“O Justiça Cidadã aproxima o Poder Judiciário da sociedade”

05 maio 2019 às 00h00

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Presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins diz que programa, que terá 42 edições, visa garantir a cidadania por meio de uma Justiça ágil

Rondinelli Ribeiro/TJ/TO
O novo Presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins, desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, é sergipano de Aracaju. Graduou-se em Direito pela Universidade Tiradentes de Aracaju e especializou-se em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal. Atualmente é mestrando em Ciências Constitucionais pela mesma instituição portuguesa.
Exerceu cargos de subdelegado de polícia, como também delegado metropolitano de polícia, além de defensor público, cargos ocupados na capital sergipana. Ingressou na magistratura em 1989, após aprovação no primeiro concurso para juiz do então recém-criado Estado do Tocantins, atuando nas comarcas de Miracema, Araguacema, Araguatins, Colinas, Paraíso e Palmas. Na magistratura tocantinense, atuou ainda como juiz corregedor por dois mandatos sucessivos e, na área acadêmica, foi professor auxiliar da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins).
Já no Tribunal de Justiça, o desembargador atuou como presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins (ASMETO), por três mandatos, foi diretor adjunto da Escola Superior da magistratura Tocantinense (Esmat) e corregedor-geral da Justiça durante a última gestão. A partir de 2019, assumiu a presidência da Corte de Justiça no Tocantins.
Nesta entrevista exclusiva, Helvécio Maia relata sua história, seu elo com o Estado do Tocantins e sua carreira como magistrado, como também, conclama a população para participar – ativamente – do Projeto Justiça Cidadã.
Poderia contar aos nossos leitores como se deu essa migração do Estado de Sergipe para o Tocantins e em quais circunstâncias isso ocorreu?
Formei-me em direito em Sergipe em meados da década de oitenta e comecei a trabalhar na área. Em 1989 estava em Brasília com o objetivo de fazer um curso, em nível de pós-graduação. Recebi de um tio, que trabalhava no Congresso Nacional, uma espécie e ordem/missão: vir ao recém-criado Tocantins para inscrever o meu primo, filho dele, como também fazer minha própria inscrição no concurso de juiz de direito, cujo edital acabara de ser lançado.
Confesso que isso não estava nos meus planos, mas fui educado para respeitar e não desobedecer aos parentes mais velhos. Respeitosamente, empreendi viagem de ônibus, por mais de mil quilômetros. Qual não foi minha surpresa ao chegar à capital provisória do Estado: a pacata Miracema do Norte. Não havia praticamente nada e o ônibus estacionou num pequeno comércio, no meio de um descampado, que os transeuntes classificavam como rodoviária. Aquilo parecia qualquer coisa, menos uma plataforma capaz de receber ônibus ou passageiros. A cidade era longe desse local, às margens do Rio Tocantins.
Achei tudo muito estranho e diferente, mas me inscrevi no certame. Posteriormente, voltei para me submeter às provas. Meu primo também veio, mas senti que ele não quis se esforçar em passar. Ele achou tudo muito ruim, precário, longínquo (risos). Fiz todas as etapas do concurso e obtive êxito. Se a princípio pensei em obter a aprovação apenas como título, o certo é que, ao final, desembarquei de vez, no Estado do Tocantins.
Esta história é realmente impressionante… E o sr. foi exercer a magistratura onde?
Primeiramente em Miracema, como juiz corregedor, depois em Araguacema, Araguatins, Colinas e Paraíso do Tocantins. Em 1999, finalmente, fui removido para a capital, Palmas. Atuei na 3ª Vara da Fazenda Pública, além de exercer a presidência da Asmeto. Em junho de 2014, tomei posse como desembargador do Tribunal de Justiça do Tocantins.
Enquanto juiz corregedor, no início do Estado, o sr. logicamente visitou todas as Comarcas…
Sim, de norte a sul e de leste e oeste. Atravessei pontes de madeira prestes a cair, apurei desvios de conduta de outros magistrados, vi cadeia na região do Bico do Papagaio que sequer possuía telhado, assemelhando-se a presídios medievais, entre outros tantos problemas correlatos. Era um tempo de “desbravamento”.

Rondinelli Ribeiro/TJ/TO
Baseado em todo esse histórico, trata-se de um processo evolutivo sem precedentes, o fato de o Estado do Tocantins ter sido o primeiro Ente Federado a ter digitalizado 100% dos processos em tramitação, por intermédio do sistema e-proc, não é mesmo?
Quando começamos dar vida à Justiça tocantinense, os expedientes eram datilografados, utilizando-se carbono para gerar cópias e contrafé. Atualmente, o que se vê é uma revolução tecnológica, sem dúvidas, que não tem volta. O pioneirismo da Justiça tocantinense é digno de condecoração. A velocidade da informatização e a maneira como todos os operadores do direito, entre os quais, desembargadores, juízes, promotores, advogados, assessores, oficiais de justiça, escrivães, etc, têm acesso às informações é, verdadeiramente, impressionante. O sistema e-proc é revolucionário para a Justiça como um todo e o Tribunal de Justiça tocantinense se apresentou como referencial de vanguarda na operacionalização desta metodologia.
Saindo do digital, e quanto às obras infraestruturantes? Há previsão de construir outros fóruns durante a sua gestão à frente do Tribunal?
Entregamos recentemente o prédio e mobiliário do fórum de Araguaína, vez que se tratava de uma reivindicação antiga. A estrutura é moderna, segura e eficaz. Várias outras comarcas possuem sedes próprias, construídas dentro do mesmo projeto estrutural e arquitetônico, numa espécie de padronização.
Durante o biênio que estarei à frente do Tribunal de Justiça, considerando o planejamento estratégico, pretendo construir e entregar novos fóruns nas comarcas de Miracema, Paraíso e Gurupi. Seguiremos os projetos já existentes, contudo, faremos adaptações no que se refere à ecologia, meio-ambiente, reciclagem de lixo, instalação de placas para captação de energia solar, entre outras.
No que concerne ao pagamento de precatórios da Fazenda Pública, o Estado do Tocantins tem cumprido os compromissos com os jurisdicionados?
Não há quaisquer problemas, pois a ordem cronológica tem sido rigorosamente respeitada, como também, os ditames da Constituição Federal. Seguimos as orientações do CNJ e não há precatórios com mais de um ano para serem quitados.
Qual a sua avaliação sobre o relacionamento com outras instituições, como o Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e Defensoria Pública?
A melhor possível. São instituições permanentes, independentes e essenciais à administração da Justiça. Todos têm se mostrado solidários e parceiros deste Tribunal em suas ações.
“Os juízes vivem conflitos éticos diários, pois não podem se eximir e suas decisões mudam vidas e alteram o direcionamento dos recursos do Estado”
Em relação à judicialização da saúde no Brasil, um tema recorrente nos dias atuais, qual é a sua visão acerca do tema?
Os juízes vivem conflitos éticos diários, porque, ao mesmo tempo em que não podem se eximir da função de julgar e entregar a prestação jurisdicional, suas decisões mudam vidas, alteram o direcionamento dos recursos e, por consequência, modificam planejamentos e ações governamentais. É um dilema ter que decidir entre determinar a entrega de um medicamento ou a internação de quem procurou a Justiça e desamparar quem, também, está agonizando na fila de espera.
Muitas vezes, a ordem judicial de bloqueio de verbas para a compra de um medicamento de alto custo – que beneficia apenas um paciente – prejudica a coletividade, pois o Estado deixa de adquirir medicamentos considerados básicos, ante a falta de recursos.
O ideal seria que o Judiciário não tivesse que intervir nesses casos, contudo, isso seria utopia. À medida que cidadão se vê desamparado pelo ente estatal, não lhe resta alternativa senão recorrer ao Poder Judiciário. Não se trata de uma peculiaridade do Estado do Tocantins, é uma realidade brasileira, infelizmente.
Assim sendo, creio que a questão da saúde deveria ser repensada pelos governantes, visto que, a princípio, trata-se de um problema de gestão. Neste caso, reitera-se que o Judiciário – pelo menos do Tocantins – está aberto ao debate com o Executivo, visando encontrar soluções que possam atender a grande maioria dos pacientes, mitigando a judicialização.
Por falar em relação com o Poder Executivo, como lidar com o contingenciamento de verbas, que muitas vezes inviabiliza o planejamento estratégico e os cronogramas de desembolso do Tribunal?
Temos que lidar com naturalidade. Assim como os demais Estados da federação, o Tocantins passa por dificuldades financeiras e houve, comprovadamente, frustração de receitas. Observe que apenas 42% da nossa receita é fruto de arrecadação. Os outros 58% são advindos de repasses federais. Torço, de verdade, para o atual governador consiga mudar essa realidade, pois temos potencial para isso.
Nestas circunstâncias, não vejo como assombro quando o governo propõe contingenciamentos. Entendo que os outros poderes devem se esforçar e se engajar para economizar. Entretanto, todos os contingenciamentos são passageiros. Posteriormente, aquela verba que porventura não veio, terá que vir para preencher a lacuna deixada pela falta de repasses orçamentários.
Qual sua reflexão sobre o exercício do cargo de corregedor-geral de Justiça, ocupado pelo sr. na gestão do presidente Eurípedes Lamounier?
Foi uma experiência ímpar. Ali é possível saber mais sobre as estatísticas do Tribunal, bem como, conhecer bem os servidores e suas demandas. É um órgão cujos princípios são de orientação e supervisão, mas que pode – em última instância – ser disciplinar.
Neste período, normatizamos regras internas e procedimentos, além de viabilizar as correições virtuais. Implantamos um projeto pioneiro denominado Corregedoria Cidadã, que visitou as 42 comarcas do Estado do Tocantins, cujo objetivo era aproximar-se das comunidades, dos juízes e dos servidores, na busca pela eficiência no atendimento.
Na condição de presidente da corte o sr. transplantou essa mesma ideia para a gestão do Tribunal de Justiça e implantou o Justiça Cidadã. Qual sua expectativa e como vai funcionar esse projeto?
Assim como ocorreu na corregedoria, a partir do resultado das reuniões serão desenvolvidas várias ações que nortearão a gestão do Tribunal, com o fito de promover mudanças positivas no Judiciário. A ideia também é fazer um trabalho intenso junto a magistrados e servidores com o objetivo de ouvir as demandas locais e implementar as soluções para a melhoria da prestação jurisdicional ao cidadão.

Contudo, o diferencial do projeto em relação àquele da corregedoria é o pacote de serviços de cidadania que serão oferecidos a toda a comunidade local. Em cada comarca visitada a caravana deverá realizar uma série de eventos ao mesmo tempo, desde mutirões judiciais, mutirões de conciliação, palestras em escolas e faculdades sobre direitos e cidadania, palestras sobre saúde, violência doméstica, combate ao uso de drogas, atendimentos jurídicos sobre regularização fundiária, treinamentos com servidores e magistrados e rodas de conversas em escolas públicas e faculdades.
Alem disso, setores como a Diretoria de Tecnologia da Informação e Diretoria de Obras farão um trabalho prévio de levantamento das demandas em cada uma das Comarcas para levar as soluções estruturais correspondentes.
E quanto às audiências resolutivas, propriamente ditas, como ocorrerão?
Um dos primeiros objetivos é viabilizar a aproximação do Poder Judiciário com a sociedade. Todas as ações visam garantir a cidadania por meio de uma prestação jurisdicional mais ágil e eficiente. Por fim, as ações itinerantes visam buscar o aperfeiçoamento dos serviços da Justiça como um todo, elevando o patamar de confiança da sociedade no Judiciário estadual.
O Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos será responsável por mutirões temáticos, atendimentos pré-processuais e oficinas de parentalidade, com divulgação e palestras para os pais divorciados e filhos com idade entre 7 e 18 anos. Já o Núcleo de Prevenção e Regulação Fundiária deverá promover reuniões com os prefeitos para fomentar a regularização do patrimônio imóvel dos municípios e a visita a assentamento rural com vistas a esclarecer o beneficiário sobre a regularização do imóvel.
Por sua vez, a Diretoria de Administração deverá oferecer os kits para a realização de Exames de DNA oriundos do Projeto Pai Presente e as decorrentes de processos judiciais em que as partes sejam beneficiárias da justiça gratuita.
E quando será o início do projeto?
Serão 42 edições, a primeira em maio de 2019 e a última em julho de 2020. Iniciaremos pela comarca de Novo Acordo – uma das mais próximas da capital – na segunda-feira (06/05), a partir das 8 horas. Convoco a população desta Comarca, assim como de todas as outras que iremos visitar ao longo desse ano, para que compareçam ao fórum, exerçam a cidadania, se mobilizem e se engajem neste projeto. O objetivo é atender a comunidade, orientá-la e valorizá-la.