Carlos Oliveira: “Wanderlei surge no espaço deixado pela elite política do TO”

02 outubro 2022 às 00h00

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O cientista político Carlos Oliveira avalia que a reeleição de Wanderlei Barbosa (Republicanos) ainda no primeiro turno, se confirmada, como as pesquisas apontam, terá um valor simbólico bem maior do que a vitória em si. Pode ser o capital político que permitirá a formação de um novo ciclo de poder no Estado. O cientista observa que a ascensão de Wanderlei se dá em um momento de crise da elite local, dividida em embates menores e que permitiu o surgimento de novos grupos que estão assumindo a hegemonia política, suplantando as forças tradicionais que comandaram o Estado até aqui.
Oliveira acredita que o governador sairá das urnas como um novo fenômeno eleitoral, resultado, segundo ele, de três fatores: habilidade política para articular um grupo forte em torno de seu projeto de reeleição; trajetória política, com 30 anos de vida pública, tendo começado de baixo, como vereador em Porto Nacional até alcançar o cargo de vice-governador; e o acaso de ter assumido o comando do governo a tempo de mostrar algum resultado. “Governo já sai na frente, a máquina ajuda”, sintetiza.
O estudioso avalia que uma eleição consagradora do governador será muito ruim para os adversários que o subestimaram. “Acredito que realmente ele deva superar os 60% dos votos válidos, um fenômeno que se explica também pela carência de líderes no Estado. Uma carência de pulso de liderança. As outras lideranças não tiveram capacidade de manter o capital simbólica conquistado. Nessa crise de liderança surge o Wanderlei, o ‘curraleiro’, filho da terra, que faz parte desse contexto e que está pronto para comandar o seu povo”, assinala o pesquisador
Carlos Oliveira é mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), tendo desenvolvido estudo acadêmico sobre a formação da elite política do Tocantins, no qual investiga a trajetória dos políticos que formam a elite do novo Estado procurando entender quais capitais simbólicos são mais determinantes nesta trajetória. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, ele analisa o cenário político atual e os impactos de uma possível vitória do governador Wanderlei Barbosa na reorganização do poder no Estado, tendo como fio condutor o sentimento de tocantinidade.
As outras lideranças não tiveram capacidade de manter o capital simbólico conquistado
O governador Wanderlei Barbosa deve ser eleito no primeiro turno, ao que tudo indica, pelos números das pesquisas, e com uma votação história. O que explica esse fenômeno para alguém que disputa o cargo pela primeira vez?
O governador Wanderlei, embora esteja disputando um cargo para o executivo pela primeira vez, tem uma tradição política. Ele cresceu e cultivou o habitus político, então isso o capacitou para um dia estar disputando um mandato desta envergadura. Wanderlei sempre teve o sonho de ser prefeito de Palmas, sua trajetória política explica o fenômeno: foi vereador, foi presidente da Câmara, foi deputado estadual, foi vice-governador. Ele queria ser candidato a prefeito de Palmas, a conjuntura não permitiu, o que foi bom para ele, hoje é governador. A conjuntura conduziu para que ele assumisse o governo na renúncia de [Mauro] Carlesse e hoje é candidato à reeleição. Então, o fenômeno Wanderlei se explica pela sua trajetória. Nessa sua trajetória, não criou muitos inimigos. E era o “amigo Wanderlei”, sempre. Essa sua trajetória de cultivar amizade, no campo político, explica o fenômeno eleitoral. Por quê? Primeiro, é o governador. Governo já sai na frente, a máquina ajuda. Wanderlei, além da máquina, tem a pessoa, o político Wanderlei, que ao longo da sua trajetória cultivou amigos e desenvolveu habilidades políticas.
Nós tínhamos uma configuração política no Estado e de repente isso se desfez. Até então tínhamos Carlesse governador e seu principal adversário, Ronaldo Dimas [candidato ao governo pelo PL]. Isso se desfez quando Carlesse renunciou ao cargo e fez Wanderlei governador. Wanderlei chega ao comando do Executivo sem ser eleito diretamente para o cargo. Acredito que realmente ele deva superar os 60% dos votos válidos, um fenômeno que se explica também pela carência de líderes no Estado. Uma carência de pulso de liderança. As outras lideranças não tiveram capacidade de manter o capital simbólico conquistado. Nessa crise de liderança surge o Wanderlei, o “curraleiro”, filho da terra que faz parte desse contexto e que está pronto para comandar o seu povo. A sua trajetória mostra que ele está pronto. Temos três fatores nesta ascensão: habilidade, trajetória e a máquina.

Ser governador é um espaço de forte disputa entre a elite do Estado. Então é natural ter a polarização
O marketing político diz que não há eleição sem polarização. Onde está a polarização desta eleição? Wanderlei foi muito competente ou os adversários foram incompetentes?
A polarização é necessária na eleição em qualquer contexto. São dois grupos brigando pelo poder. Conforme se vá subindo no campo político, os espaços passam a ser menores. Ser governador é um espaço de forte disputa entre a elite do Estado. Então, é natural ter a polarização. Agora, quem a faz? Boa parte da polarização é produzida pela imprensa. A imprensa fomenta a intriga e produz os polos. A imprensa fez esse trabalho no Tocantins. Carlesse versus Ronaldo Dimas, essa era a polarização. Dimas ocupou esse espaço. A polarização é boa para os dois candidatos, que ficam em evidência. Quando um dos atores da polarização sai de cena, a polarização deixa de existir. Por isso, não temos uma polarização nestas eleições. Não teve tempo hábil para consolidar um nome para polarizar com o governador Wanderlei Barbosa. Foi ruim para Dimas, que perdeu seu rival, e bom para Wanderlei, que, com habilidade, se impôs na disputa sem polarizar com adversários e está aí “surfando de boa”. Uma vitória consagradora de Wanderlei é ruim para todos os adversários, mas principalmente para Dimas. Em um outro cenário, Dimas poderia perder a eleição, mas seria por uma diferença pequena. Ele perderia, mas sairia fortalecido. Agora, pode sair menor do que entrou. Como não existia polarização, ele foi só perdendo sustância, derretendo. E veja só, ele tem gestão para mostrar; Wanderlei não tem, ainda. Só tem dez meses de gestão, mas mesmo assim está disparado à frente, porque o Dimas foi surpreendido pelo acaso do destino.
O acaso levou Wanderlei ao comando do Palácio Araguaia. Isso fez com que os adversários o subestimassem quanto a possibilidade de ele vir a ser um candidato imbatível, como se tornou?
Logo que Wanderlei assumiu o governo, eu ouvi algumas pessoas falando que o governador agia como vereador. Era uma crítica que demonstra isso que você coloca: subestimar alguém que está ascendendo ao poder, com a ideia de que é um líder fraco, que age como vereador. Ali estava uma plataforma política que permitiu o início da ascensão do novo mandatário. Um erro da oposição. Quando você não acredita que seu adversário é forte suficiente para o embate, termina não observando seus pontos fracos. Acha que ele é fraco por completo, não merece um acompanhamento cuidadoso. Então, aconteceu isso. Pensar que um candidato não vai muito além por pensar como vereador foi um equívoco. Na verdade, pensar como um vereador é ter proximidade com o povo, é ter identificação com a maioria do eleitorado do Estado. Vereador é aquele líder que está no dia a dia com o povo e Wanderlei aprendeu muito bem isso. Ele vai jogar bola com os boleiros, vai nas cavalgadas se misturar com o povo. Onde ele chega é bem recebido, não impõe restrição para o povo se aproximar. Pensa como vereador. A trajetória dele o preparou para esse momento: ele sabe como é importante essa identificação, esse apelo popular, como o povo gosta e se identifica. O que achavam que era a fraqueza do Wanderlei, é na verdade, de onde vem a sua força. Porque é algo natural, que carrega durante toda a sua vida política. O povo quer um líder que resolva seus problemas, mas quer também um líder que seja acessível. O eleitor vota por identificação.
Wanderlei fez uma campanha que caiu no gosto do povo
Subestimaram-no, e muito, e quando viram que ele era forte não tinham mais o que fazer. Em seu programa de encerramento, Wanderlei disse que fez uma campanha sem falar mal de ninguém, e foi isso. Além do que já apontamos como vantagem, também fez uma campanha que caiu no gosto do povo. A conjuntura o permitiu fazer uma campanha sem ataques. De fato, ele não é responsável pela crise no Estado, as pessoas sabem disso. Então os adversários erraram feio, e continuam batendo nesta tecla, ainda não perceberam o erro da campanha. Dimas tinha tanto para mostrar e não mostrou o que fez. A eleição poderia ir para o segundo turno, mas o que se desenha hoje é uma eleição que vai se definir no primeiro, justamente pelos adversários. Eu nem vou falar “adversários”, porque acho que o grande adversário do Wanderlei é somente o Dimas. Os outros candidatos em nenhum momento ofereceram algum perigo para Wanderlei. São candidatos que tiram um pouquinho de voto, candidatos que querem exposição. Irajá deseja exatamente isso, exposição para não ser esquecido para a próxima eleição; Paulo Mourão está cumprindo uma determinação do partido, que precisa de um candidato aqui; e dos outros candidatos não vou nem falar, porque não chegam a 1%. Mas, dos três que vão chegar aí na casa dos 10%, o Dimas era o grande adversário. Dimas, desde 2018, quer sair candidato a governador, não foi candidato porque o acaso lhe tirou a oportunidade. Veja como o ex-prefeito está refém do acaso: em 2018 iria renunciar para ser candidato, aí vem o acaso e joga o governo no colo do Carlesse. Em 2022, tem chances de ser governador, o acaso vem e tira o governo de Carlesse e coloca Wanderlei no lugar. Era o grande nome desde 2018, mas foi atropelado pelo acaso.
Wanderlei chega ao poder suplantando três grupos políticos de prática coronelista – siqueirismo, mirandismo e clã Abreu. É o início de um novo ciclo político em que o governador se impõe como a grande novidade?
Você cita três grupos muito bem consolidados. Lembrando que, embora Brito Miranda fosse deputado no norte de Goiás e Marcelo tenha iniciado na política junto com o pai, na verdade sua ascensão ao governo acontece com o Siqueira [Campos]. Embora tenha um pai político, quem alavanca a carreira do Marcelo é o Siqueira. Esses três grupos saem do siqueirismo. Como esses grupos vem de uma mesma raiz eles brigam entre si. Quando há briga entre grupos da mesma linhagem, permite-se o surgimento de outros grupos novos. É nesse espaço deixado pela elite política do Tocantins, em crise, que surge Wanderlei. Houve um pouco de sorte, mas a pessoa precisa ter competência para merecer a sorte. O sujeito tem a sorte de ser convocado para a seleção brasileira, mas, se não jogar bem, não adianta.
A partir de agora surge outra situação. E Wanderlei tem grupo, pois o pai dele [Fenelon Barbosa] foi prefeito, o irmão dele [Marilon Barbosa] é vereador [em Palmas] e o filho [Leo Barbosa] é deputado estadual e ele, governador. Não é um líder que está sozinho, tem uma extensão da família, isso é que forma um grupo. Quando não se tem essa extensão da família, o grupo se esfacela. Foi o que aconteceu com o siqueirismo, que só tinha um da família na política. Wanderlei soube ocupar muito bem o espaço deixado por essa elite política. Essa briga causou a instabilidade no Estado, e o eleitor sabe isso, portanto, não chega a atingir Wanderlei. Ele sai dessa eleição consolidado. Aí vamos ver como vão agir os grupos – siqueirismo, mirandismo e clã Abreu –, porque ninguém quer perder espaço, isso é certo. Quando Marcelo Miranda sai candidato a deputado é porque não quer sair do cenário político. Ele quer manter espaço, está enxergando lá na frente. Ele ainda pode ser candidato a governador. Minha tese é de que ele está testando o sistema eleitoral. Ser candidato é testar o sistema. Vou ver se estou elegível ou não. Marcelo Miranda é o único político do Estado que não perdeu uma eleição.

Dorinha não é do grupo do Wanderlei, ela está no palanque do Wanderlei
Do ponto de vista da correlação de forças, o que é possível prever sobre como vão ser as disputas de 2024 e 2026, com Wanderlei instalado no Palácio Araguaia?
A eleição de 2026 passa pela de 2024. Essa correlação vai depender de vários fatores. Primeiro, se a [Professora] Dorinha se elege – e acho que ela se elege. A Dorinha está com Wanderlei, mas não é de seu grupo. Tanto é que ela foi cortejada por Dimas até tomar uma decisão. Então, ela não é do grupo de Wanderlei, ela está no palanque do Wanderlei. Dorinha, eleita senadora, pode querer ser candidata a governadora em 2026. Ela deverá formar o grupo dela e, para isso, terá de eleger prefeito em 2024. Precisamos avaliar como vai ser a relação entre Dorinha e Wanderlei pós-eleição. Se for uma relação harmoniosa, esse grupo pode ficar mais de dez anos no poder, precisa haver essa sintonia no grupo. Se o grupo palaciano se dividir, vai permitir a reabilitação de outros grupos que estão fora do poder, mas estão vivos. No Tocantins não tem o clã consolidado, o estadista, o grande líder. Se você vai ao Pará, os Barbalho tomam conta; se você vai a Alagoas, têm os Calheiros; no Tocantins, não tem ninguém. Aqui existe espaço. Se existe espaço, todos vão lutar para ocupa-lo. Acho que é o que Dorinha vai fazer. Ela tem a doçura e a firmeza, nas posições dela, no agir político. Então, 2026 vai depender dessa sintonia entre quem ganhar. Às vezes, a gente já viu aqui, a lua de mel acaba antes de começar o mandato.