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Audiência pública em Palmas reúne entidades e pesquisadores e o alerta é dado: 57% do bioma já foi destruído, o que vai comprometer até o fornecimento de água para todo o País

Queimadas estão entre os principais fatores de degradação do bioma Cerrado, que abriga mais de 10 mil espécies de plantas | Divulgação
Queimadas estão entre os principais fatores de degradação do bioma Cerrado, que abriga mais de 10 mil espécies de plantas | Divulgação

Gilson Cavalcante

Conciliar a agropecuária com a preservação do meio ambiente é o maior desafio dos órgãos que atuam nessa área, de acordo com a secretária de Biodiversidade e Floresta do Ministério do Meio Ambiente, Ana Cristina Barros, durante audiência pública para debater o Bioma Cerrado. O evento foi promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na sede do MPE, em Palmas. “Esse momento é, na verdade, a melhor oportunidade para fazer essa conciliação”, observou.

Ela destacou o Cadastro Am­biental Rural (CAR) como uma das principais ferramentas para que isto se efetive. Por meio do cadastro, o poder público tem acesso a todas as informações da área de reserva legal do produtor, garantindo uma fiscalização mais atuante.

No entendimento de Ana Cristina, a cobertura de dados relacionados ao bioma Cerrado ainda é muito pequena e que eventos como a audiência pública têm um papel essencial de disseminar informações. “A iniciativa do CNMP é extremamente louvável, porque não basta implementar a lei, é preciso trazer à cena os executores, articular ministérios, secretarias e outros órgãos e instituições, diretamente com os produtores, para que, cada um, dentro do seu papel, possa atuar na preservação do Cerrado”, defendeu.

O procurador-geral de Justiça do Tocantins, Clenan Renaut de Melo Pereira, conclamou os participantes da audiência pública a se unirem em favor da defesa do meio ambiente e da garantia do cumprimento das leis ambientais.

Conselheiro do CNMP, Jarbas Soares ressaltou que os ministérios públicos têm uma forte atuação neste setor e devem sair fortalecidos desses fóruns, com estratégias de atuação para garantir o cumprimento das leis.

Professor da Universidade Es­tadual de Goiás (UEG) e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), Sílvio Souza também participou da audiência pública. Ele trouxe dados da atuação do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG e da Rede de Cooperação em Ciência e Tecnologia para a Conservação e o Uso Sustentável do Cerrado (Com-Cerrado), que tem, entre outras finalidades, o mapeamento da biodiversidade do Cerrado, a partir de estudos dos fatores ambientais e socioeconômicos que determinam o atual estado de conservação deste bioma.

O Tocantins foi escolhido como sede da discussão sobre o Cerrado, bioma presente em 11 Estados brasileiros e o segundo maior da América do Sul. No entanto, hoje, depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma que mais sofreu alterações com a ocupação humana, principalmente com a expansão das fronteiras agrícolas. Além do Cerrado, o CNMP já realizou audiências públicas sobre os biomas Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica.

A devastação do Cerrado continua alta no País. O bioma já perdeu quase metade de sua vegetação original, aproximadamente 100 milhões de hectares, e as perspectivas não são boas. Se o Cerrado desaparecer, 8 das 12 bacias hidrográficas do Brasil serão afetadas. Cerca de 15% da biodiversidade do planeta também pode desaparecer, estima Silvio Souza.

Para mitigar os danos causados pela devastação do Cerrado, a Embrapa aponta a utilização de práticas de produção sustentável, o que, de acordo com a empresa, significam alternativas de preservação mais eficientes. Com a integração floresta, lavoura e pecuária é possível até aumentar a produção sem desmatar.

O Cerrado é reconhecido pelo Ministério do Meio Ambiente como a savana mais rica do mundo em biodiversidade. No Cerrado existem mais de 10 mil espécies de plantas, 837 espécies de aves, 161 de mamíferos, 150 de anfíbios e 120 de répteis. O Cerrado geográfico possui 204 milhões de hectares, mas 57% dessa área já foi completamente destruída. E metade do bioma remanescente está totalmente descaracterizado pela intervenção humana, segundo estudos da ONG ambientalista Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil). A taxa anual de desmatamento é de 1,5% (3 milhões de ha/ano). A continuar assim, o Cerrado desaparece em 2030.

Já foram catalogadas no Cerrado mais de 330 espécies de uso na medicina popular. A arnica (Lychnophora ericoides), o barbatimão (Stryphnodendron adstringens), a sucupira (Bowdichia sp.), o mentrasto (Ageratum conyzoide) e o velame (Macrosiphonia velame) são alguns exemplos.

Além de ser a savana mais rica do mundo, com muitas espécies que só existem aqui, como o papagaio-galego (Amazona Xanthops) e a raposa-do-campo (Dusicyon vetulus), o Cerrado é o berço das águas do Brasil. Aqui nascem águas que servem a 88,6 milhões de brasileiros. O bioma funciona como uma grande caixa d’água, que abastece 1.500 cidades espalhadas por 11 Estados brasileiros, aponta a CI-Brasil.

No Cerrado, ainda segundo a instituição, existem 19.864 nascentes – 23,6% de todas as nascentes brasileiras. O bioma contribui com 71% da produção hídrica da bacia Tocantins-Araguaia; com 94% da produção hídrica da bacia do São Francisco; com 71% da produção hídrica da bacia Paraná-Paraguai; e com 4% da produção hídrica da bacia Amazônica.

As águas do Cerrado são responsáveis pela geração de energia elétrica usada por nove de cada dez brasileiros. Na Usina de Tucuruí, 70% da água que move as turbinas provêm do Cerrado; em Itaipu, esse índice é de 50%.

O desmatamento do Cerrado tem provocado a degradação de rios importantíssimos como São Francisco, Araguaia e Tocantins. Há um processo de assoreamento do leito dos mananciais, redução do volume de águas e da quantidade de peixes, além da redução das espécies terrestres, animais e plantas.