Supervalorização do bitcoin atrai olhares de interesse e desconfiança às moedas virtuais
09 dezembro 2017 às 09h53
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Como uma criptomoeda que precisou de 10 mil unidades para cobrir os custos de duas pizzas na Flórida (EUA) em 2010 passou a valer cerca de US$ 15 mil
Quando o programador Laszlo Hanyecz, em 2010, gastou 10 mil bitcoins para comprar duas pizzas da rede Papa John’s, na Flórida (EUA), talvez nem imaginasse que em 2017 a moeda virtual passaria por uma onda histórica de alta em seu valor e chegaria a custar US$ 15.336 – o que corresponde a R$ 50.615,60 –, de acordo com a cotação recorde da tarde de quinta-feira, 7. Todo o mundo se pergunta, com olhares de grande interesse e mais um tanto de desconfiança, como uma criptomoeda descentralizada que não teria um lastro baseado em uma riqueza real ou regulação de um banco central conseguiu atingir um preço tão alto de comercialização na rede mundial de computadores?
Se o valor pago em 2010 nas duas pizzas pelo programador da Flórida tivesse a cotação que os bitcoins atingiram na última quinta, seria como se ele tivesse pagado pouco mais de R$ 506 milhões por 16 fatias hoje. O que já foi considerado um mercado em decadência pela Revista Wired em novembro de 2011, desde setembro tem se tornado a bola da vez no mercado de ativos mundial e tem atraído o interesse da imprensa e investidores em diversos países.
Não só o bitcoin atingiu recordes seguidos de valor histórico na alta verificada este ano, que supera 1.200% em 2017 e mais de 110.000% desde 2011, como já vale mais de US$ 221 bilhões de acordo com o Coinmarketcap.com. Para se ter ideia do tamanho da valorização da criptomoeda, a economia da Nova Zelândia não ultrapassa os US$ 185 bilhões, segundo dados do Banco Mundial. A Bloomberg já aponta que as fortunas de Bill Gates, criador da Microsoft, em torno dos US$ 90 bilhões, e do principal acionista do Berkshire Hathaway, Warren Edward Buffett, com US$ 83 bilhões, não são mais capazes de comprar o bitcoin.
Wall Street torce o nariz para as moedas virtuais e afirma com todas as letras que se trata de uma bolha fraudulenta prestes a explodir. O JPMorgan, ferrenho crítico do bitcoin e todas a outras mais de 1,3 mil criptomoedas, já perde em valor total para as moedas da internet somadas, que chegam a US$ 378,5 bilhões. O JPMorgan não é o único grande banco mundial a reclamar do alto risco desse novo mercado. O Goldman Sachs, avaliado em US$ 97 bilhões, também faz corpo ao grupo dos líderes das finanças no lado oposto ao avanço de bitcoin, ether, monero, iota, ripple e outras moedas virtuais.
Toda essa valorização de moedas longe da regulação de um banco ou uma instituição financeira, feita por meio de dados na rede de computadores, com transações criptografadas, deixou o ex-chefe do Banco Mundial e Prêmio Nobel de Economia de 2001, o americano Joseph Stiglitz, preocupado. Ele defende, em entrevista recente à BBC, que as moedas virtuais como o bitcoin sejam proibidas, pois só teria interesse nesse mercado “alternativo” aqueles que querem participar de “atividades ilícitas” como “lavagem de dinheiro e evasão fiscal”. “Há muitas moedas mais estáveis como o dólar e a libra, então você precisa se perguntar por que as pessoas estão comprando bitcoins.”
Como funciona
Anunciado em 2008, o bitcoin passou a ser a primeira criptomoeda descentralizada a existir no mundo no ano seguinte. A principal crítica feita pelos grandes bancos, também responsáveis pela regulação das moedas existentes como o dólar, é o sistema ponto a ponto (peer-to-peer), que permite transações entre computadores sem o intermédio de uma agência controladora ou reguladora desse sistema monetário virtual.
Visto por muitos mais como um ativo financeiro do que uma moeda conhecida, entre elas o real no Brasil, o bitcoin tem entre seus adeptos Daniel Drehmer, de 36 anos, que é publicitário, programador e empresário do ramo de tecnologia da informação. Daniel acompanha a discussão sobre as criptomoedas desde o começo, mas só fez a primeira compra de bitcoin em 2013. Ele explica que usa as exchanges, que são as corretoras – funcionam como casas de câmbio para venda de bitcoins –, mas que a compra ou troca por outras criptomoedas também é feita sem intermediação. “O legal das criptomoedas é que esses intermediários são opcionais.”
As transações, que têm seus dados transmitidos pelos blockchains, os blocos de dados que registram e transferem os bitcoins, ainda não são uma realidade muito comum no Brasil. Mas a quantidade de opções de uso das criptomoedas tem crescido no País. De acordo com analistas desse mercado, já é possível comprar carros ou apartamentos em algumas poucas cidades com bitcoins.
Mas acordar às 6 horas e tentar comprar pão e leite na padaria seria uma missão complicada. Os bancos de dados dos blockchains podem demorar muitos minutos ou horas para verificar uma transferência de criptomoeda e efetivar uma compra. Provavelmente esse café da manhã antes de ir ao trabalho demoraria muito tempo para ficar pronto se fosse adquirido com bitcoins.
“Não diria que é muito conveniente gastar as criptomoedas hoje em dia no Brasil. O congestionamento da rede do bitcoin, que faz poucas transações por segundo, torna o processo caro e pouco prático.” Para Daniel, essa demora tende a mudar rapidamente, pois o lightning, uma rede de verificações instantânea, tende a tornar as transações rápidas e com “taxas insignificantes”, o que deve atrair mais lugares a aceitar o bitcoin como forma de pagamento.
“Imagine o blockchain como uma lista que descreve quanto cada pessoa tem de bitcoins. Existem várias cópias dessa lista espalhadas pelo mundo. Quando uma pessoa passa um bitcoin para outra, o computador que cuida dessas listas avisa para os outros que o bitcoin daquela pessoa agora é de outra. E esses outros vão avisar para os demais.” A explicação didática de Daniel para como funciona o blockchain do bitcoin facilita o entendimento do leigo em criptomoedas de como é feita a verificação das assinaturas de transição com a propagação de mensagens nesse mercado virtual. “Antes não tinha como fazer isso porque um dos computadores poderia mentir. O programador do bitcoin pensou em uma forma de ser muito difícil de mentir”, descreve.
O empresário vê no bitcoin uma forma de poupança ou investimento. E não concorda que seja uma bolha. “Ao longo do histórico do bitcoin essa dúvida surgiu varias vezes. O valor começou em centavos e quando atingiu um dólar, todos pensaram isso. Quando atingiu 10, 100, mil dólares. E geralmente os alarmistas estavam certos, pois logo vinha uma grande queda.” Mas Daniel lembra que em uma escala de tempo maior é possível verificar que o valor do bitcoin nunca voltou a algo mais baixo do que o do início “dessas corridas especulativas” como vemos hoje.
O bitcoin ganhou força e começou sua onda de valorização em 2017 com o reconhecimento do governo japonês e a regulação do uso da criptomoeda naquele país. Recentemente, a Bolsa de Chicago, da CME Group, anunciou que entrará no mercado dos bitcoins no dia 18 de dezembro, o que ampliou o caráter especulativo do valor real da moeda. A Nasdaq também avalia começar a negociar com uso de moedas virtuais. A venda de discos e produtos de mais de 40 artistas, entre eles Motörhead e Mariah Carey, por meio da moeda virtual monero, criada em 2014, fez com que houvesse uma subida de 23% no valor da monero, que chegou a custar US$ 250 no dia 5 de dezembro.
Como o bitcoin tem uma limitação de 21 milhões de moedas – hoje existem cerca de 18 milhões de bitcoins –, a lógica de escassez embutida na criação dessa criptomoeda garante que a valorização dela possa continuar. “Se cada milionário do mundo quiser ter uma unidade de bitcoin não será possível pois o número de milionários é muito maior do que o número de bitcoins”, afirma Daniel. Hoje o bitcoin representa cerca de metade do mercado das moedas virtuais, mas outras como o ether já apontam para uma valorização interessante. “Não estou certo se o bitcoin irá se manter dominante por mais dez anos.”
Criptomoedas enfrentam resistência e desconhecimento
Dois golpes de pirâmide que envolvem a falta de conhecimento sobre as moedas virtuais já foram descobertos no Brasil. O primeiro deles foi a kriptacoins, depois veio adscoin. Nos dois casos, tratavam-se de empresas que ofereciam lucros diários de 1% a 1,4% a quem aderisse à carteira de investimentos de novas criptomoedas que nunca chegaram a existir. Em algum momento, as investigadas declararam aos clientes a existência de denúncias ou problemas na continuidade das atividades para dar o golpe nos investidores. Mas até o momento, como o Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO) informou ao Jornal Opção, não há qualquer operação ou denúncia de fraude que envolva pirâmide com uma moeda já criada e em uso no meio virtual.
Há um medo, como alarda o Nobel de Economia, que as moedas virtuais atraiam criminosos e quem pretende lavar dinheiro. É bom lembrar que o diretor do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), usava a compra de obras de arte para realizar o crime de lavagem de dinheiro. Assim como empresários e políticos condenados pela Justiça brasileira enviavam quantias assustadoras de dólares, reais e outras moedas para paraísos fiscais como forma de legalizar recursos ilícitos obtidos em esquemas fraudulentos.
“O FBI foi bem sucedido em identificar o autor anônimo do mercado negro da deepweb Dread Pirate Roberts. Ele foi preso e condenado. E a Skill Road desmantelada”, lembra Daniel. O empresário cita o caso do americano Ross William Ulbricht, de 33 anos, que usava a internet profunda para realizar a troca de mercadorias ilegais de forma anônima. Outro medo com relação às moedas virtuais é a segurança do sistema, principalmente com a possível invasão de hackers e o sequestro de carteiras de criptomoedas de exchanges e usuários. O roubo de mais de US$ 60 milhões em bitcoins do serviço de mineração NiceHash na semana passada mostrou que falhas no sistema de segurança de empresas são um ponto a ser aperfeiçoado no mercado das moedas virtuais.
As criptomoedas são vistas como alternativas descentralizadas ao regulado mercado monetário dos grandes bancos em muitos casos, além da visão de que se trata de um ativo, como se fosse uma ação. É um mercado tão atrativo que governos têm demonstrado interesse em lançar suas moedas. A combalida economia da Venezuela vê sua salvação na criação do petro, moeda virtual controlada com base na estatal de petróleo. Ninguém arrisca dizer até o momento se pode dar certo, já que se trata de uma lógica possivelmente contrária à descentralização vivida pelo bitcoin e outras moedas digitais.
Pense no desespero do britânico James Howells, que tinha minerado cerca de 7,5 mil bitcoins no ano de 2009 e guardado em um HD, quando viu que sem querer jogou a peça fora durante uma faxina! É como se alguém botasse fogo em mais de R$ 370 milhões por descuido. O desespero do inglês é tanto que ele oferece parte do valor a parceiros que toparem patrocinar ao lado dele a busca desse HD em aterros sanitários. “Futuramente, eu vejo esse HD facilmente valendo algo entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão”, disse em entrevista à Veja.
Mineração de criptomoeda
Em maio deste ano, o desenvolvedor de software Níckolas Goline, de 32 anos, fundou a Mineirama. Focado na moeda virtual ether, a empresa é especializada na fabricação, venda, configuração e hospedagem de máquinas de mineração. “Percebi que, além de existirem poucas informações sobre a montagem e configuração dessas máquinas, também era necessário amplo conhecimento técnico, fora a dificuldade de mantê-las em casa graças ao barulho e aquecimento que produzem. Então resolvi criar a Mineirama.”
Mineração de criptomoedas é, de uma forma básica, utilizar a capacidade de um computador para resolver contas complexas por meio de plataformas específicas e gerar novas quantias ou frações de determinada moeda virtual. Níckolas afirma que mesmo com toda exposição na mídia, as moedas virtuais são pouco conhecidas no Brasil. “A mineração, por ser um assunto muito técnico, é muito menos conhecida. Não existem empresas brasileiras e nem mesmo estrangeiras com representantes oficiais no País que comercializem máquinas ou serviços de mineração”, explica.
Pelos altos custos de operação no Brasil, que tornaram a atividade pouco rentável para os clientes, a empresa está de mudança para o Paraguai, depois de receber um investimento de empresários do país vizinho. “A Mineirama, mesmo estando no Paraguai, tem uma representante no Brasil e vai emitir nota fiscal de todos os serviços e produtos. Já estamos nos preparando para uma provável regulamentação e queremos que nossos clientes estejam seguros quanto a isso.”
Níckolas lembra que há três formas de comprar moedas digitais. A primeira delas é o porta a porta, na qual a pessoa adquire a moeda virtual de um conhecido na internet sem intermediários. O segundo modelo seria por meio de uma exchange, uma “facilitadora de transações”. Ela cadastra pessoas que querem vender e que desejam comprar criptomoedas, o que torna mais segura a movimentação por se tratar de uma empresa que já validou documentos e pode garantir que aquela moeda virtual que ela comercializa é lícita.
“A terceira forma, a mais pura delas, é fazer parte da rede como mineração. Você participa com poder computacional para validar transações e garantir a segurança da rede. Quando você consegue validar um bloco de transações, você ganha uma recompensa da rede, que é a criação de novas moedas.” Essas novas moedas são criadas a partir de uma política monetária.
No caso do bitcoin, surgem mais moedas a cada 10 minutos. Inicialmente, tinha-se a liberação de 50 moedas. Quatro anos depois caiu para 25. A cada quatro anos divide-se por dois a capacidade de criar novas moedas. “Hoje estamos em 12,5 moedas por bloco criado.”
De acordo com Níckolas, não é mais tão fácil tentar validar moedas apenas com um computador em casa. O que a Mineirama e outras empresas fazem é ligar uma série de máquinas em um pool de mineração, como se fosse uma cooperativa. Quando há a validação do bloco, a cooperativa recebe 12,5 bitcoins como recompensa. “Isso é dividido proporcionalmente ao poder computacional que você emprestou para a rede”, descreve.
Segundo o criador da Mineirama, a ideia é começar em 2018 a vender pedaços de computadores, chamado de mineração na nuvem. “Ao invés de comprar uma máquina inteira, que hoje está em torno de R$ 20 mil a R$ 25 mil, a pessoa compra um pedaço a partir de R$ 100 do poder de computação dessa máquina e recebe o proporcional na moeda digital que ela está ajudando a minerar.”
Para Níckolas, o fator limitador da quantidade máxima de bitcoins disponíveis no mercado torna essa moeda um investimento interessante. “Quem cria moeda, que é o minerador, vai vender essa moeda cada vez mais caro pela dificuldade de se criar novos bitcoins.” Há uma possibilidade de o bitcoin, que hoje está na casa dos US$ 15,3 mil, chegar a valer cerca de US$ 100 mil no início de 2018. “Investimento de alto risco a gente só investe o que a gente está disposto a perder. A dica para quem não entende muito é não apostar tudo na moeda porque o preço está subindo da noite para o dia, porque pode cair também.” A outra dica do criador da Mineirama é estudar o assunto, saber o que é bitcoin, por que e como ela foi criada, como funciona, antes de investir qualquer valor na moeda.
Futuro do bitcoin
O desenvolvedor de software diz apostar na alta do valor do bitcoin e de outras moedas com a entrada da Bolsa de Chicago e a Nasdaq nas negociações. “O fato de as bolsas negociarem papéis futuros baseados em bitcoin aumenta a confiança do mercado tradicional que busca investimentos na moeda. Quanto maior a confiança na moeda, maior a procura e consequentemente maior o preço.”
O produtor da Fósforo Cultural, João Lucas Ribeiro, de 33 anos, diz que se arrepende de não ter investido nos bitcoins quando o preço estava mais acessível. Em negociações constantes com empresários e agentes de artistas e bandas, já recebeu ofertas de contratos e cachês de atrações de shows e festivais que poderiam ter sido pagos também com a moeda virtual mais bem cotada entre as criptomoedas. “Já tive proposta para trazer bandas internacionais com uso de bitcoins. Mas não entendia muito bem como funcionava essas moedas.”
Para Níckolas, é possível imaginas as moedas virtuais cada vez mais presentes na rotina das pessoas. “A criação do bitcoin foi a maior inovação tecnológica da nossa era. Tenho certeza de que a descentralização criada por Satoshi Nakamoto mudou a maneira como vemos os governos e bancos centralizados e nos ensinou o poder de uma economia distribuída e sem fronteiras.”
Há quem acredite nas duas possibilidades. O que não se sabe até hoje é quem é a pessoa por trás do nome Satoshi Nakamoto, criador do bitcoin. Pode ser um programador ou um grupo de desenvolvedores que trabalharam juntos na criação dessa moeda virtual descentralizada. Nem há também como saber, pelo menos por enquanto, se as criptomoedas serão o futuro das relações econômicas ou se teremos a explosão de uma bolha que tornará investidores em falidos. Até lá, só nos resta acompanhar o desenvolvimento desse mercado e saber se teremos ativos milionários ou apenas pizzas superfaturadas virtualmente. l