nem documentação existe. O nosso jurídico sugere ao governo que devolva esse dinheiro que falta na prestação de contas aos cofres do Tesouro Federal, porque dá menos trabalho. Resolvidas esses pendências todas, em 2016 publicaremos novos editais, quem sabe com valores ainda melhores que os de 2013 e corrigindo os erros que foram encontrados.
Algum projeto foi apresentado para o ministro Juca Fereira?
Apresentamos sim e, por sinal, o ministro adorou muito. Dos cinco projetos que o Juca Ferreira acatou nesse nosso encontro, existem dois que ele brilhou os olhos, digamos assim: um é a realização do Festival Gastronômico e Musical do Circuito das Águas. Queremos levar para o interior do Estado quatro festivais dessa natureza, tudo isso regionalmente. Uma cidade que se comunica com a região do Rio Javaés, outra que se comunica com o Rio Sono, outra com o Rio Tocantins e outra, com o Rio Araguaia. O festival vai mostrar o pescado desses rios e a produção agrícola e pecuária dessas regiões. O outro projeto que o ministro gostou muito foi o de integração dos estados que fazem parte do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). O Matopiba não pode ser visto somente pelo lado do agronegócio, como disse a própria presidente Dilma Rousseff e a ministra Kátia Abreu está consciente desse processo.
O sr. pretende ampliar os editais para as culturas tradicionais, cujos produtores desse segmento encontram muitas dificuldades na elaboração de projetos?
Eu, como ser político, gestor e militante da cultura já há algum tempo, tenho, particularmente, a minha forma de ver as coisas. Recentemente, fizemos uma reunião com o Conselho de Políticas Culturais do Estado e deixei muito claro que quero participar de todo esse processo como mais um. Vamos verificar o que o Fundo de Cultura tem de orçamento disponível para aplicar em editais.
E as emendas parlamentares que são destinadas a eventos culturais em várias regiões do Estado? Essas podem ser revistas? Houve algum entendimento com os deputados para um redimensionamento desses recursos?
Ainda concluindo sobre os recursos do Fundo de Cultura: uma vez definida essa questão, junto com os artistas, com os produtores culturais, vamos sentar com o Conselho de Cultura e aí eu quero que essa demanda venha daí. Na gestão pública, quando se pensa nas ações que serão feitas, sob o prisma do controle social com transparência e em que a comunidade possa interferir nesse processo, acho que a possibilidade de erro diminui bastante.

Isso pode ocorrer antes da conferência estadual, que está prevista para o mês de agosto?
A conferência estadual faz parte do nosso esforço para nos conectar ao Sistema Nacional de Cultura e, assim, acessarmos alguns recursos federais, que só podem ser acessados se estivermos conectamos ao sistema. Mas eu acho que ainda não estarão na pauta os editais do próximo ano, na conferência. Talvez possa sair daí algumas reivindicações. Agora, na hora do orçamento do próximo ano, vamos chamar esses entes envolvidos no processo cultural para discutirmos como serão os editais.
Qual a sua avaliação da nova Lei da Cultura, aprovada recentemente, e como o sr. pretende implementá-la no Estado?
A Cultura Viva foi um grande avanço. Ela atende a uma série de reivindicações percebidas lá na ponta, muitas relacionadas à prestação de contas que os artistas e as comunidades populares e tradicionais tinham condições de fazer, mas que têm dificuldades. Existiam muitos projetos que iam para as associações, ONGs e artistas e o arcabouço de documentos que era preciso ser apresentado, comprovações que precisavam ser feitas a título de prestação de contas junto ao ministério, muitas vezes impediam que essas associações e artistas se credenciassem novamente. É lógico que no meio de tudo isso tem gente que age de má fé. A nova lei veio no sentido de as pessoas poderem prestar contas com o seu trabalho. Muito mais que um documento formal, o seu trabalho acaba atestando que aquela peça de teatro, por exemplo, foi produzida e apresentada.
A cultura sempre foi considerada como “eventos”. O Tocantins carece de uma política cultural definida. Por exemplo, o nosso Estado tem uma identidade cultural? O que deve ser feito nesse campo? Como sr. pretende promover a cultura no Estado?
Na verdade, a gente entende que a cultura no Tocantins, e também em vários outros locais, tem sido dessa forma mesmo. Acho que ainda é precipitado afirmar que a gente vai fazer um corte radical nisso. O que a gente precisa fazer é, ao mesmo tempo em que se pratica a cultura de eventos, acabar com a espetacularização e começar a implantar políticas estruturantes na área da cultura. Uma das discussões que, inclusive, tem a ver com isso, cuja discussão já levantei na imprensa e vou levar para audiência pública convocada pela Assembleia Legislativa (prevista para o dia 6 de agosto), com uma intervenção nossa junto à deputada Walderez Castelo Branco, é sobre as emendas parlamentares. Se você pega, por exemplo, o que está previsto lá, R$ 10,8 milhões, para a área da cultura. Sem demérito algum à banda que vou citar o nome, que é de profissionais que precisam ser respeitados, essas emendas foram apelidadas de Emendas Calcinha Preta. Por quê? Porque, na verdade, são emendas que chegam para gente só para assinar, uma vez que já passaram pelas secretarias da Fazenda e do Planejamento. Só para checar se a documentação está certa e assinar. São emendas impositivas. Cerca de 90% dessas emendas são direcionadas para atender ao prefeito que pede, por exemplo, uma banda para tocar no aniversário da cidade. E essas bandas são geralmente e fora, são bandas nacionais.
Mudar isso não é uma tarefa fácil.
Não é uma tarefa fácil fazer um corte radical nessa prática, nessa realidade. A nossa ideia é que, a partir do ano que vem, 50% sejam mantidos para essa política de eventos, porque precisa atender aos prefeitos, e a outra metade seja direcionada para projetos da Secretaria Estadual de Cultura. O próprio governador já deixou claro que não terá nenhum problema esses projetos terem um padrinho, vamos chamar assim, que seja um deputado A, B ou C. Ao invés de se pagar uma banda de tecnobrega, que faz duas horas de show e vai embora levando o dinheiro, já fizemos os cálculos, com esse mesmo dinheiro pode-se montar uma banda numa escola hoje, com todos os instrumentos e manter essa banda por um ano, por exemplo. O que é mais interessante para o deputado? É esse questionamento que nós temos que fazer.