Siqueirismo acredita que Marcelo Miranda pode ser candidato

05 abril 2014 às 11h37

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Se o peemedebista não tivesse nenhuma chance de ser candidato como os governistas propalam aos quatro cantos, por que então o Palácio Araguaia patrocina abertamente a divisão do PMDB com a nítida intenção de deixar o líder da oposição sem legenda?

Ruy Bucar
Recorremos, nesta análise, ao método dialético da filósofa Marilena Chauí, uma das intelectuais que tiveram engajamento na formação do Partido dos Trabalhadores e que recentemente escandalizou petistas graduados como o ex-presidente Lula da Silva, ao declarar o seu ódio pela classe média. Não vamos aqui entrar na polêmica da classe média, o que nos interessa é usar o seu método para nos ajudar a compreender a realidade política do Tocantins, envolta em contradições importantes, mas pouco perceptíveis ao grande público.
A dialética de Chauí nos mostra que para compreender a realidade formada essencialmente por contradições é preciso ir além das aparências. Segundo a filósofa as contradições são criadas pelas conexões que existem entre realidades diferentes, que são como duas faces da mesma moeda, e são reconhecidas pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem (Chauí, 2004). As palavras da petista encaixam com perfeição no contexto da briga interna do PMDB, que diz muito sobre o processo político do Estado ainda marcado pela polarização entre o tucano Siqueira Campos e Marcelo Miranda (PMDB).
O PMDB, maior partido do Estado, não tem apenas dois pré-candidatos, Marcelo Miranda e Júnior Coimbra, mas dois comandos e dois projetos políticos antagônicos que não se misturam, pois estão a serviço de causas distintas irreconciliáveis. Um está a favor do partido e o outro está a favor de causas externas e certamente contra o partido. Para voltar ao poder ao PMDB não basta apenas ter candidatos com chances eleitorais, precisa primeiro vencer os adversários internos, que não são poucos nem tão ingênuos quanto parece. Não dá mais para disfarçar. Longe da paz interna apregoada pelos dois grupos que disputam o comando da legenda há uma verdadeira guerra declarada que ameaça implodir o partido. E isso só interessa a uma das partes, a que usa o discurso de desconstrução para inviabilizar o partido.
Chauí explica que a acepção moderna de dialética significa o modo de compreender a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação (Singer, 2003). Daí não fica difícil que para o PMDB virar um partido de verdade, confiável e que será capaz de conduzir os destinos do Estado rumo a um novo processo de transformação, precisa vencer essas contradições, senão deixará de ser protagonista para exercer papel de coadjuvante.
Neste contexto os questionamentos sobre a possibilidade ou não do ex-governador Marcelo Miranda ser candidato, que pareciam pertinentes no início do processo, estão perdendo o sentido. Ainda que pesem algumas dúvidas do ponto de vista jurídico, o mesmo não acontece no campo político. A oposição acredita plenamente na possibilidade de o ex-governador ser candidato, tanto é que resolveu botar o time em campo e falar diretamente aos líderes políticos do Estado que Marcelo está no jogo e entrou para ganhar.
É preciso observar com mais atenção que esta possibilidade também vem sendo muito bem monitorada pelo siqueirismo. Pode não parecer, mas o governo também acredita plenamente nesta possibilidade. Se formos além da aparência, como recomenda o método dialético da filósofa petista, vamos verificar que não são poucas as manifestações da confiança do governo, o que nos permite inferir que o siqueirismo nutre forte confiança na possibilidade do ex-governador ser candidato.
Ora, então vejamos: se o ex-governador não tivesse nenhuma possibilidade de ser candidato, seria um nome esquecido no processo, sem nenhuma importância. O que se vê na prática não é isso. O que se vê é um enorme esforço do Palácio Araguaia para conter o prestígio político do ex-governador em várias frentes. Em Brasília, para o peemedebista não assumir o Senado, e no Tocantins para ele não ter legenda para disputar o governo. Além das campanhas de desestabilização por meio de notícias plantadas por fontes oficiais, dando conta de novos processos contra o ex-governador, a fábrica de dossiês que vinha funcionando deve aumentar a escala de produção nos próximos dias, na medida em que candidatos da oposição ameaçam atropelar os governistas, como vem acontecendo com Miranda.
A estratégia palaciana deixa escapar algumas verdades irrefutáveis. O combate exagerado termina revelando temores que são muitos importantes como fatores de observação. O combate o Marcelo como vem ocorrendo revela que a candidatura do peemedebista é temível e se é temível é porque é possível. Então, em vez negar, o siqueirismo afirma a possibilidade de Marcelo ser candidato. E se afirma, em vez de combater prestigia, reforça, amplia.
A estratégia siqueirista que tinha a função de negar Marcelo Miranda está servindo para potencializar o seu prestígio político. Por que o siqueirismo não se contenta apenas em provar que Marcelo não vai conseguir ser candidato? Por que, além de plantar informações, ainda tem que combatê-lo de forma explícita como é o apoio da outra candidatura do PMDB?
Neste aspecto é importante observar algumas incongruências que se verificam no discurso do deputado Júnior Coimbra. Primeiro, que é muito fácil vencer Siqueira Campos. O ex-governador já estava desgastado, sem estímulo e sem discurso, mas nunca foi fácil derrotá-lo, ainda mais incrustado no poder. Se Coimbra diz que é fácil vencer o siqueirismo não age como um líder responsável, pois vende um cenário que não condiz com a realidade. Vencer o siqueirismo não é tarefa para qualquer um. É tarefa para líderes bem posicionados que sabem agregar as forças das oposições com o único objetivo de derrotar o adversário comum. Coimbra tem se preocupado muito mais em derrotar Marcelo Miranda e não o siqueirismo. Se seu adversário é Marcelo Miranda sua candidatura não é de oposição, mas governista, ou age como tal.
Analistas políticos que acompanharam as eleições de 2012 no Tocantins ainda não conseguiram decifrar a lógica da estratégia eleitoral adotada pelo governo, que levou o Palácio Araguaia a apoiar direta ou indiretamente praticamente todas as candidaturas dos principais municípios do Estado, as da situação e as de oposição, e que tinha como pressuposto uma ampla vitória do governo nos municípios, o que criaria condições para uma consagradora vitória em 2014. A tirar pelo resultado de Palmas, o plano falhou feio.
Não é segredo para ninguém que a geopolítica adotada pelo então secretário de Relações Institucionais, Eduardo Siqueira Campos, conseguiu indicar os candidatos a vice-prefeito das três principais forças que disputaram as eleições de Palmas. A população pode não saber, mas o deputado Sargento Aragão chegou a vice-prefeito de Carlos Amastha numa articulação de Eduardo Siqueira Campos, que também conseguiu indicar o vice de Luana Ribeiro, o ex-reitor Alan Barbeiro, que terminou a eleição já indicado secretário.
Sem falar na vice de Marcelo Lelis, a ex-vereadora Cirlene Pugliesi, que sendo do PMDB, o principal partido a contrapor o siqueirismo, acabou compondo com o governo numa contradição que não tem antecedente na história do Estado. E quem ajudou Eduardo Siqueira nesta articulação? Justamente os nomes que hoje tentam a todo custo desmoralizar líderes do próprio partido. Quem assiste os pronunciamentos do deputado José Augusto Pugliesi no plenário da Assembleia não tem dúvidas de que ele está a serviço de algo muito importante, e que não é o fortalecimento do seu partido. Pugliesi é o mesmo que em 2000 lançou candidatura própria para prefeito de Palmas, atropelando a democracia do partido, e no final foi o responsável pela vitória da candidata do Palácio Araguaia, Nilmar Ruiz. O deputado não teve nem o cuidado de contratar outra produtora para fazer a sua campanha, ficou com a mesma que fez a campanha da prefeita eleita. Afinal a conta era paga pela mesma fonte.
Na prática Eduardo Siqueira em 2012 ampliou o processo de controle político que já vinha sendo testado em algumas ocasiões por meio de cooptações e apoio a líderes de oposição. A estratégia ainda não provou resultado, mas ajudou a produzir fenômenos eleitorais como o prefeito de Palmas, Carlos Amastha, cuja eleição representa a negação do siqueirismo. A contradição que o siqueirismo criou no âmbito do PMDB, talvez a maior da sua história, em que parte do partido mobiliza força para derrotar o próprio partido, também ameaça o siqueirismo. Amastha é um bom exemplo desta contradição.
O exemplo de Palmas ainda está bem fresco e mostra que quanto maior a pressão do governo para manter o controle do jogo político, maior a probabilidade de surgir novos fenômenos eleitorais. Amastha é resultado da união entre PMDB e PSDB reprovada nas urnas. Se insistir no jogo de cartas marcadas, Siqueira não vai conseguir favorecer o candidato governista, mas a candidatura de algum nome novo que o eleitor possa identificar como renovação.
Ainda sobre o método de compreensão social de Marilena Chauí, a filósofa observa que “Hegel defendeu que a dialética é a única maneira pela qual podemos alcançar a realidade e a verdade como movimento interno da contradição.” Daí a necessidade da dialética para compreender o discurso raivoso e tolo do pré-candidato Júnior Coimbra contra o siqueirismo, sem nenhuma eficácia, apenas para mascarar o trabalho consistente de desmoralização do prestígio político de Marcelo Miranda.