Os presos em Brasília envolvidos com os atentados terroristas de 8 de janeiro que culminaram com a invasão e depredação dos prédios dos três Poderes – Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal – aos poucos estão se dando conta que estão envolvidos numa trama bastante complicada, da qual não vão sair tão facilmente. Entraram na cadeira se imaginando manifestantes, estão tendo que confessar que participaram de atos terroristas e começam a desconfiar que vão ter que pagar caro pelos danos que provocaram.

Protagonizaram um fato inédito na história do País que deixou a nação brasileira perplexa e as autoridades sem resposta para muitas indagações. Sobretudo, sobre o que vai acontecer com os radicais da extrema direita que agora estão tendo de descobrir para que servem direitos humanos. Até quando vão ficar presos? A que tipo de crimes vão responder? Por que são agora são chamados de terroristas e não mais como manifestantes? Há preocupação ainda em chegar até os verdadeiros responsáveis, os idealizadores dos atos, bem como os financiadores, que também devem sofrer algum tipo de penalidade.

O jurista Renan Albernaz explica, do ponto de vista legal, o que pode acontecer com todos os envolvidos nos atos terroristas, tantos os que participaram diretamente das invasões, como também os que nem em Brasília estiveram, mas igualmente podem ser responsabilizados. Para ele, os participantes dos atos golpistas em Brasília são terroristas, atentaram contra os poderes da República e devem pagar pelos crimes que praticaram na devida proporção do envolvimento de cada um.

Albernaz é mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP-DF), além de  procurador municipal, advogado e pesquisador, com atuação na área de Direito Público, Direito Constitucional, Administrativo e Ciência Política.

O que vai acontecer com aos presos

“Os presos em Brasília passaram por audiência de custódia, que averigua as circunstâncias da prisão, se foram agredidos, se têm filhos menores dependentes, se possuem doenças graves, se tiveram envolvimento direto ou indireto no ato. Uma particularidade do caso: em via de regra o juiz já tem o poder de decisão se permanece preso ou não. O juiz, então, decide se converte a prisão em flagrante em prisão preventiva. A prisão preventiva não tem prazo, é uma prisão chamada de prisão processual, enquanto durar o processo. Nesse caso específico, os juízes estão fazendo audiência de custódia para levantar informações e estão encaminhando todas elas ao Supremo [Tribunal Federal – STF]. Ou seja, até mesmo os eventuais pedidos de soltura estão sendo encaminhado e vão ser analisados pelo ministro Alexandre de Moraes e auxiliares. Provavelmente haverá juízes auxiliares para analisar esses casos.”

Punição aos articuladores e financiadores

“Pelo que pude levantar e conversando com alguns promotores a que tenho acesso em Brasília, a participação indireta no fato precisa ser investigada. A participação indireta também é punível pelo Código Penal. Então, a participação de menor potencial – como, por exemplo, incitar uma multidão a praticar crime – é igualmente praticar crime. Essa pessoa não chegou a causar danos físicos, eventuais consequências mais danosas, mas teve sua participação. É grave também quem financia. Esses líderes que atuaram nos bastidores têm a coparticipação, é diferente. Eles têm autoria conjunta. A mesma coisa de você juntar duas pessoas para cometer um homicídio: uma paga e a outra executa. Pagam na mesmíssima proporção. Uma coisa, por exemplo é quem estava lá na porta do QG, outra coisa é quem não estava nem em Brasília, mas é responsável pelo financiamento. Esse responde em iguais proporções. Isso é coautoria, em face do crime. A teoria moderna do Direito Penal admite a punição de quem idealizou o crime na mesmice proporção de quem executou.”

Terroristas, sim

“Tem uma discussão relevante, bem racional, de como se deve chamar essas pessoas que foram presas, se de manifestantes ou de terroristas. Sobre “manifestantes”, é fácil responder: não foram manifestações, foram realmente atos atentatórios. Já a discussão de ato terrorista que se tem hoje, principalmente na esfera do Direito Constitucional e também do Direito Penal Constitucional, é de que qualquer ato que atente contra o Estado democrático de Direito deve ser tratado como terrorismo. Nesse caso, se ofendeu os próprios poderes da República. Aí, se tem uma visão de terrorismo como a afetação sistêmica do Estado, que é o caso. A ação deles não foi uma ação de manifestação, mas atentou propriamente contra o próprio Estado de forma generalizada. Por isso, devem ser chamados de terroristas, na maioria dos casos. Principalmente quem financiou ou quem fomentou essa situação. O Brasil tem a Lei Antiterrorismo, algumas atitudes podem, sim, ser enquadradas nessa lei, principalmente o financiamento de terrorismo. Então, é uma conjugação de leis. Elas precisam ser analisadas de forma conjugada. Mas é fácil chegar a uma conclusão de que houve terrorismo, em função do ataque sistêmico aos Poderes, contra a própria existência do Estado, no caso a Nação brasileira.”

Servidores públicos do Tocantins

“Os servidores públicos que tiverem participação comprovadas nos atentados devem ser exonerados. Quanto a isso, não vejo dificuldade: serão enquadrados na Lei nº 8.112, a lei federal que trata dos servidores públicos. Todos os municípios e os Estados praticamente reproduzem essa lei a partir de premissas gerais. Uma das premissas gerais que mais se aplicam ao caso é a prática de crime. A administração pública surge da lógica de Estado. O servidor tem um vínculo com a administração pública e essa administração e a personalização do Estado. A exoneração é uma situação muito fácil. Além disso, tem ato de improbidade administrativa, que é ferir os princípios da administração; tem os próprios crimes gerais contra a administração pública, que entram no contexto geral. A mínima prova já é motivo de exoneração. Logicamente, desde que haja contraditório e ampla defesa, isso tem de ter em todo processo administrativo.”

Violação de direitos humanos

“Um ponto extremamente interessante, esse da alegação de violação de direitos humanos. O grupo envolvido nestes atos sempre pregava que “bandido bom é bandido preso” e que direitos humanos eram para proteger bandidos. Agora, reivindicam direitos humanos. Para ser sincero, com a experiência de 12 anos de advocacia, ali não se pode falar de violação de direitos humanos. O trâmite está sendo seguido, as audiências de custódia foram feitas, a triagem, o levantamento, oitivas, isso tudo é normal. Quem pratica um crime tem de submeter ao devido processo legal. Essa questão de violação de direitos humanos é uma conversa sem fundamento. Não tem uma violação sistêmica. A manutenção deles presos não configura abuso de poder, nada disso, porque a mesma regra que se aplica a preso por furto ou por roubo é a que se aplica ao terrorista ou a quem pratica qualquer tipo de crime punível com reclusão. Não tem o que falar, pelo menos por ora, em violação de direitos humanos, principalmente no que se refere à liberdade de expressão, algo sem sentido. Todo direito tem limite. Nenhum direito é intocável. Qualquer direito na Constituição tem limite. Tem situações em que se permite matar, então o direito a vida pode ser reduzido, por exemplo, em situação de legítima defesa. O direito à propriedade, se não usá-la, a pessoa pode perder. Nenhum direito na Constituição é absoluto, todos eles são relativos, a depender da situação. Os presos estão simplesmente passando pela devido processo legal.”