Produção de milho já apresenta queda média de 35%. Preço e fornecimento de energia também gera temor entre produtores

Goiás está na lista dos estados que receberam o alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro (junto com Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná). As regiões compõem a bacia do Rio Paraná, considerado polo de produção agropecuária e de grandes hidrelétricas. Representantes do setor de agronegócios têm manifestado preocupação com a crise hídrica no Estado, que pode afetar tanto a produtividade no campo como aumentar o custo de energia para os produtores.

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que a média de energia armazenada nos hidrelétricas chegou, em abril, ao nível mais baixo desde 2015. Os níveis estão próximos aos de 2014, ano de racionamento de consumo de água, e 2001, ano do apagão. E 70% da matriz energética brasileira, segundo o órgão, tem origem hidrelétrica. O cenário ruim nos reservatórios coincide com a demanda crescendo por causa da retomada da economia. A indústria, grande consumidor, já se recuperou das perdas causadas pela pandemia.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revisou para baixo a estimativa da safra de grãos este ano no país. Ela informou hoje (10), em Brasília, que as condições climáticas adversas registradas durante o cultivo da segunda safra afetaram as projeções de produtividade nas lavouras, reduzindo a previsão em 9,57 milhões de toneladas. A queda atinge principalmente a cultura do milho. Com isso, a expectativa é que a produção atinja 262,13 milhões de toneladas no período de 2020/2021.

Segundo os dados apresentados pela Conab, o impactado pela baixa ocorrência de chuvas entre abril e maio faz com que a estimativa da produção de milho chegue a 96,4 milhões de toneladas, sendo 24,7 milhões de toneladas na primeira safra, 69,9 milhões na segunda e 1,7 milhão na terceira, uma redução de 6% sobre a produção de 2019/20. A queda esperada se deve, sobretudo, ao retardamento da colheita da soja e, em consequência, o plantio de uma grande parte da área do milho segunda safra fora da janela indicada.

Esses impactos já são sentidos pelos produtores goianos. Eduardo Alves, produtor de grãos na região da cidade de Silvânia, já calcula os prejuízos. Segundo ele, as perdas na colheita do milho, geradas pela falta de chuvas consistentes, ficarão em torno de 40%. Ele relata que 150 hectares de sua propriedade foram destinados para produção de milho. A previsão de colheita era de 100 sacas por hectare, mas diante da seca rígida a expectativa caiu para 60 sacas.

“Há uma preocupação grande. A situação já não está boa. Percebemos que a perda já é grande, mas ela pode ser ainda maior quando terminar a colheita. Mas a seca vai continuar e essa crise atrapalha toda a lavoura”, aponta Eduardo Alves. 

O produtor salienta que a crise hídrica cria um efeito cascata, pois resulta no aumento do preço da energia elétrica, que acaba por refletir no preço dos insumos. “Já estamos há uns meses notando o aumento crescente de produtos necessários para a lavoura, e a tendência é que esse aumento siga”, diz. 

O secretário de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) Tiago Freitas de Mendonça, confirma a preocupação do setor em relação a crise hídrica. “A última chuva que tivemos foi no início de abril, e depois foram só esporádicas e numa quantidade bem menor do que se esperava. Isso vai impactar diretamente a produção de milho da safrinha. Isso vai ter um impacto no abastecimento de milho no Estado e no País”, relata. 

Tiago Freitas aponta que já são feitas tratativas junto ao governo federal para que os impactos na produção sejam minimizados. “Estamos discutindo, e o governo já prepara, incentivos para a produção de milho. Como estamos com uma produção abaixo do esperado, existe uma  perspectiva de haver um incentivo para a safra de verão. A ideia é minimizar no ano que vem a falta do produto em nosso país”, aponta.

Mas não é só com a irrigação que os produtores se preocupam. Os efeitos da estiagem prolongada em Goiás podem resultar em fortes restrições para a captação de água, mas os reflexos chegam aos, os consumidores de maneira geral também são afetados com alta no custo dos alimentos. A crise hídrica também eleva os preços das commodities. Isso aumentou o valor das rações usadas pelos criadores de gado, baseadas em soja e milho. “O abate de animais e o setor de processamento de proteínas também já sentem os impactos. E estamos buscando formas de que isso seja minimizado para o setor como um todo”, diz Tiago Freitas. 

Impactos no fornecimento de energia

Evidências científicas mostram que fatores climáticos e desmatamento têm levado o nível de chuva a patamar bem abaixo do que se tinha em 2001. É claro que, de lá para cá, avançou-se com a implantação de termelétricas e com certa diversificação do sistema elétrico do país. Porém, a maior parte dos analistas apontam para um risco concreto de apagão e medidas que devem resultar no encarecimento do custo das contas de energia, com acionamento de termelétricas.

Na última semana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu aplicar uma bandeira tarifária vermelha no segundo patamar, a mais alta desse mecanismo. Isso significa uma cobrança adicional de R $ 6.243 para cada 100 quilowatts-hora consumidos.

O aumento no preço na conta de energia também tem impacto na produção de grãos. Eduardo Alves lembra que é preciso a irrigação, bombas e outros maquinários necessários nas propriedades rurais. “São aumentos que teremos nos custos de produção que reduzem os lucros e aumenta o preço do produto”, pontua.

Problemas com o fornecimento de energia são motivos recorrentes de reclamações por parte dos produtores rurais. Com a crise hídrica afetando o setor energético, essa é mais uma preocupação dos produtores. No entanto, o titular da Seapa diz que tem feito gestão junto a Enel para que não falte investimentos que reduzam as ocorrências de queda de energia na área rural. “A gente acredita que tanto a Enel, quanto o governo, estão imbuídos no sentido de levar energia e não deixar que falte para o produtor já instalado em nosso Estado, quanto para os novos investimentos. Mas há necessidade sim de melhorias a curto, médio e longo prazo. Estamos acompanhando isso de perto.”

Crise hídrica X retomada

A crise hídrica é um risco para uma retomada da economia goiana e brasileira no cenário de pandemia, pois ela coloca em risco a agropecuária, o único setor que não apresentou quedas durante a pandemia e que é a grande aposta para garantir a retomada. “No mês de maio o setor foi responsável por 80% das exportações do Estado. Isso mostra a força e a importância Somos o grande gerador de empregos, gerador de divisas e foi quem realmente segurou o PIB no Estado e no País. O Agro é a parte responsável pela balança positiva e por isso exige muita responsabilidade”, diz Tiago Freitas. “A gente sabe que as commodities no cenário mundial tem ido muito bem e essa crise hídrica pode nos afetar. Neste sentido temos muita preocupação”, completa. 

A preocupação também já foi externada por membros do Ministério da Economia, pois a retomada econômica pode  esbarrar em uma limitação da capacidade de fornecimento de energia. Alguns planejamentos feitos até aqui tem como objetivo garantir o suprimento de eletricidade e afastar qualquer risco de racionamento no segundo semestre. São estudadas medidas de restrição à navegação por hidrovias e o uso de água para irrigação, para preservar os reservatórios.