Virologista explica que fim levou a zika, iluminando o que pode ocorrer com a pandemia de coronavírus se países colaborarem no controle da doença

Teste para novo coronavírus | Foto: Reprodução

No princípio do surto brasileiro do Covid-19, as atenções estão voltadas para o número crescente de infectados e a disseminação da doença pelo país. Relatórios constantemente atualizados com número crescente de casos causam a sensação de desastre iminente; personalidades públicas infectadas tornam a doença concreta, dando-lhe rostos e nomes; relatos de pacientes disponíveis na internet provocam sensação de proximidade. Entretanto, para compreender objetivamente aonde a atual pandemia deve levar, é importante olhar para trás e entender como enfrentamos outras epidemias, como o zika.

Fabiola Fiaccadori, professora e doutora em Microbiologia e Virologia pela Universidade Federal de Goiás, acompanha a distribuição de arbovírus na população e nos vetores. Os arbovírus são um grupo de vírus transmitido por artrópodes, como os mosquitos Aedes aegypti e haemagogus. São os causadores de doenças como febre amarela, zika, chikungunya, dengue e mayaro. “Nossa intenção é auxiliar o processo da vigilância em arbovirose, identificando por exemplo a introdução de novos arbovírus na população”, afirma Fabíola Fiaccadori.

Embora tenham essencialmente o mesmo objetivo – observar arbovírus na população –  os monitoramentos são divididos em duas pesquisas. Em um estudo, Fabíola divide a coordenação com Marília Dalva Turchi, doutora em doenças infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo e professora titular da UFG. As pesquisadoras acompanham gestantes e bebês infectados com o zika vírus, as pesquisadoras vão às sete unidades de saúde pública da capital que realizam exame pré-natal e apresentam o projeto às mães. A pesquisadora diz: “Como em muitos dos casos a infecção pode se apresentar de forma assintomática, realizamos uma coleta trimestral para proceder testes laboratoriais e assim, conseguir identificar a ocorrência de casos de contágio”.

Fabiola Fiaccadori explica que a importância de monitorar a entrada de novos vírus na população | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

A pesquisa, financiada pelo Ministério da Saúde, engloba visitas domiciliares e o acompanhamento das puérperas e bebês de até um ano. “Fazemos nas amostras de sangue o exame sorológico – a detecção de anticorpos específicos para o vírus zika – e, após avaliação em alguns casos realizamos ensaios moleculares, afirma Fabíola Fiaccadori. Participam da equipe de pesquisa alunos de pós-graduação nível mestrado e doutorado, médicos infectologistas, oftalmologistas, pediatras, e responsáveis pela avaliação auditiva e neurológica das crianças – áreas que podem ser afetadas pelo vírus no desenvolvimento infantil.

Fabíola Fiaccadori explica o que houve com a febre que no verão de 2015 e 2016 causou uma pandemia. A doença acionou o decreto de um estado de emergência com mais de 200 mil infectados em 2016. Em 2019, foram notificados “apenas” 10.715 casos prováveis da doença no Brasil. Diferentes fatores devem ser considerados neste contexto, mas destaca-se o efeito da “imunidade de rebanho”, pelo qual um número suficientemente alto de pessoas, após infeccao pelo vírus, desenvolve imunidade, e assim, de forma indireta, o alcance a novos hospedeiros vulneraveis pelo agente viral torna-se reduzido, assim beneficiando toda a comunidade.

Entretanto, com o passar do tempo, formam-se novas populações vulneráveis e um novo surto torna-se viável. Fabíola Fiaccadori afirma: “Estimar quanto tempo isso levará é difícil. Primeiro porque houve identificação e acompanhamento do zika por um tempo curto demais para conhecer suficiente todos os aspectos, sendo necessária a realização de estudos de monitoramento e vigilância que auxiliem na compreensão deste processo. Podemos conjecturar com base em outros vírus, como dengue, que a cada cinco anos seria suficiente para a formação de pessoas desprotegidas. Mas, para outros vírus, o número seria diferente. Este é um dos papéis de nosso projeto; a partir da investigação da circulação dos vírus na população.”

Diagnóstico laboratorial de casos suspeitos do novo coronavírus (2019-nCoV), realizado pelo Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como Centro de Referência Nacional em Vírus Respiratórios para o Ministério da Saúde

Em uma outra perspectiva, está sendo desenvolvida uma pesquisa que objetiva monitorar a ocorrência de arbovírus em geral, como os vírus da febre amarela febre amarela, mayaro, chikungunya, zika e os quatro sorotipos do vírus do dengue. Neste projeto, também participa da coordenação a professora da Faculdade de Farmácia da UFG, Dra. Valéria Feres e ainda, esta sendo realizado em parceria com o departamento de Vigilância em Saúde da SMS de Goiânia. Pesquisadores coletam amostras do sangue de pacientes com sintomas clássicos das arboviroses – como febre e exantema – nas unidades de emergência de saúde. Os cientistas também coletam em diferentes bairros vetores, como o Aedes aegypti. Dados relativos aos vetores não servem como indicadores da doença na população, mas são informações complementares de vigilância. 

As coletas são submetidas a análises moleculares pela técnica de RT-PCR em Tempo Real. A tecnologia é realizada a partir de amostras coletadas na fase inicial da doença, sendo indicada para até 5 dias de sintomas. A técnica permite detectar o material genético de determinado vírus mesmo que em pequena concentração viral na amostra clínica. Na reação são utilizados iniciadores denominados primers que permitem identificar sequências específicas do material genético do vírus investigado. 

Com os dados deste estudo, espera-se constituir um mapeamento integrado da identificação e caracterização viral dos arbovírus em mosquito vetores e humanos como contribuição direta para o entendimento da epidemiologia das infecções e o desencadeamento de ações de políticas públicas.

O método permitiu pesquisadoras observarem que a dengue tem apresentado números acima da média neste ano; que o zika ainda não tem dado razões para alarme; e que a febre Chikungunya, provocada pelo vírus CHIKV, não foi detectada em Goiás. Este fato é simultaneamente uma boa e uma preocupante notícia. Como o vírus é desconhecido para a população do Estado, os habitantes estão vulneráveis a uma eventual entrada do CHIKV, possibilitando um surto como o de zika em 2015. 

China consegue reduzir novos contágios e dá surto por superado | Foto: Kevin Frayer

O mesmo efeito deve ocorrer quando chegar a vez do novo coronavírus deixar de circular como um preocupante surto pandêmico para tornar-se mais uma gripe conhecida. Mesmo com pesquisadores de todo o mundo se dedicando para desenvolver vacinas, a imunização artificial pode ainda levar anos para chegar à população, mas a experiência chinesa mostra que é possível dirimir o surto com a cooperação entre pessoas e governo. 

Autoridades da China afirmaram acreditar que a pandemia global pode terminar até junho com mobilização internacional. Após 80 mil infectados, o país registrou apenas 15 novos casos nas 24 horas do dia 11 para 12 de março; e a província de Hubei registrou pela primeira vez menos de 10 novos casos diários. As medidas que se mostraram efetivas foram as conhecidas – higienização das mãos, isolamento e cuidados médicos dos contaminados.

Embora a epidemia só se torne controlável quando um mínimo de pessoas já contraiu a doença e adquiriu imunidade contra o vírus – a quantidade básica para atingir a imunidade de rebanho – e embora seja impossível impedir o vírus de circular, é possível impedir que muitas pessoas se infectem ao mesmo tempo. Este fator é essencial no caso do Covid-19, que faz com que 15% dos pacientes exijam oxigênio e outros 5% precisem de intubação em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). 

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem cerca de 23 mil leitos de UTI, sendo que apenas 16 mil estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde para adultos. Deste total, 95% estão ocupados. Por esta razão, é importante diminuir a taxa com que novos casos surgem, de forma a impedir a sobrecarga de recursos disponíveis para tratar a doença e permitir tratamento médico a todos, até que o sistema imunológico da população aprenda a lidar sozinho com o assunto.