Crianças amamentadas por mais tempo têm QI mais alto, explica especialista

13 janeiro 2024 às 18h18

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Apesar do papel da genética na inteligência, outros fatores, como o tempo de amamentação também influenciam nesse desenvolvimento, afirma Fabiano de Abreu Agrela, que é PhD em neurociências.
“O desenvolvimento intelectual das crianças é influenciado tanto pela herança genética quanto pelas experiências ambientais. Gosto de fazer uma analogia de uma corrida entre dois carrinhos com rodas, de mesmo peso e mesma reta, a serem empurrados. O carrinho empurrado com mais força chegará mais rapidamente em seu objetivo. A amamentação está associada ao capital humano, que está associado ao QI”, explicou.
A inteligência é influenciada por diversos fatores, desde genéticos a ambientais, que podem afetar, seja positivamente ou negativamente, essa habilidade desde muito cedo. Por isso, cada vez mais estudos têm se dedicado a entender melhor como funciona esse processo de desenvolvimento e as melhores escolhas para ajudá-lo a ocorrer da melhor forma possível.
De acordo com o médico Fabiano, o período de amamentação ajuda no desenvolvimento da inteligência da criança. “As crianças amamentadas atingem pontuações de QI mais altas do que aquelas não alimentadas com leite materno, presumivelmente por causa dos ácidos graxos exclusivamente disponíveis no leite materno, mas também pelos nutrientes essenciais obtidos no aleitamento”.
Benefícios do leite materno
A lista de benefícios da amamentação é extensa, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), incluindo menor propensão ao desenvolvimento de sobrepeso e diabetes em bebês amamentados. Além disso, pesquisas científicas continuam revelando novos benefícios desse superalimento regularmente.
Um estudo da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) em 28 de janeiro, destaca que uma molécula de açúcar presente no leite materno humano, chamada mio-inositol, pode ser essencial para a saúde do cérebro de recém-nascidos. Os cientistas descobriram que esse micronutriente está mais presente no leite durante os primeiros meses de lactação, justamente quando as conexões neurais estão se formando rapidamente no cérebro do bebê.
O leite materno tem elementos capazes de modular e estimular o desenvolvimento cognitivo de bebês, segundo explicou Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Essas substâncias não podem ser encontradas em fórmulas infantis. Os estudos mostram que nenéns amamentados têm QI (quociente de inteligência) mais elevado na vida adulta.
A especialista também destaca que, quando não é possível que a criança seja amamentada pela mãe, uma boa estratégia é recorrer aos bancos de leite. “O leite materno doado e pasteurizado pode ajudar a garantir alguns benefícios imunológicos”.
A importância da amamentação a curto prazo foi evidenciada por um extenso estudo publicado em julho na revista American Journal of Preventive Medicine. Analisando dados de quase 10 milhões de crianças, o estudo revelou que os recém-nascidos amamentados têm uma redução de 33% na probabilidade de morrer durante o período pós-perinatal, que vai do sétimo ao 364º dia de vida.
O estudo, liderado por Julie Ware, pesquisadora do Cincinnati Children’s Center for Breastfeeding Medicine, um centro dedicado à saúde materno-infantil nos Estados Unidos, examinou informações referentes ao primeiro ano de vida de crianças coletadas entre 2016 e 2018. Segundo Ware, uma das causas de morte minimizadas pelo aleitamento é a síndrome da morte súbita infantil (SMSI). “Foi constatada uma redução de até 40% com qualquer amamentação por pelo menos dois meses e uma diminuição de até 60% se o aleitamento continuar por quatro meses ou mais”, detalha.
Ware destaca que muitas infecções também podem ser reduzidas. “O leite humano está repleto de moléculas protetoras e oferece uma proteção significativa ao bebê. É crucial incorporar a promoção, proteção e apoio à amamentação em nossos esforços para reduzir a mortalidade infantil. Essa é a base para uma boa saúde ao longo da vida”, defende.
Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca que a amamentação é a principal forma de combate à desnutrição e à mortalidade infantil, sendo uma prioridade na saúde pública. “É uma estratégia que, por si só, pode diminuir a quantidade de mortes por causas evitáveis. O leite materno é rico em imunoglobulinas, anticorpos e várias proteínas, lipídeos e carboidratos adequados para a nutrição do recém-nascido”, enfatiza.
Qual é o período ideal de amamentação para o bebê?
O período de amamentação do bebê pode variar de caso a caso, mas em geral, os estudos baseiam-se em uma média de 12 meses de aleitamento materno, sendo que os 6 primeiros meses devem contar com o leite materno de forma exclusiva.
“A amamentação e a inteligência têm uma forte relação, mas essa informação não deve ser tida como uma regra. Temos variantes sentinelas em relatório genético de inteligência que estão relacionadas à amamentação e que podem aumentar, somadas, até 10 pontos de QI. Mas há muitas outras variantes relacionadas ao QI e não somente as relacionadas à amamentação”, conclui Fabiano.
Pesquisas da UNIFIMES e UNICEF sugerem que a amamentação exclusiva é uma maneira saudável e natural para as mulheres alimentarem seus recém-nascidos. Além de trazer benefícios para a relação mãe-bebê, é mais barato que comprar fórmula infantil. Mesmo assim, muitas mulheres optam por não amamentar.
Os motivos podem ser diversos, desde condições médicas que dificultam ou impedem a amamentação, dificuldades, desconforto ou dores, além das pressões sociais e culturais. Além disso, mães relatam desafios ao tentar conciliar a amamentação com o retorno ao trabalho. A falta de licença-maternidade adequada também influencia em todo o processo.
A pressão para implementar práticas de promoção da amamentação nos hospitais, como sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma tentativa de criar um ambiente favorável para incentivar as mães a iniciar e continuar a amamentação. No entanto, mesmo com esses esforços, é importante abordar as diversas razões pelas quais algumas mulheres podem não escolher ou conseguir amamentar.

Interesses dos fabricantes
Há também os interesses da indústria de fórmulas infantis. Em 1981, a Assembleia Mundial da Saúde, órgão decisório da OMS, adotou o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. Esse código proibia a comercialização de fórmulas infantis com o objetivo de evitar que as mulheres fossem desencorajadas a amamentar.
Entretanto, um relatório da OMS publicado em fevereiro deste ano revela que as empresas continuaram a promover agressivamente seus produtos online, utilizando métodos que não existiam quando o código foi adotado. Isso inclui o uso de algoritmos de publicidade adaptados para alcançar puérperas e aplicativos parentais. O relatório destaca que, apesar das taxas de amamentação terem estagnado em grande parte nas quatro décadas desde a implementação do código, as vendas de fórmulas dobraram.
Rafael Perez Escamilla, um dos autores do relatório da OMS, destaca que, mesmo em hospitais preocupados com o bem-estar dos recém-nascidos, as mulheres nem sempre recebem o apoio necessário para entender como amamentar quando voltam para casa.
Sem treinamento prático suficiente, os profissionais de saúde não têm as habilidades necessárias para ensinar as mulheres a amamentar os próprios bebês. Esse trabalho é muitas vezes passado para conselheiros de amamentação ou consultores de lactação. “Muitos deles são convidados para jantares, têm suas conferências pagas, livros, alguns deles podem até receber propina se prescreverem um mínimo de X produtos”, denuncia Escamilla.
A acessibilidade aos serviços de consultoria de lactação varia significativamente entre os países e seus sistemas de saúde. Em poucos lugares, os consultores de lactação são parte integrante dos serviços de saúde pública, disponíveis gratuitamente para as mães. Na maioria dos casos, esses serviços podem ser oferecidos como parte de planos de saúde privados ou podem ser acessados mediante pagamento direto pelos usuários.