Procurador-geral de Justiça do Estado pela terceira vez exalta a modernização do Judiciário no Tocantins

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Dock Junior

Natural de Tocantinópolis, Clenan Renaut de Melo Pereira ingressou no Ministério Público Estadual (MPE) em 1990, no cargo de promotor de Justiça, tendo atuado nas comarcas de Araguacema, Ponte Alta, Ita­guatins, Filadélfia e Porto Nacional. Foi o primeiro promotor de justiça da comarca de Palmas. Graduou-se em Far­mácia e Bioquímica pela Uni­versidade Federal de Goiás (UFG) e em Direito pela Faculdade Anhanguera de Ciên­cias Humanas, em 1983. É especialista em Direito Processual Penal e Admi­nistrativo. Em 2001, ascendeu ao cargo de procurador de justiça. Foi procurador-geral de justiça por dois mandatos (biênios 2009/2010 e 2011/2012) e em 2014 foi eleito pela terceira vez para o cargo no biênio 2015/2016.

O procurador-geral pode ser “rotulado” como um sujeito boa praça. Sem o carranquismo natural das grandes autoridades, Clenan recebeu o Jornal Opção em seu gabinete para uma entrevista em que tratou de vários temas, entre os quais a modernização do Judiciário e o combate à corrupção. Histórias épicas relacionadas ao pioneirismo em Palmas e ao próprio Tocantins foram abordadas. Bem-humorado, entre um pedaço de rapadura nordestina e um copo de água gelada, não fugiu a qualquer dos temas questionados e considerou que 2016 será ainda melhor para o Ministério Público tocantinense.

Analisando o seu histórico, percebe-se que o sr. é um dos precursores do Ministério Público no Estado do Tocantins, uma vez que ingressou na carreira em 1990. Como avalia o crescimento da instituição nesse intervalo de tempo, assim como sua atuação na condição de fiscal da lei?
Eu sou um legítimo tocantinense. Nasci e me criei na região do Bico do Papagaio, em Tocanti-nópolis. Para mim foi uma honra muito grande servir, já como unidade da federação, o meu Estado. Em 1989, me tornei, na cidade de Miracema do Tocantins, o primeiro assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado. Naquele mesmo ano, houve o concurso para o Ministério Público. Prestei, passei e tomei posse em janeiro de 1990. E tive a honra de ser nomeado o primeiro promotor de justiça da capital do Tocantins, Palmas, quando ainda era a comarca de Taquaruçu do Porto. Logo depois, foi criada a Comarca de Palmas e eu fui novamente nomeado como promotor nesta capital.

Começamos de forma muito precária. Não tínhamos onde fazer as primeiras audiências. Havia muitas invasões de lotes e como o MP não tinha o efetivo, eu mesmo fazia pessoalmente as diligências. Até mesmo casas prontas na antiga ARSE 72 foram invadidas, o que nos deu muito trabalho para articular a retirada dos invasores. A juíza era a Dra. Dalva Delfino, que ainda residia em Miracema. Como promotor de Palmas, eu também respondia por Porto Nacional, que naquela época tinha cerca de 3 mil processos em trâmite e 1.500 inquéritos policiais para oferecer denúncias. Recebi várias ameaças de morte. O sujeito ligava na minha casa, altas horas da madrugada, e assustava minha esposa, dizendo: “avisa o doutor promotor que o pé na cova ligou!”. Então tudo era muito complicado.

Consegui uma sala para o MP dentro da nova sede do Paço Municipal, construída pelo prefeito Fenelon Barbosa, que gentilmente fez essa cessão. O Judiciário conseguiu também uma sala e se instalou por lá. Resumindo: no prédio da prefeitura funcionava além do Poder Executivo, o Judiciário e também o MP.

Lembro que a primeira denúncia que eu ofereci em Palmas, datilografada, foi por tráfico de drogas. Ainda no início da década de 90, o câncer dos entorpecentes já estava presente na capital. Como disse antes, estávamos instalados no prédio da prefeitura, todavia para realizar audiências, o espaço era reduzido. O único lugar “público” com algum espaço era o cartório do Israel Siqueira Campos, em frente à Igreja Católica, em Taquaralto. Mesmo assim era muito pequeno: uma mesa, algumas cadeiras e uma máquina de escrever. Eu e a Dra. Dalva fomos pra lá fazer uma audiência do réu, preso na cadeia pública de Taquaruçu, visto que por aqui não havia xadrez.

O advogado do acusado era o Hélio Miranda. Quando a polícia chegou com o réu, olhando para os lados e observando o ambiente, eu disse à juíza que não caberia todo mundo ali naquela sala. Olhamos para fora e vimos a praça da igreja, que tinha uma sepultura, uma palhoça que vendia pratos de arroz com chambaril e um pé de pequi. Resolvemos fazer ali mesmo a audiência. Levamos a mesa e a máquina de datilografia para a sombra do pé de pequi, a polícia prendeu o preso no pequizeiro e seguimos o rito, afinal a Justiça precisava seguir seu curso.

São certas coisas que ainda me entusiasmam quando vejo toda a evolução da cidade e do próprio Ministério Público. Me considero, efetivamente, um pioneiro e precursor, na essência das palavras.

O sr. acaba de dar posse a cinco novos promotores. A partir dessas nomeações, o quadro estará completo?
Na verdade, o número de promotores não aumentou. Consegui fazer apenas uma reposição. Muitos se aposentaram, outros passaram em concursos em outros Estados, e acabaram por pedir exoneração. Quando consegui dar posse a esses cinco, eu não repus sequer o quadro que o MP possuía anteriormente. Em 2015, queria ter nomeado oito promotores em março, porque eu tinha um déficit de dez. Ainda faltam cinco para completar o que havia antes, ou seja, não houve aumento no número de promotores.

O sr. pretende abrir novos editais de concurso para promotores e servidores técnicos?
O atual concurso venceu em 31 de dezembro e eu já prorroguei por mais dois anos. Eu ainda não tenho o quadro ideal, que seria de 22 promotores substitutos. Neste ano, pretendo nomear alguns promotores, visto que há uma enorme carência, todavia, esbarro em orçamento reduzido e também no contingenciamento de receitas, fruto da crise instalada no País. Algumas comarcas como Palmei­rópolis, por exemplo, a juíza informou que há mais de 140 processos aguardando designação de audiência e ela só não despachou porque não há promotores para acompanhar o ato processual e dar andamento nos feitos.

Neste raciocínio, o orçamento requerido pelo MP, na ordem de R$ 207 milhões, foi reduzido na aprovação da LOA [Lei Orçamentária Anual] pela Assembleia Legislativa para R$ 188 milhões em 2016. Como é o seu relacionamento com os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?
Nosso relacionamento é institucional, cordial e respeitoso. Não temos desavenças ou problemas. Nessa negociação do orçamento, por exemplo, o diálogo foi franco, aberto e fomos bem recebidos. Aliás, quero ressaltar de público que o Executivo tocantinense tem um grande secretário: David Torres.

Esse homem é o articulista do orçamento, das contas públicas do Estado e ele realmente sabe dialogar e entender os problemas pelos quais passa cada órgão ou autarquia. Ele nos ouve, procede suas anotações, discute com o governador e traz as respostas, expondo a concessão do pedido ou não. Em governos anteriores, era difícil até falar com o secretário. O David é diferente porque ele entende as demandas dos requisitantes, cuidando sempre para que não haja cortes de recursos para setores essenciais.

E outra: o meu orçamento para 2015 foi insuficiente. Não fosse o secretário David ser compreensivo com nossas requisições e não fizesse uma suplementação de verbas na ordem de R$ 22 milhões, fecharíamos o ano no vermelho, acumulando dívidas. Não conseguiríamos sequer deslocar os promotores – os fiscais da lei, os advogados do povo – para audiências em outras comarcas, o que acabaria por prejudicar o bom andamento do Judiciário, e consequentemente, lesando a sociedade.

Na 1ª denúncia que eu ofereci em Palmas, A juíza era a Dra. Dalva Delfino. tivemos de fazer a audiência na praça da igreja, que tinha uma sepultura, uma palhoça que vendia pratos de arroz com chambaril e um pé de pequi”
Na 1ª denúncia que eu ofereci em Palmas, A juíza era a Dra. Dalva Delfino. tivemos de fazer a audiência na praça da igreja, que tinha uma sepultura, uma palhoça que vendia pratos de arroz com chambaril e um pé de pequi”

Quanto às instalações físicas nas comarcas do interior, como elas se apresentam no momento? Estão em boas condições? Há previsões de construção de novos prédios?
Estamos com duas obras em andamento, em Augustinópolis e Porto Nacional, comarca a qual tenho um carinho especial. Trabalhei muito ali, mas foi verdadeiramente gratificante. O orçamento em si é pequeno, não daria para construir nada, mas as emendas parlamentares dos deputados têm me ajudado. Quero agradecer, de público, os 24 parlamentares. Isso não é média com políticos. Ressalto que o MP não protege nenhum deputado ou qualquer político – continua independente –, porém mantemos um relacionamento amistoso e cordial como eu já disse anteriormente. Os deputados federais e os senadores Vicentinho Alves (PR) e Ataídes Oliveira (PSDB) também têm contribuído muito para fomentar o Ministério Público.

Os processos judiciais do Estado do Tocantins estão todos digitalizados e tramitando através do sistema e-proc. Como o sr. classifica esse avanço tecnológico em auxílio à Justiça? O processo eletrônico facilita a vida dos jurisdicionados ou apenas dos operadores do direito?
O Judiciário tocantinense está de parabéns. Está em primeiro lugar no país em termos de informatização e isso é muito importante. É um exemplo para os demais Estados. Houve uma dinamização da Justiça depois do e-proc. Facilitou muito para advogados e também para os promotores de justiça. No início foi complicado para informatizar o MP, pois estávamos sem orçamento para isso, porém, apertando aqui e acolá conseguimos colocar tudo em ordem.

Hoje temos um parque tecnológico de primeira grandeza. As promotorias estão todas interligadas. Instalei aqui o sistema e-doc, que é a troca de correspondências e documentos dentro do próprio Ministério Público. Estamos acabando com o papel, em breve tudo estará online apenas.

Já o jurisdicionado também ganhou muito com essas mudanças porque há uma agilidade quando ele pede a proteção da lei. A sociedade hoje tem uma resposta quase imediata e pode, do seu próprio computador, acompanhar seu pedido.

O promotor de justiça, gozando de sua independência institucional, tem o dever de fiscalizar o cumprimento das leis e muitas vezes acaba por confrontar com autoridades políticas. O Estado Democrático de Direito permite essa fiscalização sem represálias. Quer seja no cumprimento da lei de responsabilidade fiscal, quer no cumprimento de quaisquer outros diplomas legais, o embate é inevitável. Como lidar com esse desgaste?
Lidamos normalmente e não nos preocupamos com o status dos fiscalizados, podendo ser político ou membro da alta cúpula do governo. Não há distinções. Agimos de acordo com a Constituição Federal e com a Lei do Ministério Público. Desenvolvemos um trabalho sem medo. E há até mesmo um reconhecimento dos governadores, deputados, prefeitos que a investigação de denúncias é papel do MP, portanto, essa fiscalização é dever institucional desse órgão. Trabalhamos com independência e não protegemos A ou B. A lei é igual para todos.

Como o sr. avalia a exigência legal para a implantação dos portais da transparência para os entes públicos?
Considero altamente positivo. Veio de encontro ao que o MP sempre exigiu dos entes políticos: transparência com a coisa pública. Os gestores são obrigados a prestar contas daquilo que entra nos cofres públicos, uma vez que os impostos vêm da sociedade. Quando isso se transforma em lei, é o apogeu. Há recomendações a todos os promotores de justiça do Estado para que eles fiscalizem os portais da transparência dos municípios a que estão vinculados. Caso não atenda as exigências da legislação, a ordem é para entrar com ações civis públicas por improbidade administrativa.

O MP tem que dar exemplo. Fomos o primeiro do País a implantar o portal da transparência no próprio órgão. Hoje estamos em sexto lugar como o MP mais transparente do Brasil. Na próxima avaliação, a intenção e figurar entre os três primeiros, uma vez que já detectei os pontos que eram obscuros e determinei os reparos.

Em relação ao coirmão, o Ministério Público Federal, como o sr. enxerga aquela instituição e sua atuação no território tocantinense?
Eles têm fazem um trabalho incessante de combate à corrupção, ao trabalho escravo e cumprimento das leis trabalhistas. É um trabalho excepcional e relevante. Os brasileiros acreditam nos MPs, estadual e federal, e graças às investigações muita corrupção está vindo à tona, culminando com os corruptores presos.

É dever precípuo do MP combater a corrupção, defender o regime democrático, a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Falando de corrupção, o sr. entende que esse crime aumentou muito nos últimos anos e, por isso mesmo, acarretou mais tarefas, vigilância e fiscalização por parte do MP?
Eu tenho certeza que não aumentou. Sempre houve. O problema era que estava embaixo de sete capas e só agora temos condições de desarticulá-la. A tecnologia hoje é o fiscal do mundo. A troca e cruzamento de informações, feitos pelo MP e pelas polícias, permite o descobrimento de fraudes, lavagens de dinheiro, etc. O MP tem um sistema de vigilância e escutas telefônicas – autorizadas judicialmente, é claro – denominado “guardião”. O Banco Central também possui um sistema que aciona os Ministérios Públicos se houver quaisquer movimentações de grande vulto nas instituições financeiras. Nada passa despercebido.

Em recente artigo de sua autoria publicado na imprensa local o sr. lembrou que na operação Lava Jato, que envolve diretamente ou coloca sob suspeita a idoneidade de integrantes dos Três Poderes, o Ministério Público permanece com sua imagem inabalável. O sr. classificaria o MP como um dos órgãos que os brasileiros mais confiam? E o que dizer da Justiça como um todo?
Segundo pesquisas, os brasileiros confiam em primeiro lugar no Exército, em segundo na Igreja e terceiro no Ministério Público. Percebe-se nesse caso a idoneidade da instituição. O MP “incomoda” tanto que recentemente tentaram passar a emenda nº 37 que tirava o poder do MP de investigar. A própria sociedade foi às ruas se manifestar e exigir que isso não ocorresse, mantendo-se todas as nossas prerrogativas.

Já a Justiça também é confiável. Não é fácil porque somos 200 milhões de pessoas e 100 milhões de processos. Mas o novo código de processo civil vai avançar muito na resolução dessas pendências, uma vez que vai primar pela conciliação. Muitos processos são pendências ínfimas, que nem deveriam chegar ao Judiciário. Na esfera criminal é a mesma coisa: crimes de menor potencial ofensivo devem ser resolvidos de forma imediata. A implantação das penas alternativas é uma boa solução, mesmo porque os presídios estão lotados. Não há sentido manter um processo dessa natureza em trâmite por longos anos.