Em um momento em que a inteligência artificial redefine setores inteiros, uma startup goiana tem chamado atenção de gigantes globais. A Forlex, criadora das plataformas LIVIA e HIVE, foi finalista do Generative AI Accelerator Gaia House, programa mundial da AWS, e se prepara para uma expansão internacional agressiva.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, nesta quinta-feira, 4, o cofundador e co-CEO Daniel Bichuetti detalha como a empresa saiu de Goiás para o radar de players americanos e europeus, explica a arquitetura técnica que diferencia o HIVE de qualquer solução jurídica existente e revela o propósito maior da startup: devolver humanidade ao sistema de justiça.

A participação no GAIA, segundo ele, foi um divisor de águas. “Para nós foi extremamente significativo ter sido uma das três startups brasileiras selecionadas para esse programa mundial. Participar do próprio programa em si tem sido muito bom. As mentorias são maravilhosas, o networking é superinteressante e o contato interno com o time técnico da AWS permite que a gente evolua ainda mais os nossos sistemas”, afirma.

Tela de exemplo da interface da plataforma LIVIA, no site oficial da Forlex | Foto: Reprodução/Forlex

O impacto foi tão grande que alterou até o planejamento estratégico da empresa. “A gente tinha uma visão de que deixaria para o final do ano que vem um processo de internacionalização. Mas, ao conversar com startups do GAIA, percebemos que, mesmo com menos funding, tínhamos um produto muito mais encorpado e uma tecnologia muito melhor. Players do mercado americano demonstraram grande interesse em rodar provas de conceito. Isso acelerou nosso interesse de ir para Europa e Estados Unidos rapidamente”, aponta.

Segundo ele, o GAIA funcionou como um catalisador. “Ele tem sido um acelerador de negócios. Tivemos dois eventos importantes no ano: a parceria com a OAB Nacional e a participação no GAIA. Os dois nos potencializaram de maneira gigante”, explica.

Nascimento do HIVE

A presença da Forlex no AWS re:Invent 2025, em Las Vegas, ampliou ainda mais a visibilidade internacional da startup. A empresa destinou parte dos US$ 1 milhão em créditos de infraestrutura recebidos da AWS, como finalista do GAIA, para desenvolver o HIVE, sua plataforma de IA voltada a instituições públicas.

“Estar no re:Invent é uma oportunidade de colocar uma IA jurídica desenvolvida 100% no Brasil na mesma mesa das principais soluções globais de inteligência artificial”, afirma Bichuetti.

O HIVE foi construído com uma arquitetura baseada em paralelização massiva, distribuindo tarefas entre múltiplos agentes, um conceito inspirado no comportamento coletivo de uma colmeia.

A operação estável comporta 150 agentes, mas testes já alcançaram 800 agentes em paralelo, ampliando a capacidade de execução entre 30 e 160 vezes, segundo o release oficial da empresa.

A coordenação é feita por meio de um grafo de execução, criado e destruído em tempo real. “Apagamos o grafo para garantir privacidade e segurança. Nada fica armazenado. Isso mantém a criatividade da plataforma e garante alinhamento com LGPD, GDPR, HIPAA e CCPA”, explica.

O nome HIVE não é por acaso. “Assim como as abelhas deixam feromônios para indicar o melhor caminho até o néctar, cada agente emite um sinal que mostra o quão próximo está do resultado ideal. Esses sinais orientam os demais e fazem o sistema convergir naturalmente para as soluções mais assertivas”, aponta.

Visibilidade internacional

A AWS tem desempenhado papel central na expansão global da Forlex. “A AWS tem nos ajudado e colocado à disposição para nos apresentar e organizar esse caminho inicial de prova de conceito para qualquer cliente na América Latina ou no mundo. Isso permite que a gente olhe para o mundo e fale: ‘poxa, a gente consegue’”, afirma

A chancela da AWS reduz barreiras que seriam enormes para uma startup brasileira. “Como que uma startup goiana falaria com um alto executivo de uma enterprise americana? A AWS encurta esse processo de maneira gigante”, aponta.

Representatividade brasileira e goiana

Bichuetti destaca que o impacto não é apenas nacional, mas regional. “Para o Brasil isso é importante, mas eu gostaria de destacar que isso tem uma importância muito relevante para Goiás. O estado tem se destacado muito com inteligência artificial. Isso mostra que no Brasil a gente tem tecnologia de ponta, capaz de competir com as americanas”, destaca.

Ele argumenta que startups brasileiras nascem com um “superpoder”. “Aqui o acesso ao capital é menor. Isso faz com que a gente esteja constantemente buscando formas inovadoras de fazer algo. A gente nasce tentando ser custo-eficiente”, afirma.

Onde o HIVE atua melhor

A tecnologia atende tanto demandas judiciais quanto administrativas. “Ele pode ser utilizado em análise de documentos em massa, provas, relatórios para sentenças e decisões. No setor público, pode acelerar licitações, análises de processos e o trabalho de procuradorias”, explica.

O ganho de velocidade é expressivo. “Um processo que demoraria 2 a 3 dias para análise de um magistrado, nós fazemos em 8 minutos. Em relação a outras plataformas, temos ganho de 10 a 15 vezes. Em relação ao uso humano, mais de 50 vezes”, comenta.

LIVIA x HIVE

A Forlex opera com duas frentes tecnológicas:

– LIVIA: voltada ao uso cotidiano da advocacia

– HIVE: projetado para grandes volumes e alta complexidade

“A LIVIA é como um Sedan de luxo. O HIVE é o nosso carro de corrida, o Fórmula 1”, afirma.

Privacidade e soberania

Bichuetti também fala sobre privacidade e soberania. “Como somos donos dos nossos modelos, não precisamos mandar dados para OpenAI, Anthropic ou Google. Imagine um tribunal sabendo que seus dados estão indo para uma empresa americana. Há riscos legais e de soberania”, afirma.

A Forlex permite deploy completo dentro da infraestrutura do cliente. “Nem nós temos acesso. Isso garante privacidade e soberania do Estado”, aponta.

Nova capitalização

A empresa recebeu um novo aporte de R$ 2 milhões, além dos R$ 3,6 milhões captados anteriormente. “Ela nos dá fôlego para o go-to-market com as OABs e para o início do relacionamento com o mercado internacional. Vamos melhorar marketing e comercial”, afirma.

A parceria com a AWS também acelera a internacionalização. “Já estamos treinando uma nova geração de modelos focados na jurisprudência de países como Reino Unido, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália e Holanda”, destaca.

Concorrência global e vantagem técnica

A Forlex já mapeou players internacionais. “Soluções idênticas à nossa não existem. Mas temos startups como a Alega na Europa e a Harv nos EUA. Já ganhamos clientes que abandonaram a Harv para usar a Forlex porque nossos modelos alucinam muito menos”, destaca.

Ele cita números. “A OpenAI alucina cerca de 1/3 das vezes. Nós entregamos entre 2% e 8%. É menos do que um advogado sênior, que erra mais de 7%”, explica.

O propósito maior

A fala mais forte de Bichuetti: “A justiça nasceu como ciência humana. Mas o mundo passou a litigar demais, e isso sobrecarrega o judiciário. O magistrado perde tempo de ouvir as partes. O advogado perde tempo de entender seu cliente”, afirma.

A missão da Forlex: “Queremos processar a parte repetitiva e burocrática para liberar o tempo humano. Queremos humanizar a justiça de novo”, explica Daniel Bichuetti.

O papel do governo de Goiás

Bichuetti faz questão de ressaltar. “O governo de Goiás desenvolveu um trabalho profundo nos últimos anos. Goiás sempre teve muito desenvolvedor bom, mas faltava um ecossistema. Com o SEIA da UFG, o Hub Goiás e os congressos, isso mudou”, aponta.

Ele destaca o efeito multiplicador. “É um ciclo. O governo investe, aumenta visibilidade, cria oportunidades. Startups como a nossa surgem e trazem visibilidade de volta para Goiás”, afirma.

A missão internacional à China também foi decisiva: “Iniciamos conversas com universidades chinesas e escritórios em Hong Kong. O governo possibilitou que o mundo olhasse para nós de maneira diferente”, comenta.

E conclui: “A gente tem muito orgulho de ser goiano. Eu queria ter aberto a bandeira de Goiás na palestra da AWS, mas não foi possível por regras do evento”, finaliza.

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