Delegada que comanda todo o efetivo da Polícia Civil de Palmas e presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária apresenta dados sobre lutas e conquistas obtidas pela classe em nível nacional
Graduada em direito pela Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), a delegada de Polícia Civil no Tocantins atuou em delegacias do interior – Paraíso e Miracema – como também em várias delegacias circunscricionais e especializadas da capital, tais como a de Repressão a Narcóticos e de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos Automotores.
Entre 2009 e 2010, Cintia assumiu a Coordenadoria Pedagógica da Academia de Polícia Civil, além de atuar como corregedora adjunta em 2011. Já no período compreendido entre 2012 a 2017, desempenhou mandatos classistas como vice-presidente e presidente reeleita do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Tocantins, sendo, por fim, empossada, em 2016, como presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ). No mês passado assumiu, simultaneamente, a Diretoria de Polícia da capital, Palmas, de onde comanda todo o efetivo.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, ela apresenta dados positivos sobre sua atuação sindical, bem como expõe suas lutas e conquistas obtidas pela classe em nível nacional. Ela se posta totalmente contra o modelo de reforma previdenciária proposta pelo governo federal.
A sra. foi presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Tocantins por dois mandatos, sendo que o último se encerrou em dezembro de 2017. Quais foram os avanços da sua gestão?
Fiquei a frente do Sindicato por quatro anos. Quando assumi a gestão, pude perceber que se tratava de uma entidade bem apática. Conseguimos, após muito esforço, dar uma nova cara, uma identidade ao sindicato. Houve muitas conquistas, tais como o reconhecimento da carreira jurídica; a inamovibilidade dos delegados de polícia – que muitas vezes eram removidos por interesses escusos; aumentos salariais, que se atualmente estão sob judice, pelo menos foram adquiridos.
A sra. faz carreira num ambiente considerado altamente masculino, que é a própria atividade policial, e é delegada. Sem permitir posturas preconceituosas, assumiu o cargo, a presidência do sindicato estadual e também da Associação Nacional dos Delegados, postos estes nunca antes ocupado por mulheres nem tampouco por tocantinenses. Sua trajetória é ilustrativa do empoderamento feminino?
Posso dizer que o trabalho realizado à frente do sindicato tocantinense refletiu em nível nacional. Essas garantias que relatei anteriormente são, praticamente, exclusivas do Estado do Tocantins, uma vez que os delegados vinculados a outros Entes federados não possuem tais direitos.
Esse perfil fortaleceu minha luta, na medida em que os outros colegas acreditaram que também será possível estender tais garantias para aqueles que atuam em outros Estados do país.
Foi muito interessante constatar que o que mais pesou na representatividade da categoria foi o fato de ser uma mulher. Os delegados de todo o país consideraram que – mesmo diante de um ambiente masculinizado – a eleição de uma pessoa do sexo feminino representaria, primeiramente, uma quebra de paradigma, mas também uma possibilidade de conseguir a extensão dos direitos adquiridos pelos profissionais tocantinenses aos demais associados.
Enfim, uma nova visão de gestão de representação classista, firmeza nas atitudes, bom trâmite político, entre outros, foram as apostas da categoria que me permitiram assumir a presidência da Associação. Enfatizo que não busquei o cargo, não fiz qualquer campanha para isso e, praticamente, fui escolhida por eles num processo absolutamente natural.
No dia 8 de março será comemorado o Dia Internacional da Mulher. Com o decorrer do tempo houve a tão sonhada equiparação delas com os homens, contudo, nem sempre respeitada por muitos. Especificamente dentro da polícia, como a sra. vislumbra o papel da mulher?
Ainda não é tranquilo, somos minoria. As pessoas ainda insistem em estabelecer padrões, classificando que muitas atividades são eminentemente masculinas. Muitos não reconhecem que temos sim, capacidade plena, para exercer funções nas Operações Especiais ou no Serviço de Inteligência, por exemplo. Não podemos nos submeter e acreditar que poderíamos exercer apenas o cargo em delegacias que apuram crimes contra as mulheres ou contra crianças e jovens. Posso garantir que há mulheres com controle emocional, características próprias e perfil para assumirem, dentro do ambiente policial, qualquer cargo ou atividade.
Considerando que o país encontra-se em estado de intervenção [no Rio de Janeiro], após decreto presidencial, as reformas constitucionais estão automaticamente proibidas. Em que reside, nestas circunstâncias, a preocupação da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária, no que concerne à eventual reforma previdenciária?
Inicialmente a discussão da referida reforma estava pautada para terça-feira, dia 20 de fevereiro. Esta data foi designada antes do decreto intervencionista que tratou da segurança no Estado do Rio de Janeiro.
O deputado federal representante das confederações trabalhistas, e também advogado, Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), ainda na segunda-feira, 19, interpôs junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma medida judicial questionando a constitucionalidade da hipotética suspensão do decreto – sugerida pelo presidente Temer – para discutir a reforma previdenciária e, posteriormente, publicá-lo novamente. A suspensão da intervenção no entendimento de especialistas é totalmente inconstitucional, não podendo ser interrompida para atender outro objetivo específico.
Evidentemente que, diante do clima, não houve qualquer espaço para tal “manobra” visando a suspensão temporária da intervenção e a consequente retomada das discussões previdenciárias, pelo menos por enquanto, estão suspensas.
Quais são, especificamente, os pontos controversos da reforma previdenciária, em relação aos delegados de Polícia Civil, que a entidade que sra. preside considera inadequadas?
A tratativa desumana do governo federal em relação à carreira policial, uma vez que deixa de considerá-la como perigosa e insalubre. Há pesquisas que comprovam, estatisticamente, que a atividade policial faz com que nós tenhamos uma qualidade de vida inferior, abaixo da média nacional, às demais categorias e à população, de uma forma geral. Há muitos problemas relacionados ao álcool, a depressão, etc., que geram atendimentos médicos e licenças, tudo em função do caráter e da atividade policial. Lidamos incessantemente com problemas e com a escassez social, que englobam falhas na educação, saúde, lazer, etc., que, por fim, acabam por desabar numa delegacia de polícia.
Nosso maior patrimônio é a vida, no entanto, quando executamos operações policiais, naturalmente, estamos colocando em risco tanto a integridade física, quanto a saúde mental e isso vale não apenas para delegados, mas também para policiais civis ou militares.
São estes pontos que não foram tratados com dignidade e com um olhar mais humanístico pela reforma ora proposta. Não se trata de uma carreira comum, uma vez que há especificidades no exercício destas atividades que, infelizmente, não foram consideradas pelo governo federal. Nunca houve, desde junho de 2017, uma discussão democrática do tema. O processo veio pronto para ser votado, com o que não concordamos, visto que a mitigação de direitos merece amplos debates. É necessário exigir, portanto, transparência e ampla discussão da matéria.
A segurança pública é essencial ao estado democrático de direito. O tripé governamental está baseado em saúde, educação e segurança. Os dois primeiros, os cidadãos podem comprar, caso possuam poder aquisitivo. Mas, e a segurança? Pode ser comprada? Evidentemente que não. Seu direito de ir e vir, sua liberdade, está diretamente atrelado à atividade policial.
Quais são os outros pontos preocupantes por parte da classe?
Sem dúvida, a questão da pensão por morte. Como já dito, a atividade policial é perigosa, há riscos claros de morte em cada operação. A partir do momento que tal fatalidade não é considerada pela reforma, nos postamos totalmente contrários. Pela proposta de reforma da Previdência, o valor da pensão por morte será regido pelo valor pago pelo INSS, sendo limitado o valor que os beneficiários poderão acumular com o próprio salário a dois salários mínimos. Existe previsão de pagar valor integral no caso de morte em serviço. Somos contra tal previsão, pois desconsidera os riscos e a periculosidade da atividade policial que macula a saúde, nem sempre causando sua morte, embora muitas vezes ocorra. Não é admissível que as famílias dos delegados de polícia fiquem desamparadas.
Propomos que a pensão por morte deve ser equivalente ao valor do salário que o delegado de Polícia percebia na atividade, ou, no caso de aposentado, o valor da aposentadoria. Além disso, que a pensão possa ser acumulada com os rendimentos da atividade profissional do beneficiário, como já ocorre atualmente, assegurando a dignidade e a segurança jurídica da família do policial.
Em um futuro próximo, quando se encerrar o estado de intervenção no Rio de Janeiro e a reforma da Previdência voltar à pauta, a sra. acredita que o governo conseguiria aprová-la?
Creio que apenas o próximo presidente a colocará em pauta novamente e, aliado a isso, outros congressistas estarão assumindo novos mandatos de deputados e senadores. Minha percepção é que da forma como foi proposta, a reforma não será aprovada, não apenas no tocante aos policiais, como também em relação a todos trabalhadores deste país. Não há aceitação popular nem tampouco política. Como já disse e reitero, o governo se equivocou ao propô-la sem uma discussão ampla.
Mais uma vez deixo os meus parabéns por postular a presidência dessa Associação… vendo a matéria que fora descorrida por vossa excelência… foi muito bem explicitada.. acreditamos que vc é outras representações possam estarem vigilante no que tange os direitos dos policiais civis deste país..