A pesquisa ‘Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024’, feita pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), revela que a população negra (entre pretos e pardos) é a mais vulnerável à questões ligadas ao consumo abusivo de álcool. Os dados mostram que foram 10,4 mortes a cada 100 mil pessoas negras no país, enquanto esse número para pessoas brancas é de 7,9 a cada 100 mil. A população negra brasileira morre em média 30% a mais por conta do álcool do que a branca.

“Os dados mostram que os impactos do uso nocivo de álcool são desiguais para brancos, pretos e pardos, sendo que os pardos morrem mais em decorrência de problemas com álcool do que os brancos”, destacou o levantamento.

É importante destacar que o país vive uma mudança representativa em seu perfil racial. A proporção de pessoas que se auto identificam como pretas vem crescendo de maneira significativa.  Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2022, a proporção de pretos passou para 11%, em comparação com os 7% de 2012. Ao mesmo tempo, a população que se declara como branca diminuiu de 46% para 43% no mesmo período. 

Em entrevista ao Jornal Opção, o médico intensivista e nutrólogo José Israel Sánchez Robles reforça que o caráter da pesquisa é estatístico e não genético, portanto não é correto afirmar, somente com base neste levantamento, que a população negra possui fatores genéticos que levam a essa maior vulnerabilidade. Apesar de haver algumas diferenças biológicas ligadas à raça, como o efeito de algumas medicações por exemplo, ainda não existem dados suficientes para determinar os diferentes efeitos do álcool.

“Tem um componente, ainda estrutural, que gera uma desigualdade no acesso à saúde”, destacou o profissional. O especialista reforça a importância da educação sobre o consumo do álcool, seus efeitos e possibilidades de tratamento para a população de uma forma geral. “Para que isso [discrepâncias no efeito do consumo excessivo de álcool entre brancos e negros] deixe de ser, deixe de existir, nós precisamos da educação”, resumiu.

Fator social 

A própria pesquisa Cisa destaca ainda que a causa para a discrepância nos dados está nas desigualdades sociais que a população preta e parda brasileira enfrenta. “A população negra no Brasil é afetada por uma série de desafios que resultam em disparidades significativas em relação à saúde e ao acesso a cuidados médicos de qualidade”, explicaram. 

No intuito de representar a maior vulnerabilidade social do grupo, os autores da pesquisa levantam uma série de questões de saúde que afetam mais frequentemente a população negra do país. 

A socióloga Gabrielle Andrade disse ao Jornal Opção que a diferença destacada pela pesquisa dos efeitos do consumo excessivo de álcool entre brancos e negros não “se dá não pelo consumo de álcool propriamente dito, mas sim pelas consequências”. A especialista reforça que os contextos e as conjunturas de vulnerabilidade social, oriundas de uma divisão racial do país, afetam mais severamente a população negra em todos os sentidos, inclusive no acesso à saúde.

“A população negra e a população branca, embora tenham o mesmo índice de consumo de álcool, não têm acesso igualmente aos bens e serviços em políticas públicas”, sintetiza. No intuito de corrigir desigualdades oriundas de opressões históricas, é preciso criação de medidas do Estado que considerem o peso da raça no Brasil em sua formulação. “Enquanto as políticas públicas não forem pensadas de forma racializadas, a gente não vai conseguir ter resultados diferentes”, lamenta.

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De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, homens negros têm 9% mais chances de desenvolver o diabetes tipo dois do que os brancos, e as mulheres negras cerca de 50% mais do que as brancas.

Na infância, o risco de adoecimento e morte é significativamente maior para crianças negras, que têm 60% mais chances de morrer antes dos 5 anos por causas infecciosas e parasitárias, como giardíase e tuberculose, em comparação com crianças brancas.

O Boletim Epidemiológico Especial: Saúde da População Negra, publicado em 2023 pelo Ministério da Saúde, revela que a população negra, de modo geral, é mais vulnerável a doenças infecciosas como malária e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

“O compromisso contínuo de todos os setores da sociedade para combater o racismo e promover a equidade em saúde é fundamental para garantir que todos os brasileiros, independentemente de sua cor de pele, tenham a oportunidade de viver uma vida saudável e digna”, resumem no documento.