Turismo agoniza em Goiás com avanço da Covid-19; Crise abala economia de Pirenópolis e Caldas Novas
02 agosto 2020 às 00h01
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13,2% das empresas do Turismo encerraram suas atividades o faturamento caiu em mais de três quartos para 30,8% dos empreendimentos. Reforma tributária penalizará ainda mais o setor
A crise econômica precipitada pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) atingiu as diversas áreas do comércio diferentemente. O isolamento social, a proibição de viagens internacionais e domésticas e o fechamento de espaços públicos atingiu duramente os negócios associados ao turismo – restaurantes, hotéis, indústria do lazer. Com apenas oito vôos chegando à Goiânia por dia (sendo sete do estado de São Paulo), empresários do ramo afirmam que o turismo de lazer está virtualmente morto e só deve se recuperar em 2022.
O Observatório do Turismo do Estado de Goiás, departamento da Goiás Turismo, vem acompanhando os dados no ramo desde o início da pandemia. Pelos boletins publicados, é possível obter um retrato da crise no ramo. O boletim “Sondagem Empresarial dos Impactos da COVID-19 no Setor de Turismo no Estado de Goiás” é feito com base em questionários aplicados desde o dia 8 de abril de 2020 e está em sua segunda edição.
Foram 91 empresas atuantes no setor do turismo em Goiás que responderam ao último questionário; sendo os dois principais setores os de Alojamento (45,1%) e de Alimentação (14,3%). Para 46,2% dos empresários respondentes, 2020 é um ano perdido. Quase metade acredita que somente em 2021 haverá recuperação do seu negócio; outros 15% acreditam que a recuperação se dará somente em 2022.
Ano perdido
Neste ano, quase um terço dos respondentes prevê queda de mais de 75% do orçamento. Devido à pandemia, 13,2% das empresas de turismo de Goiás encerraram definitivamente suas atividades. Cerca de 30% dos empreendimentos que participaram do estudo são microempresas (ME – com receita bruta anual de até R$ 360 mil). Os dados são particularmente preocupantes neste segmento, pois, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a situação financeira da maioria das micro empresas (73,4%) já não estava boa antes mesmo da crise da Covid-19.
Grande parte (61,5%) das empresas necessitam de crédito neste momento e 28,6% dos empreendedores afirmam que conseguem sobreviver só até um mês com o capital de giro existente. Cerca de um quarto destes empresários apostam na redução de preços e 30,8% já reduziram os preços em até 75%. Entretanto, os dados revelam que as medidas não são suficientes, pois 47,3% dos empresários já foram obrigados a demitir ao menos um funcionário, sendo que a média de demissões é de três colaboradores.
Por se tratar de um ramo que recebe clientes em áreas de acesso coletivo, um dado alarmante é o de que apenas 40,7% dos empresários possuem um conhecimento médio sobre as medidas públicas implementadas até o momento. Segundo empresários do ramo da hotelaria, este fator ajuda a explicar o que leva clientes a evitarem se hospedar, mesmo que não haja decretos proibitivos: o medo de se infectar.
Caldas Novas: retomada com baixa procura
A Prefeitura de Caldas Novas permitiu a reabertura dos hotéis, pousadas e pensões no início de julho, mas com índices de ocupação muito abaixo do que é normalmente registrado. A baixa presença já era esperada neste momento de reabertura.
Pelo tempo que a cidade manteve as portas fechadas, é natural que a chegada de turistas seja tímida nos primeiros dias. A gestão municipal espera que o movimento aumente apenas a partir de agosto.
Segundo a Secretaria Municipal de Turismo de Caldas Novas, julho deve ter atraído de 10 mil a 15 mil turistas. Em período de férias em anos anteriores a cidade chegou a receber 700 mil visitantes. O cálculo é de que neste ano tenham o prejuízo com o fechamento do turismo tenha chegado a R$ 315 milhões.
Mesmo com o decreto que permite a reabertura, grandes empreendimentos optaram por não retomar as atividades. É o caso do Grupo diRoma, por exemplo, decidiu retomar as atividades nos hotéis somente na segunda quinzena de agosto.
Pirenópolis: reabertura prevista para dia 14
Pirenópolis famosa pelas cachoeiras e seu centro histórico que costumam atrair milhares de turistas durante todo o ano, em especial no mês de julho, vive um momento completamente diferente. A ausência de turistas aprofunda a crise econômica na cidade e gera desemprego.
A Prefeitura de Pirenópolis decretou medidas severas para conter o avanço da Covid-19. O turismo que é o principal setor econômico da cidade, mas ainda não reabriu. A previsão é de que no dia 14 de agosto os hotéis possam reabrir com 50% da capacidade da hospedagem.
De acordo com empresários da cidade, a maioria dos hotéis e pousadas demitiram funcionários, mas aguardam autorização para reabrir e tentar retomar a atividade. Mas já há empreendimentos conhecidos decidiram fechar de vez. Exemplo é a Pousada Gold que já teria decretado o fechamento definitivo.
“Em Pirenópolis tá muito difícil com o fechamento do turismo, restaurantes e pousadas. Está grande o desemprego, mais temos que acreditar que podemos recuperar a nossa economia e empregos para o restante do ano”, relata o empresário proprietário da Jade Pousada, Célio Porfírio júnior.
A brasiliense Lúcia Costa se mudou para Pirenópolis há 18 anos. Neste período ela associa o trabalho de jornalista e fotografa com a administração do Hostel Rua Direita. Ela relata impactos severos ao turismo na cidade. “Está bem difícil. Todos sentiram bastante esse fechamento. Muitas pessoas foram demitidas e isso é ruim”, aponta.
Lúcia demonstra um otimismo com o anúncio que da cidade poderá receber turistas ainda este mês “Fizemos o treinamento para capacitação e para o retorno. Acredito que faremos um retorno seguro e consciente. Queremos o bem da cidade e todos sabem”, diz.
Vítimas da crise
Francis Carvalho já gerenciou um hotel fazenda a 40 quilômetros de Aruanã. O administrador de empresas afirma ter sido surpreendido pela pandemia logo após ter realizado uma grande reforma em seu estabelecimento, que lhe deixou sem caixa para atravessar períodos prolongados de quarentena.
“Nós víamos na televisão as notícias de que o coronavírus se espalhava pelo mundo, mas pensávamos que, quando chegasse aqui, ficaríamos impossibilitados por menos tempo, ou que apenas os idosos e grupos de risco deixassem de procurar o turismo de lazer”, diz Francis Carvalho. “Tínhamos poucos funcionários. Suspendemos contratos, mas isso só ajudou por um período.”
Após o fim da primeira quarentena decretada pelo Governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), o hotel fazenda reabriu as portas por curto período, mas foi procurado por poucos hóspedes. “Naquele período, as pessoas estavam com medo de se contaminar. Hoje o medo arrefeceu, mas as pessoas não têm dinheiro para investir em diversão. Imagino que meus colegas que continuam em atuação estão tendo dificuldades enormes para continuar trabalhando.”
Negócios que salvam
Luciano Carneiro, dono do Hotel Rio Vermelho, afirma: “O turismo nunca atravessou uma crise tão grave. É diferente de todas as precedentes. No Brasil, cerca de 80% dos hotéis estão fechados e muitos encerrarão as atividades permanentemente. Hotéis históricos estão falindo, como o Hotel Everest, de quatro estrelas e fundado em 1975, que ficava na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro; um lugar fabuloso”.
Em Goiás, a crise não é menos grave, diz Luciano Carneiro. Mesmo com portas abertas, a taxa média de ocupação gira em torno de 10%; proporção na qual o funcionamento do empreendimento não se paga, segundo Luciano Carneiro. “Mesmo reduzindo o preço das diárias, as pessoas não têm dinheiro e estão com medo de sair. O turismo de lazer é o primeiro item cortado pelas famílias. Esta não é uma realidade apenas no Brasil; em todo o mundo o ramo está debilitado”.
Goiânia é uma cidade que vive do turismo de negócios, explica Luciano Carneiro. Embora este setor não tenha sido afetado como o turismo de lazer, a diminuição nas atividades que estão interligadas causa danos à toda a economia. “O que salva a economia da hotelaria em Goiânia é o agronegócio, que não parou. Este ramo está sustentando toda uma cadeia de empreendimentos na cidade.”
Portal do Araguaia
A “Cidade Portal do Araguaia”, Aruanã, recebe anualmente meio milhão de turistas. Neste ano, entretanto, os visitantes foram proibidos de entrar na cidade por barreiras policiais (o que não impediu algumas aglomerações de se formarem nas praias do rio). Segundo o prefeito da cidade, Hermano de Carvalho, Aruanã não tem condições hospitalares de arriscar um contágio desenfreado do vírus, o que fez com que o número de turistas na alta temporada de 2020 fosse “praticamente zero”.
O prefeito afirma: “Temos recebido ajuda do Estado e da União. Não fosse a possibilidade de suspender contratos temporariamente, o número de desempregados entre trabalhadores do ramo hoteleiro, que já explodiu, seria ainda maior. Eu me preocupo com os negócios do turismo porque tudo que se pode fazer já está sendo feito. A pandemia os atinge em cheio e eles devem estar entre os últimos a se recuperar; eles terão de aguardar a vacina.”
Saídas possíveis
Entretanto, projetos que auxiliarão o ramo hoteleiro tramitam no Congresso Nacional. Magda Moffato é deputada federal pelo PL e empresária no ramo do turismo de lazer em Caldas Novas. “Muito precisa ser feito pelo segmento turístico”, diz a parlamentar. Ela explica, por exemplo, que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) cobra direitos autorais de conteúdo veiculado dentro de apartamentos de hotéis, hospitais e navios como se estes fossem exibidores públicos.
“Que fique claro que ninguém é contra a cobrança do Ecad – todos nós entendemos a necessidade do pagamento de direitos autorais, pois artistas têm apenas esse meio para se sustentar. No entanto, os apartamentos de hotéis fazem um uso privativo destes conteúdos, e não coletivo. Não é justo ser cobrado esta taxa dentro de apartamentos”, diz Magda Moffato.
A emenda deveria ter sido incluída em plenário na pauta de votação da Medida Provisória número 948, mas, segundo Magda Moffato, foi adiada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, para ser votada em projeto específico sobre o assunto posteriormente. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Minas Gerais (ABIH-MG) a hotelaria contribui com mais de R$ 23 milhões ao Ecad em 2019. “A contribuição dos hotéis para entidade é pequena, mas faria muita diferença nos cofres das hospedagens, principalmente neste momento de queda do turismo nacional”, publicou a entidade.
Outras medidas podem contribuir para oferecer saídas da crise ao ramo do turismo. “A liberação dos cassinos; a dispensa de visto para que cidadãos de países desenvolvidos venham ao Brasil com facilidade; uma postura de política externa mais simpática. Todas estas são medidas que custam pouco ou nada ao governo, mas significariam uma retomada do turismo”. A parlamentar afirma ainda que municípios que são destino turísticos têm a responsabilidade de investir em infraestrutura para receber seus hóspedes.
Perspectiva ruim
Magda Moffato elenca ainda qual deve ser sua principal ocupação nos próximos meses: “Vou ter muito trabalho com o projeto da reforma tributária. Com a nova proposta de Paulo Guedes, como a hotelaria não tem compensação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (icms), o total de impostos recolhidos que era de 3.75% subirá para 12% sobre o faturamento. Pagar impostos sobre o lucro é uma coisa, sobre a receita é outra”. A deputada afirma que, se este item da reforma tributária prosperar, o turismo do país será exterminado, na prática.