A candidata ao governo do Estado pela federação PSOL/Rede, Karol Chaves, está animada com a oportunidade de representar a mulher negra no debate político que vai escolher o próximo governador – ou próxima governadora – do Tocantins. “Nacionalmente o PSOL tem feito esse movimento de priorizar candidaturas de mulheres, tendo em vista que é importante essa visibilidade na política. Então, para ser coerente com o nosso discurso, a gente também faz a prática e se coloca na disputa”, explica Karol, que faz questão de ressaltar que não se trata de projeto pessoal, mas ação coletiva que visa fortalecer o partido e pautar o debate em defesa dos direitos das minorias.

Única mulher a disputar o governo do Estado, Karol aponta a falta de políticas públicas efetivas como responsável pelo aumento da violência contra a mulher no Tocantins, que, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, teve aumento de 120% nos casos de feminicídio em 2022. “A gente precisa de políticas públicas muito efetivas aqui no Estado. Nós temos um Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres que não é de agora, já tem alguns anos, mas com muita dificuldade de ser colocado em prática aqui. O movimento de mulheres acredita que é uma certa falta de vontade política”, reclama.

A candidata defende um conjunto de ações de enfrentamento à crise e de fortalecimento da economia que faz parte de seu plano de governo que será apresentado à sociedade. “Defendemos um eixo programático sobre trabalho, renda e serviços, em que a gente pretende reconstruir a economia do Tocantins. Desenvolver programas de geração de emprego e renda; implementar o desenvolvimento econômica com iniciativas que priorizem a economia socioambiental na perspectiva de que estamos num Estado rico em natureza e que é preciso medidas de proteção’, destaca Karol, citando alguns tópicos do programa.

Karol Chaves, 41 anos, é paulista de Osasco, mas tocantinense de coração. Vive no Estado desde 1992. É advogada, especialista em direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+ e mestre em Desenvolvimento Regional. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Karol fala do desafio de ser candidata, o que, segundo ela, é uma ótima oportunidade de garantir visibilidade da mulher na política, e destaca a importância de pautar o debate com temas que outros candidatos não irão abordar, como a defesa dos direitos das mulheres, indígenas e quilombolas.

É importante essa visibilidade das mulheres na política

Por que a candidatura ao governo do Estado?

O PSOL tem se colocado na disputa pelo governo do Estado há um bom tempo. Nós tivemos a Eula [Angelin] em 2014; depois tivemos a Bernadete [Aparecida,] que é bastante conhecida nos movimentos sociais, em 2018; e agora, sou eu. Então, já é a terceira vez que o PSOL coloca uma mulher encabeçando a chapa. Este ano temos também uma mulher [Lúcia Viana] para o Senado. Então, para governo e Senado, as candidaturas prioritárias são de mulheres. Nacionalmente, o PSOL tem feito esse movimento de priorizar candidaturas de mulheres tendo em vista que é importante essa visibilidade das mulheres na política. Então, para ser coerente com o nosso discurso, a gente também fez a prática e se colocou na disputa. Neste sentido, é bom lembrar que não é uma candidatura com perspectiva individual, mas uma candidatura para realmente fortalecer o partido no Tocantins, para dar visibilidade a essas pautas de esquerda e debates que provavelmente não vão ser colocados pelas candidaturas que a gente já sabe. É importante que o PSOL se coloque na disputa com o objetivo de se fortalecer e ser coerente com as suas ações no Brasil inteiro.

Na conjuntura em que estamos, a gente vê que as pessoas estão passando fome

Quais seriam essas pautas da esquerda as quais a sra. se refere?

Nós temos algumas diretrizes dentro do partido, como a taxação de grandes fortunas, algo importante; fazemos um enfrentamento ao latifúndio, às terras improdutivas; a gente faz a defesa de pautas indígenas e quilombolas, demarcações de terras indígenas e quilombolas; faz uma defesa também de que haja reforma agrária, que seja ampliada e também uma defesa de mais empregos e renda. Hoje na conjuntura política que nós estamos vivendo a gente vê que as pessoas estão passando fome. Até mesmo aqui em Palmas, onde a gente não via pessoas pedindo, na área central hoje isso está sendo bastante comum pessoas pedindo, em situação de muita vulnerabilidade. É lógico que essa situação é muito mais comum nas cidades mais pobres, mas a gente precisa entender que a conjuntura agora é muito diversa.

Nós temos um governo federal que está praticando o retrocesso dos direitos sociais de uma forma gritante. Então, é importante que a gente faça este enfrentamento, mantendo algumas pautas que, aqui no Estado, são superimportantes, como os direitos indígenas e quilombolas.

Nos últimos dois anos, tivemos uma redução dos recursos para a Secretaria de Segurança Pública

Uma pauta específica que tem relação direta com o seu campo de atuação é o enfrentamento à violência contra a mulher. A Secretaria de Segurança Pública aponta um aumento de 120% de casos de feminicídio. O que é possível avançar nessa luta, a partir do debate das eleições para o governo do Estado?

A gente precisa de políticas públicas muito efetivas aqui. Nós temos um Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres que não é de agora, já tem alguns anos, mas que tem muita dificuldade para ser colocado em prática no Estado. O movimento de mulheres acredita, e os números também mostram isso, que há uma certa falta de vontade política. Por exemplo, nos últimos dois anos tivemos uma redução dos recursos para a Secretaria de Segurança Pública. Fica muito difícil fazer política de segurança efetiva com redução de recursos. Temos profissionais que precisam ser mais bem preparados, a gente precisa de insumos, de recursos, não apenas materiais, mas também humanos. Precisamos de novos concursos. Então, são vários insumos que precisam ser colocados para que haja uma defesa efetiva e redução dos casos de violência. Esses números estão só aumentando, a gente não tem redução, tanto da violência contra as mulheres como a violência contra pessoas negras e LGBTQIA+.

É muito difícil quebrar o ciclo de violência de forma individual, o Estado precisa se comprometer

O que explica essa escalada da violência contra as mulheres no Tocantins? Além da ausência de políticas públicas efetivas para o combate, a cultura machista, patriarcal e coronelista do antigo norte de Goiás tem alguma relação?

Quando a gente pensa no enfrentamento à violência, precisa pensar também na educação e na saúde. Primeiramente porque estamos num Estado da região Norte, muito distante dos grandes centros, com uma cultura coronelista arraigada, patriarcal, onde as mulheres historicamente têm processo de luta, mas numa cultura muito conservadora. Pensando nisso, a gente precisa discutir alguns temas na escola e se lembrar de que alguns anos atrás até a gente falar sobre gênero em sala de aula, em Palmas não poderia que. O avanço desse conservadorismo tem impedido o debate de alguns temas importantes e que não tem só a ver com identidade, gênero, orientação sexual: tem a ver com respeito às mulheres, com diminuir taxa de violência, tem a ver com criar meninos e meninas que respeitem a diversidade, de gênero, de orientação sexual, de etnia, de raça. É muito importante a educação. Outro ponto também muito relevante é a questão da saúde. A gente precisa de profissionais da saúde que sejam comprometidos em identificar essa situação de violência e que acolham essas mulheres, que elas sejam envolvidas nessa rede de apoio para que possam enfrentar essa violência. É muito difícil quebrar o ciclo de violência de forma individual, o estado precisa se comprometer.  

Advogada Karol Chaves, que vai disputar o governo do Tocantins pela federação PSOL/Rede | Foto: Divulgação

Como a sra. se sente como a única mulher a disputar o governo do Estado nestas eleições? É um desafio, mas também uma oportunidade?

As duas coisas, embora eu não fale apenas para mulheres, para pessoas LGBTQIA+ ou para essa ou aquela comunidade, estou falando para todo o Tocantins. A gente tem de pensar que aqui no Tocantins a base social é de pessoas que vivem numa situação de pobreza. Nós temos um Estado que, em termos de renda, é um lugar onde muitos ganham pouco e poucos ganham muito. Portanto, é importante que tenham pessoas qualificadas que façam este debate. O PSOL, enquanto partido comprometido com a diminuição da desigualdade de gênero, me deu essa oportunidade de cumprir essa tarefa que tem compromisso ético, político com as pautas de esquerda, mas que também quer dar representatividade para as mulheres. As pessoas precisam ter opções para votar. Aquelas pessoas que se sentem identificadas com as pautas do PSOL, com as nossas pautas, com o nosso plano de governo, elas precisam ter opção em quem votar. Não é possível continuar com apenas candidatos homens, pessoas que estão aí no poder há muito tempo, fazendo carreira política, enquanto temos uma juventude querendo algo novo. A nossa proposta é isso, algo novo, mas consolidado, com pautas firmes do campo da esquerda.

Decidimos apoiar o Lula porque a gente compreende que é necessário derrotar Bolsonaro

Por falar nas pautas de esquerda, por que não foi possível caminhar com o projeto do PT, encabeçado pelo ex-deputado Paulo Mourão, que convidou as duas legendas para compor a frente de partidos de apoio a sua candidatura?

São duas federações distintas desse campo ao qual estamos nos referindo. A federação PT, PCdoB e PV e a outra formada pelo Rede e PSOL, nacionalmente. Em nível nacional, decidimos apoiar o Lula porque a gente compreende que neste momento é necessário derrotar Bolsonaro. Historicamente, o PSOL nunca deixou de lançar candidato à Presidência da República, desde sua fundação. Então isso nunca aconteceu, essa será a primeira vez. Aqui no Estado nós decidimos manter uma candidatura própria porque a gente já tinha aprovado em resoluções anteriores do partido que era necessário lançar uma candidatura própria. Em segundo lugar, o impacto aqui no Estado de apoiar o PT é diferente de fazer isso nacionalmente. Aqui se faz necessária uma candidatura própria, porque a gente tem pautas convergentes, sim, e uma delas é apoiar o Lula, mas também têm algumas divergências que é interessante a gente colocar para a população, por exemplo, é uma oportunidade das pessoas que querem votar numa mulher ter a opção de votar. Nossa candidatura é uma oportunidade das pessoas que querem votar numa mulher negra. Nós fizemos questão de manter o nosso compromisso de ter uma possibilidade de fazer o enfrentamento sem receio por estamos numa federação.

Essa é uma eleição que, tudo indica, será decidida no segundo turno. Qual vai ser a posição do PSOL/Rede no segundo turno, se houver?

Esse é um assunto que temos de decidir internamente. Ainda é cedo para se falar sobre o tema. Posso garantir que há possibilidade de diálogo. Um assunto para ser discutido quando for declarado o segundo turno.

Como vai ser a composição do palanque do presidente Lula no Tocantins?

A expectativa é de que tenhamos um palanque mais encorpado com os dois grupos que contam com candidaturas próprias, isso tem acontecido em alguns Estados essa composição. A gente precisa melhorar um pouco, como tem sido feito. Eu acho que é importante dar visibilidade para o PSOL/Rede no palanque já que estamos apoiando o Lula. A gente espera que os acordos sejam cumpridos.

É importante lembrar que 700 mil pessoas morreram pelas mãos do governo

O PT tem conseguido vencer as eleições para a Presidência da República no Tocantins desde que Lula foi eleito em 2002. Esse é um dado que confirma a importância de projetos como o da federação PSOL/Rede?

Estamos numa situação de muita polarização. Até mesmo algumas pessoas do campo da direita não aceitam [o presidente Jair] Bolsonaro, por todas as más decisões tomadas – por ser um governo neoliberal, mas principalmente por ser um governo genocida, é importante falar isso. Lembrar que foram 700 mil pessoas que morreram pelas mãos do governo. É precisa relembrar isso, não é? Espero que o Tocantins não se esqueça. A gente precisa retomar não só a economia, mas retomar marcos civilizatórios. Retomar a reconquista de direitos sociais que nos foram tirados. Houve um retrocesso muito grande. É necessário a gente fazer uma retomada do que nós andamos perdendo. Perdemos muito.    

Defendemos a criação de um programa para e com as mulheres tocantinenses

Quais são as principais propostas do plano de governo de uma eventual gestão do PSOL/Rede?

Defendemos um eixo programático sobre trabalho, renda e serviços, em que a gente pretende reconstruir a economia do Tocantins. Desenvolver programas de geração de emprego e renda; implementar o desenvolvimento econômico com iniciativas que priorizem a economia socioambiental, na perspectiva de que estamos num Estado rico em natureza e em que é preciso medidas de proteção. Precisamos olhar com maior atenção para a nossa política energética, não tem explicação sermos produtores de energia e pagarmos uma das energias mais caras do País; para a ampliação dos direitos sociais; para a criação de um programa para e com as mulheres tocantinenses, não só com as mulheres, mas pessoas indígenas, quilombolas, população LGBTQIA+, mulheres camponesas. Uma estratégia de luta antirracismo aqui no Estado, com mais de 70% de população negra, considerando que negros são os pretos e pardos. Uma defesa também da população LGBTQIA+, ampliação dos direitos para essa população, tendo em vista que o Estado não conseguiu implantar um plano estadual de direito dessa população. Também precisamos derrotar preconceitos, começando na escola. Uma saúde integral para essa população, mais dignidade para a juventude, que é importante, pois temos uma taxa de desemprego muito grande no Estado, então a gente precisa de uma política pública estadual de geração de emprego decente para os mais jovens. Participação política nas tomadas de decisões. Uma política mais democrática para pessoas com deficiência, transversal, mais inclusiva. Defendemos um governo que se preocupa com os direitos humanos e o combate às opressões. Isso numa perspectiva que não é só do Estado, é uma preocupação do nosso plano de governo, em nível nacional. Olhar para o direito à moradia e direito a cidade das pessoas. Não é só ter casa, é direito a ter mobilidade, até acesso a lugares dentro da cidade. A gente tem uma questão de especulação imobiliária muito grande em Palmas, principalmente. Uma educação pública e democrática para todos e todas. Também uma saúde pública do tamanho do nosso povo. Porque a gente tem tido sistematicamente problemas com a saúde pública do Tocantins. Não é de agora. Todos os governos, a gente tem escândalos relacionados à saúde. E um modelo de segurança pública mais cidadão a serviço da comunidade, a serviço da vida.

Cada eleição tem o seu momento. Qual é esse momento, dizem alguns que a defesa da democracia pode ser uma bandeira de consenso nacional?

Olha, a gente tem visto vários setores se unir em torno dessa bandeira. Recentemente tivemos o lançamento de uma carta, na Faculdade de Direito da USP [Universidade de São Paulo], uma carta assinada por vários setores fazendo essa defesa, porque realmente a gente tem uma investida do governo atual para a derrocada da democracia, questionando as urnas eletrônicas, fazendo uma série de questionamentos infundados para que não haja eleição, com medo de perder as eleições. A gente tem, sim, de juntar força em torno dessa bandeira. Sim, acredito nessa possibilidade de uma bandeira pela democracia, que já é uma defesa dos partidos de centro-esquerda e é importante que a gente mantenha esta defesa.

Alguma questão que deixamos de abordar e que a sra. gostaria de acrescentar?

Hoje vivemos uma crise profunda no Brasil inteiro e no Tocantins. A gente tem um plano de governo que oferece saída para essa crise. Coloco-me para, num outro momento, falar sobre o nosso plano de governo. Como costumo dizer, um novo horizonte é possível para o Tocantins e estamos entrando nesta disputa em busca dessa realização.