Reitor da UFG afirma que espera do próximo ministro da Educação respeito pela autonomia universitária, às metas do PNE e ao papel da universidade pública

Ex-ministro da Educação, adepto dos memes, no momento em que anunciou o descontingenciamento da educação | Foto: Reprodução/YouTube

Abraham Weintraub assumiu o cargo de ministro da Educação em 9 de abril de 2019. Desde então, o principal representante da chamada “ala ideológica” do governo federal, protegido por Olavo de Carvalho, deixou claro seu propósito de alterar o Ministério da Educação (MEC) em um nível filosófico – “quem continuar com guerra dentro do MEC, está fora”, afirmou o ex-ministro na cerimônia de posse.  

No núcleo duro do bolsonarismo, as bandeiras defendidas por Weintraub ressoam bem. A luta contra ideias de marxismo cultural, o globalismo e de supostos ídolos da esquerda, como o educador Paulo Freire fizeram com que o ex-ministro deixasse o cargo sob aplausos. Entretanto, é difícil encontrar determinações de Weintraub que tenham se traduzido em políticas públicas concretas. 

O ministério teve dificuldade até mesmo de gastar o orçamento previsto. Apenas 52% do dinheiro que a pasta dispunha em 2019 foi empenhado e quantias “extras”, como o saldo de R$ 1 bilhão recuperado na Lava Jato, não receberam fim previsto em orçamento e ficaram em um limbo burocrático. 

Abraham Weintraub lança novo programa do MEC que não saiu do papel, o Future-se | Foto: Reprodução

Em janeiro de 2020, Weintraub afirmou ao respondeu jornalistas que o destino do dinheiro seria o “maior projeto do mundo ocidental de creches que já foi feito”. “Este ano a gente vai avançar no projeto de colocar crianças pobres em creche.” O então ministro disse que o dinheiro não havia sido usado porque “não estava pronto o projeto”. “A gente não quer gastar o dinheiro como era feito no passado.”

Porém, como explicitou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) em audiência pública no dia 11 de fevereiro, “depois da não execução e da falta de empenho, o recurso retorna para o Tesouro”. “Você vai ter que novamente que negociar espaço orçamentário. Era recurso que já estava reservado e disponível para a  educação”, reportou à Agência Senado.

Por fim, o “programa-piloto do voucher creche, principalmente para o Nordeste e o Norte”, que Weintraub defendia não foi realizado. 60% dos gastos realizados pelo MEC até o abril referem-se a compromissos assumidos no ano passado, mas que não foram executados.

Fora o pagamento de salários, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC responsável por transferências de dinheiro a escolas e redes de ensino, usou 90% de seu orçamento com empenhos de 2019 não executados naquele ano.

Os dados revelam a dificuldade de criar programas de políticas públicas e de compreender necessidades da educação brasileira. É o que afirma Edward Madureira Brasil, reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG). O engenheiro agrônomo e professor universitário que administra a UFG diz que Weintraub representou melhor o discurso de desvalorização das Ciências Sociais e Humanidades, mas todo o MEC foi ineficiente em propor soluções pelo último ano e meio.

“Até agora foram um ano e seis meses sem absolutamente nenhuma proposta efetiva para a educação superior. Nada de concreto aconteceu e todas as propostas foram unilaterais. Nosso pouco diálogo tem acontecido à nível da Secretaria de Ensino Superior (Sesu) com o pessoal técnico, mas a nível de planejamento não houve avanços.” 

Reitor da UFG, Edward Madureira diz que, até agora, o MEC não apresentou proposta efetiva para o ensino superior | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Edward Madureira explica a educação tem metas muito concretas a cumprir, que seguem as diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014. São etapas que precisam ser cumpridas até 2024. O reitor explica que a realização do PNE não é polêmica nem controversa, já que foi aprovada por unanimidade no Congresso na forma da Lei n° 13.005/2014. O consenso então definido apregoa a universalização do ensino, ampliação do número de vagas, educação profissional, valorização do professor e outras propostas improváveis de serem atingidas sem esforço total do MEC. 

“O PNE foi indiretamente revogado pela Emenda Constitucional 95/2016, que é desastrosa para a Educação”, diz Edward sobre a emenda que ficou conhecida como “teto de gastos”, que congelou investimentos na área por 20 anos. “Enquanto não excepcionalizarmos a Educação nessa emenda, lutaremos para permanecer no mesmo lugar.”

Embora os investimentos tenham sido congelados, as demandas da educação têm aumentado. Como tem acompanhado o Jornal Opção desde o início da pandemia do novo coronavírus, a universidade tem colaborado e sido cobrada para combater a Covid-19. “Conseguimos fazer muito mais do que isso pela estrutura laboratorial e pelos recursos humanos de que dispomos. É incompreensível o discurso de desqualificação feito pelo ex-ministro”, descreve o reitor.

“Future-se não resolverá problemas da academia e criará muitos outros”, diz Edward Madureira | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

O grande projeto apresentado por Weintraub, em julho de 2019, foi o “Future-se”. Muito questionado por entidades da educação e associações de professores do ensino superior por propor soluções que não correspondem ao papel das universidade, o “Future-se” propôs caminhos para problemas que não existem e alternativas que “absolutamente afrontam a autonomia universitária”.

“Seria um programa inócuo na nossa avaliação. Teve uma segunda versão no MEC com os mesmos equívocos da primeira edição. Apareceu uma terceira versão, já como Projeto de Lei encaminhado ao Congresso. E lá está até agora.” O reitor da UFG afirma o “Future-se” não resolverá problemas da academia e criará muitos outros. “O debate vai acontecer no Congresso quando o projeto for colocado em pauta, mas a comunidade universitária oferecerá muita dificuldade para aceitar este projeto”, diz Edward.

Mesmo que o discurso predominante no MEC tenha sido de desvalorização do ensino superior, o reitor da UFG afirma que este foi um artifício meramente retórico que não se refletiu em ações práticas. De maio a setembro de 2019, o ensino superior enfrentou a ameaça de corte de até 30% em seu orçamento, mas o contingenciamento se provou temporário.

“Nossa situação orçamentária continua extremamente grave. Carregamos déficit de três meses de nossas despesas, mais ou menos R$ 20 milhões, com tendência a crescer. Estamos buscando formas de superar o vermelho com redução de custo e geração de energia, mas o orçamento é insuficiente até para áreas em que não podemos fazer cortes, como a assistência estudantil.”

Edward afirma que, “neste momento em que teremos de adotar o ensino remoto”, a UFG precisará investir em pacote de dados e equipamentos. Perguntado sobre o que a comunidade acadêmica espera do próximo ministro da Educação, Edward responde que o ensino superior apenas deseja que o próximo titular do MEC abra o diálogo e que tenha respeito pela autonomia universitária, às metas do PNE e ao papel da universidade pública.