Siqueira impõe Eduardo
05 abril 2014 às 12h09
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Governador surpreendeu ao sacrificar o mandado para tentar fazer o filho sucessor. Decisão que foi saudada como jogada de mestre pode ser o fim do siqueirismo
Ruy Bucar
Já era noite na sexta-feira, 4, depois de um dia inteiro de movimentação política no Palácio Araguaia, de articulação, conversações e consultas, com entra e sai de líderes políticos, prefeitos, secretários, deputados quando secretário-geral da Casa Civil, Renan de Arimatéia, chegou ao plenário da Assembleia Legislativa levando a mensagem de renúncia do governador Siqueira Campos (PSDB), que foi lida durante sessão extraordinária convocada especialmente para tratar do assunto.
Na mensagem, sucinta, dirigida ao Parlamento, Siqueira Campos comunica renúncia ao cargo e revela desejo de continuar contribuindo com o Estado. Mais cedo Siqueira deixa claro que estava deixando o governo para permitir que o filho, o ex-secretário de Relações Institucionais Eduardo Siqueira Campos, do PTB, pudesse postular candidatura ao governo do Estado.
Em seu primeiro pronunciamento sobre o assunto o governador rasgou elogios ao filho, que disse considerar muito melhor que ele. “Eduardo é 500 vezes melhor do que eu, se é que eu tenho alguma coisa de boa. Mas ele é infinitamente melhor do que eu”, asseverou. Siqueira fez questão de afirmar que o filho não vai impor candidatura. Como se a renúncia não tivesse sido trabalhada para ser justamente uma imposição sobre o grupo, como forma de garantir total prioridade ao filho na sucessão. Se o plano vai dar certo ou não, só com o tempo vamos poder avaliar. Mas, foi planejado para que o ex-governador mantenha total controle do governo, o que inclui uso da máquina.
A renúncia que surpreendeu o meio político ainda não foi completamente digerida nem mesmo pelos governistas. Para a oposição foi um golpe contra a gestão com objetivo eleitoreiro. O ex-governador Marcelo Miranda (PMDB) estranha que a renúncia do vice veio antes da saída do governador. Para o ex-deputado federal e ex-prefeito de Porto Nacional Paulo Mourão falta respeito ao povo e compromisso com a coisa pública.
A renúncia começou a se materializar na quinta-feira, 3, meia-noite, quando o vice-governador, João Oliveira (DEM), entregou carta-renúncia comunicando os motivos da decisão. “Fui eleito pelo Democratas e no Democratas permaneci. Fui eleito com este grupo e com este grupo permaneci, com orgulho e honra. Não mudei e nem traí, continuo fiel, humilde e acima de tudo confiável”, disse num trecho da carta em que declara que está deixando o governo para contribuir com a consolidação de um projeto político. “É desta forma, para este fim que declaro a minha decisão em caráter irrevogável e irretratável de renunciar ao cargo de vice-governador do Estado do Tocantins”, diz o texto.
O ex-vice-governador faz questão de destacar que continua confiável. A renúncia foi um gesto de demonstração de confiança, mas ela aconteceu por desconfiança de que não cumpriria acordos sigilosos. Sua permanência no governo era um grande entrave. João Oliveira foi indicado pela senadora Kátia Abreu e nunca foi bem visto no Palácio Araguaia. Agora, após a renúncia, pode ser que ganhe algo em troca pelo gesto de lealdade.
A rigor a decisão é suicida, pois não tem nada que seja mais significativo ou mais importante do que o posto que poderia ocupar com a renúncia do governador Siqueira Campos. A oposição chama atenção para o fato da renúncia do vice ter vindo antes da saída do governador. O que revela “manobra” e ao mesmo tempo a falta de confiança que o grupo palaciano mantém em relação ao vice. Senão o que explica essa renúncia antecipada, como medida de segurança?
Com a vacância dos cargos de governador e vice-governador o presidente da Assembleia Legislativa, Sandoval Cardoso, assume a condição de sucessor imediato. Cardoso será o governador interino, o candidato à eleição indireta e responsável para tentar levar o siqueirismo de volta ao poder. Em síntese, será o Gaguim da vez.
Segundo líderes governistas a renúncia amplia o leque de opções dos governistas para as eleições, mas nem tanto. Os nomes continuam os mesmos – Eduardo, Siqueira e Sandoval –, o que muda é apenas a ordem de prioridade, talvez. Eduardo, que vem de uma fase de ostracismo depois que deixou o governo, agora volta ao centro das articulações e passa a ser prioridade no tabuleiro da sucessão. Agora volta a ser o primeiro da lista, seguido de Sandoval e o próprio Siqueira. Tudo ainda pode mudar. Ou seja, nada está decidido.
Antes de deixar o governo Siqueira Campos abriu o saco de bondades e distribuiu benefícios por meio de medidas provisórias para servidores da Educação, da Defensoria Pública em greve, da Polícia Civil, dentre outras categorias. Concedeu reajustes, anunciou concurso público para a área da Saúde com 12 mil vagas, dentre outras medidas, tudo para ser pago a partir de 2015.
Siqueira iniciou o governo aplicando rigorosamente os ensinamentos de Maquiavel, em “O Príncipe”, que recomenda que quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, fazê-lo de uma vez só. Siqueira na primeira semana de governo exonerou 21 mil servidores ocupantes de cargo em comissão. Foi o começo do desgaste que durou até o último dia em que esteve no governo. Durante o governo recriou estes mesmos cargos que usou para fazer o bem durante estes três anos e três meses e também serviram para garantir a governabilidade, com a cooptação de líderes de oposição sedentos por cargos.
Se Maquiavel foi importante no começo Gaguim se tornou indispensável no final. Medidas provisórias concedendo benefícios para servidores para serem pagos por outros governos só se encontra no manual de gestão do ex-governador Carlos Henrique Gaguim, a quem Siqueira acusou tanto de ter deixado um desgoverno. E fica uma indagação. Se era para fazer o que Gaguim vinha fazendo não teria sido melhor ter deixado o ex-governador permanecer do governo? O Estado, quem sabe, não teria perdido o ritmo acelerado do moço de vermelho, que ao menos mantinha o Palácio Araguaia funcionando 24 horas, como vimos nos últimos dias.
O imprevisível aconteceu. Siqueira renunciou ao mandato deixando para trás nove meses de um governo que, como ele mesmo definiu, era um fardo difícil de carregar, mas que parecia decidido a cumprir a missão de levá-lo até o fim. Não conseguiu. A renúncia era a única possibilidade que o velho líder tinha para continuar alimentando o sonho de ver o filho ocupando o Palácio Araguaia. Não pense que foi uma operação fácil. No meio do caminho tinha um enorme obstáculo, chamado João Oliveira, que precisou ser cooptado. E ainda tem muitas dúvidas. Sem Siqueira no comando do governo há o grande risco do projeto siqueirista desmoronar. A aposta de Siqueira em Eduardo é de risco. E Siqueira fora do poder vira ninguém, enfraquece, perde o estímulo e atrofia. O que parece uma jogada de mestre pode ter sido, na verdade, o início do fim do siqueirismo.