“Estou fazendo um mandato popular e participativo”

29 março 2020 às 00h00

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Vereador explica o motivo de ter trocado o PT e se filiado ao PV, depois de ter origens políticas na “esquerda radical”

Erivelton Santos é professor, graduado em História pela UFT, residente no Tocantins desde 1981 e morador de Palmas desde 1997. Filiado ao Partido Verde, foi membro da direção do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e presidente da associação de moradores da Quadra 605 Norte. Atua junto a importantes segmentos e grupos sociais – a exemplo dos movimentos de luta por moradia e regularização fundiária em vários setores de Palmas – tendo protagonismo na conquista de relevantes conquistas. Candidatou-se a vereador por Palmas nas eleições municipais de 2012 e 2016, obtendo 744 e 994 votos, respectivamente.
Em 2020, após a cassação do vereador Helio Santana, por infidelidade partidária, assumiu o cargo na Câmara de Palmas. Nesta entrevista, ele fala sobre os aspectos gerais de seu mandato, como também sobre as perspectivas até dezembro, passando pelas eleições municipais de 2020, quando pretende disputar a reeleição.
O seu discurso de posse comoveu várias pessoas, pois o sr. relatou um histórico de vida no campo, de luta pela terra e pela moradia. Sua vida pregressa sempre esteve intimamente ligada às questões da igualdade social?
Sim, sempre foi assim. Minha família é oriunda de Goiás. Meus pais moravam na região de Formoso do Araguaia. Na época da construção da Belém-Brasília (BR-153) as terras que meus familiares tinham a posse valorizaram muito. Logo, iniciou-se uma disputa com políticos locais, que queriam se apoderar das terras – através de documentos forjados – e expulsar os antigos posseiros.
Meus familiares, juntamente com outros trabalhadores rurais se organizaram em associações, resistiram e lutaram para defender seus direitos. O então governador de Goiás, Mauro Borges, titulou as pessoas que detinham as posses antigas, mas quando se esperava que tudo se normalizasse, veio o golpe de 1964. Então, todos esses líderes, que faziam parte de associações ou que estavam organizados, foram perseguidos e torturados pelo regime militar.
Por tal razão, meu avô, meu pai e demais familiares migraram para a região do Bico do Papagaio. Após longo período, chegou naquela região o Padre Josimo, uma liderança que pregava a justiça social, a distribuição de riquezas, entre outros princípios. Meu pai se tornou muito amigo dele e enfrentou várias lutas ao seu lado. Eu ainda era criança, mas tudo isso está muito vivo na minha memória. O religioso era um defensor da “Teologia da libertação” e fiel aos princípios pregados por Leonardo Boff. Lutava em favor dos pobres, oprimidos e excluídos e pregava que a igreja tinha que se compadecer do sofrimento das pessoas. Por tal razão, ele foi perseguido e brutalmente assassinado quando tinha apenas 33 anos.
Eu cresci vivendo essa luta, ao lado dos menos favorecidos. Fez parte da minha formação. Aprendi a importância da igreja dentro desse contexto. Logicamente, o cristianismo contribuiu para minha evolução enquanto pessoa. Continuo acreditando nos mesmos princípios, no que concerne à justiça e paz social, mas não dentro do seio do catolicismo. Atualmente sou evangélico e estou na Assembleia de Deus, Ministério Seta. Posso dizer, entretanto, que minha compaixão pelos excluídos ainda continua viva em mim.

Esses princípios, naturalmente, ainda fazem parte das suas bandeiras, enquanto político…
Sem dúvidas, desde que cheguei a Palmas me engajei no movimento de luta pela moradia. Me tornei presidente de associação de bairros, criei outras associações na universidade, porque as pessoas sempre viram em mim, um possível líder de causas. Consegui, através disso, reformar a base da Polícia comunitária na 503 Norte. Também foi fruto da nossa luta, por 20 anos, a criação do bairro Marli Camargo – entre o Jd. Aureny e o Santa Bárbara – onde foram assentadas pessoas que lutavam por moradia. Recentemente, também consegui entregar, através do associativismo, na beira da praia das Arnos, 160 unidades habitacionais, dentro do programa “minha casa, minha vida entidades”. Hoje, eles moram com dignidade e pagam um valor quase que irrisório pelo apartamento.
E quanto ao desenvolvimento das suas atividades profissionais? O sr. chegou a atuar quanto tempo como professor?
Fiz o curso de história em Porto Nacional, trabalhei na Prefeitura de Palmas, atuei como chefe de gabinete do Delegado Regional do Ministério do Trabalho, fui diretor de Controle Interno da Câmara de Vereadores de Palmas, exerci o cargo de diretor de Articulação Comunitária na gestão do prefeito Raul Filho e, também, assessor parlamentar na Assembleia Legislativa.
Em 2012 passei num concurso para professor efetivo da educação no campo, no Estado do Pará, que funciona no sistema modular de ensino. É uma experiência muito interessante, pois a cada dois meses, instalamos a base itinerante em um município do sul do Pará. Em razão deste projeto educacional ter essa característica, nunca me mudei de Palmas. Ao fim de cada módulo, sempre voltava para casa, onde minha família reside. Desde 2012, portanto, até a minha posse como vereador em Palmas em 2020 – quando me licenciei para o exercício de cargo eletivo – atuei como professor de história naquela região.
Nesta sua luta pela justiça social e moradia, logicamente, o sr. se filiou a um partido político…
Certamente. Fui filiado ao Partido dos Trabalhadores durante um período e disputei a eleição para vereador em 2012 por esta sigla, quando obtive 744 votos. Me considero um sujeito disciplinado, costumo seguir as orientações do partido. Sempre acreditei na ideologia partidária, aquela mesma que estava escrita no manifesto de 1979, quando o partido foi fundado. Ela se baseava nas comunidades eclesiásticas de base, no anseio da classe estudantil, dos trabalhadores, etc.
Contudo, tive algumas divergências com a direção do partido, pois sempre fui muito crítico a algumas práticas e comportamentos. Em certo momento, por fim, entendi que não era mais possível permanecer no partido, por incompatibilidade de posicionamentos e ideias. Por isso, em 2015, me filiei ao PV, onde estou até a presente data.
O sr. se classifica como um político de esquerda ou de direita?
Hoje me considero como político de centro, em que pese, no passado, ter feito parte da esquerda radical. A vida nos ensina muito. Atualmente tenho um perfil de diálogo e resultados. A filiação no PV tem muito a ver com essa postura moderada. Apesar de termos ideias progressistas e conservadoras na sigla, decidi pelo equilíbrio. Não carrego mais rótulos.
Infelizmente, os radicais de esquerda acham que todos da direita não prestam. E vice-versa. Mas a realidade não é bem assim. Percebo que podemos, sim, pegar as experiências exitosas da direita e aproveitá-las, como também as ideias de esquerda que deram certo e aplicá-las. Não vejo problema nenhum nisso. Temos que adotar, portanto, a prática da pluralidade. Tenho que ouvir todas as correntes e filtrar o que é melhor para a nossa cidade. Há que se debater, sem radicalismos, políticas publicas que privilegiem a coletividade, independente de ideologias partidárias.
Após sua posse, em razão da cassação do vereador Helio Santana, quais foram as primeiras ações do seu mandato?
Primeiramente, gostaria de agradecer a forma como fui acolhido pelos colegas de parlamento, como também, pelos servidores do legislativo municipal. Já havia exercido um cargo de diretor na Câmara e, por isso, sei bem como funciona o processo legislativo.
Assumi com o firme no propósito de continuar defendendo minhas bandeiras – baseadas na luta pela moradia – e, por isso, meu primeiro projeto foi a criação da “Frente Parlamentar em defesa da Moradia e da Regularização Fundiária”. São aproximadamente 35 mil famílias, dentre as quais 15 mil que ainda aguardam uma moradia digna e 20 mil que anseiam pela titulação de seus imóveis. A prefeita de Palmas, sensibilizada, acaba de criar uma Secretaria de Assuntos Fundiários e pretendia destinar metade das minhas emendas individuais para solucionar estas questões. Contudo, em razão da pandemia do COVID-19, autorizei a Prefeitura de Palmas usar o valor das minhas emendas individuais (R$ 614.997,00) no combate ao coronavírus, como também para aquisição de alimentos para famílias de baixa renda, feirantes e autônomos da capital.

O sr. assume a cadeira no legislativo no “olho do furação”, uma vez que em outubro já ocorrerão novas eleições. Como o sr. encara essa situação?
Estou fazendo um mandato popular e participativo. Após 30 dias de mandato realizei uma plenária e fiquei surpreso. Faltaram cadeiras para que as pessoas interessadas assistissem a prestação de contas. Meu mandato está aberto a críticas, tento criar uma sintonia com comunidade. Tenho visitado órgãos públicos e cada um dos secretários, gerando uma pauta positiva. Na minha visão, tenho contribuído com o desenvolvimento da cidade, apresentando soluções propositivas. Coloco-me à disposição do povo da capital, sou o vereador das causas coletivas. Com esse pensamento, vou tentar a reeleição com muita segurança e certeza do dever cumprido.
O que mais pode ainda ser feito neste pouco tempo que lhe resta de mandato?
A primeira questão que não se pode perder de vista é a regularização fundiária. É o carro-chefe do meu mandato. Vamos fazer eventos com representante dos bairros que não estão regularizados, com a equipe técnica da prefeitura, visando dar andamento nessas questões.
Parabenizo aqui a prefeita Cinthia Ribeiro, por ter nomeado o Dr. Darci Coelho, advogado, ex-deputado federal, ex-juiz federal, para assumir a Secretaria de Assuntos Fundiários. Ele tem conhecimento e sensibilidade para debruçar sobre o tema e resolvê-lo. Precisamos regularizar esses bairros para que os equipamentos públicos sejam implantados.
Quais comissões permanentes que o sr. participa na Câmara Municipal de Palmas?
Sou membro permanente da Comissão da Mulher e da Segurança Pública. Quanto aos blocos formados dentro da Casa, em razão do vereador Helio Santana ter optado por ser independente à época, hoje não posso participar de nenhum bloco.
E no que concerne à sua relação com o Poder Executivo?
Estritamente institucional. Não estou na base de sustentação da prefeita, me mantenho de forma independente. Não há tratativas, por parte da prefeita, para que isso ocorra. Tenho levado demandas aos Secretários e tenho sido atendido, mas não há um compromisso formal de votar com a base, independente de qualquer coisa.
Na sua chegada ao parlamento, a Casa Legislativa estava organizando sua mudança de endereço para um prédio infinitamente melhor. Ao mesmo tempo, ante à queda dos repasses, isso resultou em cortes de despesas, que acabou por atingir os repasses aos gabinetes. Qual a sua percepção sobre o tema?
Todos nós temos ter essa compreensão e desprendimento. É necessário contribuir para que a Câmara se adeque ao novo orçamento e, aos vereadores, cabe o sacrifício. Quando tomei posse, procurei o presidente Marilon Barbosa, que foi muito sincero quando à queda do repasse, o que influenciaria diretamente na Cota de Despesa Parlamentar – CODAP. Me adequei, não fiz compromissos além do que poderia. A sociedade vê, inclusive, com bons olhos essa cota de sacrifício por parte dos parlamentares. Como representantes do povo, é necessário darmos exemplos.