Pergunta incômoda: quem matou o prefeito de Miracema?

30 agosto 2023 às 01h48

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Nesta quarta-feira, 30, completa cinco anos do assassinato do então prefeito de Miracema do Tocantins, Moisés da Sercon (MDB), e até agora, a Polícia Civil que é a responsável pela investigação do caso não apresentou nenhum resultado que possa explicar a motivação do crime, levar aos matadores e eventuais mandantes. A família da vítima reclama que, pior do que a inoperância na investigação do caso, são os comentários cada vez mais fortes de que o processo está prestes a ser arquivado como caso sem solução.
Esta semana, família e amigos lançaram uma campanha pelas redes sociais com apelos dramáticos pelo esclarecimento da morte. “O silêncio ensurdecedor da morte do prefeito Moisés Costa ecoa por cinco longos anos. O coração da família sangra por respostas”, diz o texto da campanha que busca mobilizar a opinião pública para pressionar as autoridades estaduais a explicar por que a investigação não avança.
A família pede justiça e cobra respostas: a quem interessava a eliminação do prefeito? Em outro texto da campanha, os familiares contam que o não esclarecimento não foi por falta de cobrança e pedidos, feitos diretamente ao órgão competente, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-TO). “Durante estes cinco anos clamamos à Secretaria de Segurança Pública, imploramos ao delegado, exigimos das investigações: o que roubou Moisés de nós? Qual é a verdade por trás dessa tragédia?”.
O drama da família é ter de conviver com uma ferida aberta, um tormento que não pode simplesmente ser descartado, como diz a mensagem da campanha direcionada às autoridades do Estado. “Precisamos encarar essa realidade, mas, para que as lágrimas sequem, a família implora por respostas”, reitera a cobrança.
Descaso
Fidel Costa, irmão do prefeito assassinado, revela que a família não tem noção do que aconteceu naquele fatídico 30 de agosto de 2018, pois, como a investigação não avança, as dúvidas e mistérios permanecem como um pesadelo interminável. Fidel explica que a hipótese de crime passional que se aventou muito na época já foi completamente descartada pela polícia, assim como suicídio.
Ele aponta que, de acordo com a investigação, o crime apresenta características de eliminação, algo típico de crime de encomenda, por razões ligadas ao exercício do cargo que Moisés ocupava. Um crime político, portanto. “O que se sabe é que ele [Moisés] já foi encontrado morto. A polícia concluiu que ele foi assassinado fora do carro e colocado dentro do veículo pra forjar um suicídio. Inclusive uma arma de numeração raspada foi encontrada no carro em simulação de um suicídio. Desde o início a gente contestou e sabia que não era um suicídio e também que não era passional, pois não havia elementos materiais para tal”, explica o irmão da vítima.
Quem era Moisés
Moisés Costa da Silva, o Moisés da Sercon, 44 anos, era empresário do setor de contabilidade, casado e sem filhos. Estreou na política em 2016 como candidato a prefeito de Miracema do Tocantins e saiu das urnas como um fenômeno eleitoral, tendo recebido 84% dos votos válidos, a maior votação de um candidato a prefeito de Miracema, a primeira capital do Tocantins, em toda a sua história. O bom desempenho eleitoral rendeu ao jovem líder o título de prefeito mais bem votado do Brasil, naquele pleito.
Jovem, carismático e querido pelo seu povo. Moisés realizava uma gestão bem avaliada pela opinião pública. Fazia um governo simples, austero e focando em resultados. A cidade comemorava o aquecimento da economia, abertura de novos negócios e finalmente a superação do ciclo de dependência do governo do Estado, após a crise com a saída da capital. A gestão se destacava pelo zelo com a coisa pública. Segundo familiares, o prefeito não tinha inimigos e seus adversários políticos absorveram bem a derrota nas urnas.

Dinâmica do crime
O 30 de agosto de 2018 foi uma quinta-feira. Naquele dia, Moisés acordou cedo, como de costume. Precisava resolver questões de ordem pessoal, cumprindo agenda privada. À tarde, teria agenda pública no Paço Municipal. Passou em sua empresa Sercon, um escritório de contabilidade, apanhou dois funcionários e seguiu para Miranorte, cidade vizinha distante 26 quilômetros, onde a Sercon tinha filial e alguns clientes aguardavam para atendimento presencial.
Chegando em Miranorte, Moisés deixou os funcionários e se deslocou até a sede da prefeitura para encontro com o prefeito. Contatou-o, no local, para resolver questões de maquinário para melhorias das estradas vicinais na fronteira dos dois municípios, em parceria. Após a reunião, que durou pouco tempo, Moisés tentou retornar ao escritório. Antes de deixar o prédio da prefeitura, enviou um recado para seus funcionários, pedindo-lhes para esperarem na porta, pois estava com pressa.
Moisés tinha almoço marcado em Miracema e uma série de reuniões agendadas durante a tarde. Deixou a prefeitura entrando sozinho em sua caminhonete e se dirigindo ao posto de combustíveis às margens da BR-153, no perímetro urbano. A última imagem da câmera de segurança que a polícia teve acesso mostra Moisés passando em frente a uma casa agropecuária e seguindo para a rodovia. Inexplicavelmente, ele pegou a rodovia sentido norte, enquanto o esperado seria seguir no sentido sul, em direção ao posto e ao encontro dos funcionários, conforme o combinado. É nesse ponto que começa o grande mistério até hoje não desvendado.
“Ele [Moisés] desaparece nesse percurso da prefeitura, que fica no centro da cidade, até o posto na BR-153, em frente à cidade, local de muita movimentação”, relata Fidel Costa. “E o que se viu, além das câmeras de segurança da prefeitura, foi que ele passou em frente a uma casa rural e pegou a rodovia virando sentido norte. Daí para frente não se tem mais notícias. Ele foi encontrado a 20 quilômetros de distância da cidade, numa estrada vicinal, já assassinado na situação que todo mundo conhece”, comenta o irmão.
Segundo os familiares, a polícia trabalha com a hipótese que Moisés foi atraído por alguém para se deslocar no sentido norte em vez de ir para o posto. A polícia aponta inclusive que Moisés errou o caminho algumas vezes. Até na última imagem captada, o prefeito estava sozinho em seu veículo. Quem o atraiu? Onde e como ele foi abordado a ponto de não deixar vestígios?
Pelas últimas mensagens enviadas, Moisés pegou a rodovia um pouco antes do meio-dia. Duas horas depois, foi encontrado morto dentro de seu veículo, no banco do passageiro, com um tiro na cabeça, numa estrada vicinal, distante 20 quilômetros de Miranorte.
“Entre esse percurso, da saída da Prefeitura de Miranorte até o local do crime, não se tem notícia do que aconteceu. A polícia já nos disse, algumas vezes, que ele foi atraído por alguém. Que foi ao encontro de alguém e que até errou o caminho algumas vezes. Mas não fala nada mais para a gente”, reclama Fidel, lembrando que a perícia concluiu que Moisés foi assassinado fora do carro e colocado dentro do veículo para a simulação de um suicídio, inclusive com o uso da arma raspada.
O governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) tem obrigação moral e razões de Estado para solicitar agilidade da Polícia Civil no esclarecimento deste caso. A morte de um representante do povo, qualquer que seja a circunstância, é antes de tudo, um ataque a democracia. E um gestor estadual não pode permitir que ataques como esse fiquem sem a devida punição, sob o risco de demonstrar fraqueza no comando das forças de segurança.
Vale lembrar que a competência e a eficiência das forças de segurança do Tocantins têm conquistado reconhecimento nacional, sobretudo após o combate na Ilha do Bananal com a Operação Canguçu, que eliminou por completo a quadrilha de assaltantes de banco de São Paulo que atacou a cidade de Confresa (MT).
Quanto mais demorar para uma solução desse caso, pior para a imagem do Tocantins, sobretudo para a imagem da Polícia Civil, responsável pela investigação do caso.
Não se está negando a complexidade do caso nem interferências, como a mudança de secretário e das equipes de investigação, tudo isso que contribui para atrasar o processo. O que torna a denúncia grave são o longo período de investigação e a falta de informação. A família reclama que não sabe de nada do andamento da investigação e ainda tem sido impedida de acompanhar o processo.
No passado, já houve interferência do Palácio Araguaia no trabalho da Polícia Civil, ingerência que se tornou algo tão grave que provocou o afastamento do então governador Mauro Carlesse. Hoje não há mais espaço para esse tipo de abuso de poder. Ao que se sabe, as forças de segurança têm recebido rodo o apoio necessário para cumprir a sua missão de garantir tranquilidade à sociedade.
Esclarecer o caso Moisés é retirar a polícia do Tocantins desse período de obscurantismo denunciado pela própria corporação. Afinal, já são cinco anos de investigação e nada se sabe sobre o que se parece, em muito, com o caso da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada meses antes, em março de 2018, por motivos do exercício do mandato.
No caso da Marielle, ainda que o mandante – ou mandantes – ainda não tenham sido revelados, os suspeitos pela execução estão todos presos. Marielle era considerada uma das vozes mais expressivas da renovação política carioca, com trajetória marcada pela defesa dos direitos humanos, em especial das mulheres, e crítica à violência policial.
Moisés era um líder político jovem, carismático, uma promessa de renovação na política do Estado. Uma pessoa querida em sua comunidade, que realizava um governo austero, em busca do equilibro financeiro do município. Estava no início de uma carreira promissora. Foi executado no pleno exercício do seu mandato. Sua eliminação foi uma agressão ao povo de Miracema, aos prefeitos do Estado e aos líderes políticos de um modo geral. O governador Wanderlei Barbosa tem obrigação de lutar para restabelecer a verdade, esclarecendo de vez o que se esconde por trás do crime bárbaro que ainda sangra a opinião pública tocantinense.