Medida Provisória que autoriza a compra de vacinas por estados e municípios supera as formalidades e garante a facilidade aos entes federativos

O Brasil enfrenta a incansável busca pela vacina contra a Covid-19. Estados e municípios tentam diálogo com universidades, empresas farmacêuticas e institutos científicos espalhados pelo mundo dedicados a desenvolver o imunizante eficaz contra a Covid-19. Enquanto isso, a transmissão da doença acelera diante das novas variantes, em especial a inglesa e da Amazônia, conhecida com P1. O país ainda enfrenta a  escassez de leitos e, principalmente, a limitação dos profissionais da saúde. Maioria exaustos com o excessivo trabalho.

Especialistas apontam que a única saída para o controle da pandemia é a vacinação da população. Pouco se adianta fechar os serviços não essenciais sem ao menos que se tenha a testagem em massa. O Brasil é referência mundial em campanhas de vacinação, através do Plano Nacional de Imunização (PNI). Durante as últimas décadas, foram mais de 300 milhões de doses anuais distribuídas em vacinas, soros e imunoglobulinas, fatos que contribuíram, por exemplo, com a erradicação da varíola e da poliomielite, além da redução dos casos e mortes derivadas do sarampo, da rubéola, do tétano, da difteria e da coqueluche.

“Se tem uma coisa que a gente sabe fazer talvez melhor do que qualquer outro país do mundo é vacinar.  Nosso programa de imunização ensinou isso por mais de quarenta anos seguidos. É um dos programas mais bem sucedidos do mundo, gratuito e universal. Você tem uma lógica de campanha que é feita que ninguém consegue fazer. Nós conseguimos vacinar milhões de pessoas em pouquíssimo tempo”, defende o  médico epidemiologista e professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG,  Dr. João Bosco Siqueira Júnior.

O PNI define os calendários de vacinação considerando a situação epidemiológica, o risco, a vulnerabilidade e as especificidades sociais, com orientações específicas para crianças, adolescentes, adultos, gestantes, idosos e povos indígenas. Todas as doenças prevenidas pelas vacinas que constam no calendário de vacinação, se não forem alvo de ações prioritárias, podem voltar a se tornar recorrentes.

A superintendente de Vigilância em Saúde, Flúvia Amorim, explica que o Ministério da Saúde adquire as vacinas e distribui aos estados de acordo com os grupos prioritários, no caso da Covid, o número de pessoas naquela população que está recebendo a vacina naquele momento. A fonte para definir a quantidade de vacinas que serão enviados considerando essa população é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O Governo Federal utilizam os dados do IBGE e calculam pela faixa etária estabelecida para aquele momento o número de doses que será encaminhada para cada estado.”

De acordo com os dados divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), o estado de Goiás já recebeu 514.480 doses, sendo 395.480 da CoronaVac e 119.000 da AstraZeneca. Destas, foram distribuídas 461.240 doses, sendo 342.240 da CoronaVac e 119.000 da AstraZeneca. Deste montante, já foram aplicadas, referente à primeira dose, 242.473 doses das vacinas contra a Covid-19 em todo o Estado. Em relação à segunda dose, foram vacinadas 55.183 pessoas. O que corresponde apenas a 3% da população.

Conforme pactuado na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), as Secretarias Municipais de Saúde devem registrar, de forma obrigatória, as informações sobre as vacinas administradas no módulo Covid-19 do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI Covid-19).

De acordo com a Fluvia Amorim, a prioridade do estado é vacinar o grupo prioritário. “Temos o objetivo de fechar o grupo de idosos até sessenta anos no final de abril e, em seguida, os portadores de doenças crônicas. A única coisa que está travando é a falta da vacina. Nós temos pessoas capacitadas, com muita experiência, o Brasil sempre foi modelo em campanhas vacinas desde a poliomielite. O que falta hoje é apenas vacina, se a gente tivesse a mesma quantidade que tem os Estados Unidos e a Europa,  por exemplo, estaríamos muito a frente porque temos muito mais experiência para isso”.

Para o médico epidemiologista e professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG,  Dr. João Bosco Siqueira Júnior, o mundo enfrenta a dificuldade de adquirir o imunizante. “Não há vacina. Eu não antevejo ao longo de 2021 uma melhora grande, se acontecer vai ser pro final do ano, e a medida em que a gente for tendo mais vacinas e vacinando mais pessoas. Agora, mesmo as vacinas como é que o vírus irá se comportar diante dessas novas variantes que já surgiram e vão ainda surgir”, questiona.

João Bosco Siqueira Júnior pondera que a grande vantagem é as vacinas que foram desenvolvidas e que sendo utilizadas, a maioria permite ajustar para com as novas variantes em circulação. Para ele, o futuro da vacina contra a Covid seja algo parecido com a Influenza, embora o vírus da H1N1 sofre mais mutação em uma velocidade muito maior.

O  médico epidemiologista lamenta o questionamento da população em relação a ciência e a eficácia da vacina. “O Brasil nunca teve problema em vacinar. Todo mundo sempre apoiou. E, agora, estimulados principalmente pelo presidente [da República] começaram a questionar a vacina. Isso é um retrocesso. Na hora que você mais precisa, na maior crise em saúde pública, isso muda sem ter nenhuma base científica, apenas só por ignorância”.

Compra de vacinas

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 02, terça-feira, o Projeto de Lei 644/21 que  autoriza os estados, o Distrito Federal e os municípios a proceder diretamente à negociação, aquisição e distribuição de vacinas em seus territórios, no caso de descumprimento do cronograma do Ministério da Saúde previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19.

No mesmo sentido, em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os entes poderiam tomar medidas que achassem necessárias para combater o novo coronavírus, como isolamento social, fechamento do comércio e outras restrições. Com a decisão, os governadores e prefeitos também puderam definir os serviços essenciais que podem funcionar durante o período da pandemia. Antes, somente um decreto do presidente Jair Bolsonaro poderia fazer a definição. 

Pelo texto em análise na Câmara dos Deputados, nesses casos, a União não terá o direito de requisitar as vacinas adquiridas. No entanto, a medida não isenta o Ministério da Saúde da obrigação de proceder às ações de sua competência concorrente para a execução do plano de vacinação.

O advogado e especialista em Direito Constitucional, Penal e Penal Econômico, Acacio Miranda, esclarece que a MP das vacinas tem como objetivo principal superar as formalidades que deveriam ser observadas em circunstâncias normais, no sentido, da aprovação de uma imunizante, que normalmente segue todo um processo que irá desaguar na aprovação pela Anvisa.

“A MP permite que as vacinas sejam adquiridas e que essa aprovação se dê de forma emergência, uma vez que a União tem se mostrado reticente em relação a aquisição de determinadas vacinas. E isso tem complicado todo o processo de vacinação, tornando mais morosos. A compra direta irá ainda facilitar, independente da aprovação da Anvisa”, relata Acácio Miranda.

Nessa perspectiva, o secretário Estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, afirmou que Goiás, apesar da autorização da Assembleia Legislativa do recurso de R$ 60 milhões, através da abertura de crédito extraordinário em favor do Fundo Estadual de Saúde (FES), ainda não há nenhuma efetivação para a aquisição de vacinas. Com a autorização , Goiás pode chegar a adquirir  1 milhão de doses através da compra direta feita pelo governo estadual.

“Das reuniões que nós fizemos e dos ofícios que nós recebemos até o momento do ponto de vista prático aquelas que estão em operação autorizada para envio para o Brasil, autorizadas pela Anvisa mesmo emergência, todos os estoques estão competidos com o Ministério da Saúde. Então, não há nenhuma efetivação ainda de nenhum tipo de aquisição”, afirmou Ismael Alexandrino.

Segundo o professor do IPTSP, até o momento, o Ministério da Saúde não se preparou para a compra e a distribuição das vacinas. “O Ministério sempre foi a voz de liderança e planejamento. Desta vez, diferentemente do que prevê o Plano Nacional de Imunização, enviaram as vacinas aos estado e deixaram que cada um realizassem a campanha da forma que achassem melhor. Isso não funciona e gera conflito de dados”

Segundo João Bosco Siqueira Júnior, o que ocorre é que cada estado está vacinando um grupo dito prioritário diferente, além dos recorrentes casos de “fura-filas”. “Faltou não apenas planejamento, mas faltou liderança. Entregar a bola e falar agora o problema é de vocês, a vacina eu já comprei, isso nunca foi o que o país fez. Isso nunca foi o plano de imunização do Brasil”.