Servidores denunciam “propaganda enganosa” da SMS
25 março 2018 às 00h00

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Ao mesmo tempo em que equipe médica tentava conseguir marcapasso para idosa, produtora de vídeo filma no Ciams Novo Horizonte

Enquanto enfermeiras, médicos e técnicos de enfermagem se desdobravam para não deixar o coração de Terezinha Maria da Silva, de 60 anos, parar de bater na manhã de sábado, 17, uma produtora contratada pela Prefeitura de Goiânia encenava um atendimento que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não consegue oferecer aos goianienses, no saguão de atendimento ambulatorial do Centro Integral de Atenção Médico Sanitária (Ciams) Novo Horizonte, em Goiânia. O ambulatório, contudo, não funciona aos finais de semana.
O vai e vem de atores se maquiando ou recebendo instruções em um camarim improvisado, operadores de câmera, luz e áudio chamaram a atenção dos servidores de plantão. Revoltados, funcionários da unidade interpelaram a equipe de gravação.
“Isso é uma farsa, vai lá no fundo, lá é a realidade”, irritou-se a técnica de enfermagem que, no mesmo plantão, teve de comprar com o próprio dinheiro material de limpeza. “Pedi para a SMS me reembolsar, mesmo que seja pouco. Mandei até o comprovante de pagamento”, conta ao jornal Opção.

A comunicação da prefeitura não confirmou a gravação para fazer propaganda do “atendimento” na unidade de saúde municipal. “Gravar comercial de um sistema que não funciona é brincar com a cara da sociedade. É um absurdo”, reclama a vereadora Cristina Lopes (PSDB).
Terezinha chegou ao Ciams Novo Horizonte em uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). De acordo com a nora da idosa, Leucilene Borges, 42, não havia equipamentos funcionando na unidade.
“Com isso, os socorristas tiveram de emprestar o equipamento para os médicos e a ambulância ficou parada lá fora”, revela.
Levada para a sala de reanimação, a idosa ia sobrevivendo sob o olhar desesperado dos paramédicos e dos familiares que conseguiam espiar pela janela da sala. Enquanto isso, uma maratona envolvia a equipe médica durante quase 24 horas na regulação de Goiânia em busca de um leito numa Unidade de Terapia Intensivo (UTI).

Uma possível vaga teria surgido no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia já no início da madrugada de domingo, 18. “Mas lá não tinha vaga e a ambulância do Samu novamente teve de emprestar os equipamentos. E, pior, um médico ainda pediu para nós, da família, comprarmos um marcapasso”, denuncia Leucilene. Terezinha morreu cerca de uma hora depois.
A Santa Casa não quis informar quando a paciente chegou ao hospital, mas reconhece que ela foi “admitida na Unidade de Terapia Intensiva cardiológica do hospital em estado geral gravíssimo, dependendo de ventilação mecânica e marcapasso transvenoso” e que, “devido à gravidade do quadro clínico em que Terezinha se encontrava, não resistiu e foi a óbito”. A superintendência técnica do hospital ressalta ainda que “todos os cuidados inerentes à paciente foram realizados pela equipe que estava de plantão na UTI”.
Ainda muito abalados com a morte de Terezinha, mãe de cinco filhos, os familiares não quiseram dar mais detalhes sobre ela. “A gente sabe que todo atendimento chegou até minha sogra tardiamente”, desabafa.
Situação dramática
A gravação da “pílula” não foi confirmada pela comunicação da Prefeitura, mas foi o assunto debatido durante toda a semana passada nos corredores do Ciams Novo Horizonte e em grupos de funcionários. Não à toa. A titular da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fátima Mrué, não reconhece, mas médicos e servidores da rede municipal unanimemente afirmam: a situação calamitosa da saúde em Goiânia piorou nos 13 meses da gestão Iris.
Nos últimos meses, após o início do trabalho da Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga irregularidades da saúde municipal, Fátima Mrué precisa lidar com os vereadores integrantes da CEI que já a convocaram seis vezes para prestar esclarecimentos.
O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) pediu seu afastamento e até a Delegacia de Repressão a Crimes contra o Patrimônio Público (Dercap) investiga sua atuação frente à pasta.
A secretária não consegue explicar o motivo de o Sistema Único de Saúde (SUS) remunerar mal, com falta de reajuste há 12 anos, e por que os hospitais particulares não se interessam em atender pacientes oriundos da rede. Com isso, o goianiense não consegue ser atendido. “Não consigo trabalhar, perdi toda a autonomia”, reclama um médico.

O relator da CEI da Saúde, vereador Elias Vaz (PSB), reconhece que a intenção de Iris de colocar Fátima Mrué era inicialmente boa, mas falta a ela entender de gestão. “O prefeito a nomeou por não ter ligações com máfia, mas a secretária não tem qualquer articulação administrativa. Não tem capacidade. Não tem experiência. Tem 9 mil funcionários, equivalente ao funcionalismo de prefeituras e não consegue gerir”, avalia.
“A saúde de Goiânia virou um corredor da morte, a falta de comprometimento com a vida é visível. É estarrecedora a forma com que a secretária lida com as vidas”, lastima a vereadora tucana.
“Não é possível que essa situação continue, com mortes nas unidades de saúde”, finaliza.