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Ganha corpo no Congresso a PEC que autoriza a “transferência direta” de recursos federais de emendas parlamentares a Estados, Distrito Federal e municípios

Gleisi, Bolsonaro e Aécio | Foto: Senado

Ganha corpo no Congresso, tanto na Casa Alta quanto na Casa Baixa, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que autoriza a “transferência direta” de recursos federais de emendas parlamentares a Estados, Distrito Federal e Municípios sem vinculação a uma finalidade específica e sem quaisquer contraprestações de contas ou fiscalização por parte do TCU.

A PEC, que iniciou no Senado, de autoria da ex-senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), foi resgatada pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM/AP), e enviada aos deputados para apreciação. Na Câmara Federal, o projeto foi capitaneado por ninguém menos que os ex-senadores e agora deputados federais – a própria Hoffmann e Aécio Neves (PSDB/MG) – que preferiram, em 2018, descer à Casa Baixa do que ficar sem mandatos eletivos.  Esses “cabeças” articularam o célere andamento da PEC na Câmara.

O plenário aprovou a PEC por 391 votos a 6, no 2º turno de votação, o substitutivo da Comissão Especial, apresentado pelo deputado mineiro. Ao aprovar a PEC, a Câmara ignorou o parecer técnico da Casa que avaliou que a medida poderia fragilizar o orçamento e desviar recursos das prioridades definidas pelo governo federal, aprovadas no Congresso Nacional. “Sem a especificação de despesas, afasta-se dos contribuintes e do público em geral o conhecimento da atividade e da política financeira aprovada pelo governo federal”, afirmou o parecer.

Em razão de mudanças feitas pelos deputados, a matéria retornou ao Senado para nova votação. Não há muitas dúvidas que também será aprovado por lá, uma vez as articulações e lobbys estão a todo vapor. Uma PEC, portanto, ao estilo “pastelão tragicômico” que, pasmem (!), corre sério risco de ser aprovada, em breve, por ambas Casas de Leis, com o maciço apoio da corporativista bancada tocantinense.

Cumpre enfatizar que, atualmente a Constituição federal determina que as emendas individuais dos parlamentares sejam obrigatoriamente executadas, embora sujeitas a alguns bloqueios contingenciais por falta de receitas no mesmo percentual aplicado a outras despesas. Contudo, metade do valor das emendas deve ser destinado a programações da área de saúde.

Com a nova regra, o parlamentar poderá escolher se o dinheiro será transferido com vinculação a um objeto específico e transferência com finalidade definida, ou para uso livre – transferência especial – sob certas condições. Pelo menos 70% dessas transferências especiais deverão ser aplicados em despesas de capital, exceto para pagamentos de encargos da dívida do governo beneficiado. Advinhem qual modelo os nobres parlamentares escolherão?

Se aprovada pelo Senado e promulgada ainda em 2019, a nova regra entra em vigor no próximo ano, alcançando os recursos do Orçamento federal de 2020. Além disso, o texto prevê que 60% dos recursos desse tipo de transferência deverão ocorrer no primeiro semestre de 2020, ano de eleições municipais.

Com a nova modalidade – que representa uma espécie de doação aos outros entes federados – o substitutivo torna claro que o dinheiro não poderá ser usado para despesas com pessoal (ativos, inativos ou pensionistas) e para pagar encargos sociais e nem tampouco para pagar juros da dívida.

Com a “transferência especial”, o dinheiro será repassado diretamente, sem necessidade de convênio ou qualquer outro instrumento e pertencerá ao ente federado, após concluído o repasse. Uma vez incorporado à receita do beneficiado, deverá ser aplicado em programações finalísticas das áreas de competência do Poder Executivo, respeitado o mínimo de 70% para despesas de capital.

O presidente do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro demonstrou preocupação – como não poderia deixar de ser – e disse que a PEC, que retira do Tribunal a fiscalização do uso de verbas da União, é um estímulo à fraude. “Fico preocupado com essa mudança. Imagine se a pessoa tiver a certeza que não vai ser fiscalizada? É um estímulo para quem quer fazer a coisa errada”.

Uma dicotomia, todavia, merece ser enfatizada: o projeto tira o poder de manobra do Palácio do Planalto e dos ministérios na destinação dos recursos, mas, ao mesmo tempo, agiliza verbas aos municípios – uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. O interessante é que se aprovada, o chefe da república pavimenta sua relação com prefeitos e parlamentares que exercem lideranças regionais e municipalistas.

Um retrocesso, sem quaisquer sombras de dúvidas, em tempos de transparência, eficiência e moralidade, principalmente porque a referida PEC conta com o “apoio velado” da presidência da república. Nada poderia ser pior. O presidente, que foi eleito sob o manto do combate à corrupção, que convidou até o ícone dessa luta para ser ministro – Sergio Moro – manifestou, mesmo que disfarçadamente, apoio a uma das mais sórdidas tentativas de burlar a lei, a fiscalização e o controle das verbas públicas. Decepcionante é pouco. É praticamente um estelionato eleitoral, assim como houvera feito o condenado Lula da Silva e sua sucessora, Dilma Rousseff. Ambos petistas rasgaram o discurso eleitoral. Bolsonaro vai no mesmo caminho.