O presidente do Coletivo da Diversidade Tocantinense, Fernando Coelho, contesta dados do IBGE sobre a população LGBTI+ no Estado, a qual, segundo ele, é bem maior que o apontado pelo órgão, em levantamento realizado no ano passado. “Nós temos muito mais pessoas LGBT do que se diz. Eu digo que hoje mais da metade da população do Tocantins é LGBT”, afirma o líder do movimento pela diversidade, enfatizando que inclui neste percentual não apenas as que se autodeclaram, mas toda as pessoas que se identificam com essa definição.

Fernando Coelho comemora a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa LGBTI+, o que, para ele, é a volta da esperança de avanços depois de quatro anos de atraso e retrocessos. “Só tivemos retrocesso no governo Bolsonaro. Mas agora nós voltamos com tudo no governo Lula. A criação do conselho nacional é uma grande conquista porque sabemos que as políticas públicas vão voltar e com força, porque nós queremos políticas públicas por inteiro e não pela metade”, reforça o dirigente.

O ativista pela diversidade aponta que a Parada do Orgulho LGBTI+ de Palmas se consolidou como um grande evento, que já faz parte do calendário da cidade e que todos os anos atrai milhares de pessoas. “A Parada movimenta a rede hoteleira, a gastronomia, as casas noturnas, então há também um ganho no sentido de movimentação da economia.  A Parada LGBT não é só festa: ela é turismo, é formação, é alegria e diversão”, garante o dirigente.

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Fernando Coelho relembra as dificuldades para a realização da primeira Parada e o episódio em que a prefeita de Palmas na época mandou fechar o Parque Cesamar para não permitir a realização do evento. Fala ainda sobre a tradição das casas noturnas de Palmas voltadas para o público LGBTI+, que fizeram sucesso na cidade e foram fundamentais. Segundo ele, para a formação da comunidade LGBTI+ como espaço de encontro e de debate que levou à criação do movimento pela diversidade no Tocantins. Fernando Coelho explica ainda que por trás da sopa de letrinhas da nomenclatura LGBTI+ está uma gama de identidades de gênero com as quais as pessoas se identificam. Explica que no Brasil a diversidade é representada pelo universo LGBTI+, mas nos Estados Unidos essa sigla tem bem mais letras, resultou de avanço na compreensão da diversidade de gênero.

Como o sr. avalia a importância da Parada do Orgulho LGBTI+ de Palmas, que completa 20 anos de movimento?

Estamos celebrando 20 anos de existência da Parada do Orgulho LGBTI+, mas estamos realizando a 18ª Parada, porque ficamos dois anos sem comemorar esta data devido a pandemia. Em todo esse processo, destacamos a participação do Estado, da Prefeitura de Palmas e de órgãos que apoiam nossa pauta, que são a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil – seccional do Tocantins (OAB-TO), Ministério Público Estadual (MPE) e de demais secretarias. Nós temos um apoio efetivo nas pautas que a gente defende no âmbito do Estado.

Registro de uma Parada LGBTI+ em Palmas, no Parque Cesamar | Foto: Divulgação

A Parada movimenta a rede hoteleira, a gastronomia, as casas noturnas, então há também o ganho de aquecimento da economia

A Parada do Orgulho LGBTI+ hoje é um grande evento que faz parte do calendário da cidade, mas até chegar aqui enfrentou muitos desafios, sobretudo no começa. Como esse evento impacto na luta pelos direitos das pessoas LGBT no Tocantins?

O evento não é apenas a Parada, na verdade nós organizamos uma Semana da Diversidade e este ano em conjunto com o I Fórum de Saúde e Direitos Humanos LGBTI+ de Palmas que contempla seminários, palestras, com formação e informação sobre políticas públicas para atender a nossa população. Isso tem sido de grande importância para nós, principalmente quando a gente fala em organização, no decorrer dos dias que acontece as atividades, muitas pessoas do interior como Araguaína, Gurupi, e cidades do entorno de Palmas que todos os anos participam do evento. A Parada é um evento que movimenta a rede hoteleira, movimenta a gastronomia da cidade, as casas noturnas, então há também um ganho no sentido de movimentação da economia.  A Parada LGBT não é só festa, ela é turismo, é formação e ela é alegria e diversão.

Desde a primeira edição, a Parada sempre contou com a participação de famílias

A Parada também atrai além do público LGBTI, como o sr. avalia a importância desse evento que mobiliza uma rede de simpatizantes da causa?

Desde a primeira edição da Parada LGBT, em 2003, que aconteceu no Parque Cesamar sempre contou com a participação de famílias, seja das pessoas LGBT, seja de simpatizantes. E elas vão, participam, gostam, então já virou cultura, todos os anos as pessoas esperam por esse acontecimento, porque elas querem ver, querem participar da festa; o mais importante, é um ambiente harmonioso, nada de agressão, nada de desrespeito. É um evento aberto a todos. Todos podem participar à vontade, pode trazer sua opinião, sua bandeira, pode participar como você acha que deve. É isso que a gente mostra para a sociedade. Quem somos? Somos as pessoas que querem estar sempre em sintonia com a sociedade, independentemente de qualquer situação a gente quer respeito.

A Parada conta com apoio institucional da Prefeitura de Palmas e do governo do Estado. Como tem sido assegurar esses apoios, que podem ser considerados conquistas, num contexto de intolerância, de incitação ao ódio, de violência e de negação dos direitos da comunidade LGBTI+? 

Em relação à Prefeitura de Palmas, desde que a gente vem realizando o evento, temos tido avanços e retrocessos. Contextualizando, na época da prefeita Nilmar [Ruiz] ela trancou o Parque Cesamar para que a gente não realizasse a Parada. De lá para cá, a gente teve o governo Raul Filho (PT), em que tivemos uma abertura formidável, com toda a liberdade para organizar o evento. Após o Raul, tivemos o [Carlos] Amastha (PSB), que foi o governo que mais favoreceu o conservadorismo e isso impactou muito no município, impedindo alguns avanços que poderíamos ter tido. E já com o governo da [prefeita] Cinthia Ribeiro (PSDB) tivemos um bom acesso, no que temos de comemorar.

Sabemos que agora as políticas públicas vão voltar, queremos isso por inteiro e não pela metade     

No âmbito do governo federal, perdemos todas as políticas públicas com Jair Bolsonaro (PL), a gente perdeu conselho, perdeu tudo. Só tivemos retrocessos. Mas agora, nós voltamos com tudo no governo Lula. Agora, temos a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa GLBTI+, que foi constituído por meio de decreto em 6 de abril de 2023, pelo governo federal. Isso para nós é uma grande conquista porque sabemos que as políticas públicas vão voltar e com força. Nós queremos políticas públicas por inteiro e não pela metade.

Que balanço o sr. faz desses 20 anos de luta pelos direitos da comunidade LGBTI+ no Tocantins?

Durante esses 20 anos de luta em que buscamos ter visibilidade, ter acesso a informação, à educação, à cultura, o balanço aponta que tivemos avanços e retrocessos. Hoje, já temos pessoas pós-graduadas, doutores, que estiveram no início da luta. São pessoas que já fizeram documentários sobre a Parada LGBT, temos livros escritos por nossos militantes, resgatando um pouco desse movimento. Para nós, destacar as conquistas nos ajuda a buscar força para continuar.

O que representa o universo da sigla LGBTI+ e por que o movimento no Tocantins tem essa nomenclatura?

A inclusão das letrinhas não é invenção nossa aqui, mas é o que se discute sobre gênero. Cada letrinha dessas significa uma identidade com a qual as pessoas se identificam. Hoje nós somos LGBTI, que são os que a gente discute nacionalmente no Brasil. Essas outras letrinhas são discutidas nos Estados Unidos e em outros países, porque lá eles já tiveram avanço nessa discussão. Aqui as discussões estão chegando aos poucos, criando um debate interno que levamos para a sociedade conhecer. É comum que as pessoas estranhem essa sequência de letrinhas. O sinal “+” representa o universo das pessoas cuja identidade do seu corpo é diferente do já conhecido. São os assexuados, intersexo, os queers e assim por diante.

Por onde andam os precursores desse movimento, no caso a ONG Ipê Amarelo, que foi muito aguerrida no início do movimento?

O grupo Ipê Amarelo não está mais ativo, mas a discussão continua envolvendo as pessoas que participaram dele. Hoje nós temos o Coletivo da Diversidade Tocantinense, que é o protagonista do movimento LGBTI + no Tocantins. O Ipê Amarelo nunca vai deixar de existir enquanto grupo pioneiro com a sua história e suas glórias e que foi precursor, o início de tudo.

O Brasil é onde mais se violam direitos das pessoas LGBTI e onde mais matam travestis e transexuais

Como o sr. avalia os dados apurados pelo Movimento Gay da Bahia, que aponta que o Brasil continua como o país que mais mata pessoas LGBTI+?

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTI e que viola seus direitos. O país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Essa questão de segurança púbica é de responsabilidade dos governos do Estado. Aqui, a gente vê que a segurança pública não tem o devido preparo para proteger também esse segmento social. Nossa polícia ainda não é preparada para lidar com um público LGBTI, ainda não temos essa formação para que identifique as pessoas como elas realmente são. Quando morre, por exemplo, um travesti, se não tem um nome social, vão dizer: um travesti, vão dizer o nome de homem e não a situação com a qual a pessoa se identifica. Não temos como saber esses dados, porque seria a Secretaria de Segurança Pública que teria de nos informar. Não há a tratativa de definir a identidade de gênero com que a pessoa se identifica.

Nós tivemos muitas perdas no Tocantins, casos de extrema violência, de assassinatos muito cruéis, mas a gente não tem assim um dado específico. Mas são casos bastante preocupantes para a nossa luta. Hoje nós já temos o Disque 100, qualquer tipo de violência que alguém sofrer não precisa se identificar, mas precisa denunciar. Porque só assim a gente pode ter dados de violência que sofrem as pessoas LGBTI+ no Tocantins. Quando ligam no Disque 100, a pessoa vai se identificar, informar o lugar de onde está ligando. Acho que a gente já tem dados dos governos federal e estadual sobre a situação de violência, não sei ainda como informar, mas já é um avanço o procedimento do Disque [Direitos Humanos] 100.

A população palmense é muito acolhedora. Aqui a gente tem espaço para tudo e todos

Pela experiência com a Parada, como vocês classificam Palmas? É uma cidade que respeita a diversidade ou tem se revelado intolerante e preconceituosa?

A população palmense é muito acolhedora. Aqui a gente tem espaço para tudo e todos. Antigamente, a gente saia para os lugares e tinha medo de se expor, mas hoje a gente pode ser o que é em qualquer lugar. Os travestis vão em tudo que é lugar. A gente pode ser feliz onde quiser. Não tem mais esse embate, pessoas que possam estar nos agredindo de certa forma. Existem pessoas que misturam essa pauta com política para poder atacar nossos direitos e nossa liberdade de ir e vir. Quando chega a época da Parada, toda a comunidade LGBTI da grande Palmas vem para cá, já ficam esperando a data. Quando eu morava em Araguaína, a gente trazia comitiva, trazia ônibus lotado para participar aqui em Palmas. No ano passado, tivemos gente do Rio de Janeiro, do Nordeste e de outros lugares. Este ano a gente conta com uma participação muito envolvente do município de Palmas.

Como o sr. avalia a importância das casas noturnas como Damas de Paus, The Cave e Lanterna Lounge Bar, guetos da comunidade LGBTI e de muito sucesso, não apenas junto ao público preferencial?

Essas casas noturnas foram fundamentais para que tivesse início ao movimento. Na época da Dama de Paus, lá era o único espaço que existia, um local de entretenimento onde as próprias pessoas LGBT se reuniam. E dali criou-se a ideia de ter um movimento. Foi a partir das casas noturnas que se criou esse espaço de debate e de entrosamento que resultou no movimento. Elas são fundamentais e fazem parte de nossa rotina, porque são lugares em que muitas pessoas LGBT se sentem à vontade, por se sentirem seguras. Então, isso é muito importante. Devo registrar que hoje qualquer casa noturna de Palmas é muito mais aberta, a gente pode se sentir à vontade, não existe mais o temor de ser reprimido. Hoje é muito mais aberto.

Nós temos muito mais pessoas LGBT do que esse levantamento do IBGE, que não foi feito de forma correta

Tem um dado do Censo que indica que o Tocantins é o Estado com menor número de pessoas declaradas homossexuais ou bissexuais do País. Como o sr. avalia esse dado?

Sobre o censo do IBGE que foi realizado no ano passado que foi o último, não foi uma pesquisa feita diretamente com as pessoas, mas um dado levantado pelo IBGE. Fizeram um levantamento, não um Censo. Mas esse levantamento não reflete a realidade. Nós temos muito mais pessoas LGBT do que esse levantamento do IBGE que não foi feito de forma correta. Foi feito um levantamento de forma não presencial, foi virtual, como uma enquete. Não chegou a todas as pessoas. Nós temos muito mais pessoas LGBT do que se diz. Eu digo que, mais ou menos, mais da metade da população do Tocantins é LGBT. Não necessariamente que elas se autodeclarem, mas que estariam dentro dessa estatística.

Avaliamos que esse levantamento do IBGE compromete a credibilidade da instituição, pois se mostra bastante frágil. Na verdade, sugere uma tendência política para suprimir a visibilidade do segmento, para “voltar para o armário” as pessoas LGBT dizendo que o Estado não tem um número de pessoas LGBT como nós, que somos militantes, sabemos que existe.

Ao longo dessas duas décadas de movimento LGBTI+ no Tocantins, o que o sr. identifica como grandes desafios ainda a serem vencidos?

Aqui a gente continua tendo muito retrocesso no que se refere ao governo do Estado. Temos um período longo de insegurança institucional com a troca de governadores e cada vez que se troca o chefe do Executivo se altera toda a política de inclusão. As pessoas que mais sofrem são aquelas que as políticas públicas não alcançam. Pessoas LGBT, indígenas, negras, mulheres, as políticas não chegam a elas com eficiência. Pela realidade que estamos passando, tenho esperança de que a gente vai conseguir retomar avanços em relação àquilo que tivemos no passado. Por mais que o governo tenha criado Secretaria da Mulher, Secretaria dos Povos Indígenas, Secretaria da Cultura, esses são órgãos que não têm recursos. Como o governo vai conseguir fomentar as políticas públicas, dentro dessa estrutura? Esperamos que a partir dessa parceria com o governo federal a gente possa ter políticas públicas efetivas. É isso que o governo Lula quer e propõe, discutir as políticas públicas necessárias para que a população seja incluída em todos os espaços que temos, com direito a vez e voz.