Reforma trabalhista encara desafio de ser mola propulsora da geração de empregos

06 maio 2017 às 10h29

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Justificativa de Ronaldo Nogueira, Ministro do Trabalho, de que o Projeto de Lei 6.787 de 2016 possibilitará a criação de até 5 milhões de vagas é discutida por economistas e profissionais do Direito

Até 5 milhões de empregos. É esse o argumento repetido em diversas ocasiões pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, para defender a aprovação do Projeto de Lei número 6.787 de dezembro de 2016, de autoria do governo federal. O projeto, mais conhecido como reforma trabalhista, é defendido pelo governo federal baseado em três pontos: consolidar direitos que já existem, possibilitar maior segurança jurídica a acordos e convenções de trabalho entre empregados e empregadores e tornar possível a criação de novas vagas no mercado.
Essa argumentação tornou possível a aprovação em plenário da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados por 296 votos favoráveis e 177 contrários na noite de 26 de abril. No Senado, ao invés de PL 6.787/16, a proposta passa a ser identificada como Projeto de Lei da Câmara número 38 de 2017 (PLC 38/17). Na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o relator do texto será o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
Depois da leitura da proposta da reforma trabalhista em plenário na terça-feira, 2, que tem 176 folhas, os senadores Paulo Paim (PT-RS), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentaram requerimentos para que o PLC 38/17 seja analisado em mais três comissões. Antes encaminhado apenas à CAE e à Comissão de Assuntos Sociais (CAS), a reforma também precisará ser analisada em outra, a de Constituição, Justiça e Redação (CCJ). A proposta inicial era que o texto não passasse pela CCJ, mas a oposição conseguiu fazer com que a constitucionalidade da proposta seja analisada na Casa.
Na quinta-feira, 4, primeiro dia de tramitação da reforma trabalhista na CAE, o texto já recebeu pedido de inclusão de nove emendas. Todas foram apresentadas por Grazziotin. Em enquete aberta no site da Casa, até a noite de sexta-feira, 5, o número de pessoas contra a proposta chegava a 118.562. Já quem votou na pesquisa favorável somava 4.796.
As alterações propostas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Decreto-Lei número 5.452 de 1943, e às Leis número 6.019 de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas, 8.036 de 1990, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e 8.212 de 1991, da organização da Seguridade Social e que institui o Plano de Custeio, têm dividido a opinião da sociedade. Não só no Congresso, mas também na visão de economistas e profissionais do Direito. Até que ponto a reforma trabalhista é benéfica ao mercado é que tem sido a dúvida gerada por apoiadores e quem se posiciona contra a proposta.
Redução do desemprego
Membro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o economista Bruno Ottoni Eloy Vaz afirma que há uma relação empírica entre a realização de reformas trabalhistas que flexibilizem as relações de trabalho com a redução do desemprego.
“O Brasil tem uma boa relação de flexibilização no trabalho na admissão e na demissão de empregados, que acontecem com certa facilidade. O problema está na legislação pouco flexível no contrato, que muitas vezes torna juridicamente complicada a existência de outros formatos de vínculo.”
Bruno diz que os formatos de contratos com 40 horas ou 48 horas semanais em horários específicos como das 8 horas às 12 horas e das 14 horas às 18 horas de segunda a sexta ou até sábado não são a realidade da maioria dos trabalhadores brasileiros. “Esse trabalho com horário certo serve para uma parcela muito pequena”, destaca.
O economista dá o exemplo de uma mãe com renda familiar baixa que tenha que cumprir uma carga horária semanal de 48 horas de trabalho. “O filho fica na escola pública quatro horas por dia. O que ela faz com o filho depois da escola? Essa mãe é obrigada a ir para a informalidade por não conseguir um contrato de trabalho mais flexível. Há dificuldades jurídicas para chegar ao um contrato de, por exemplo, 20 horas semanais.”
Hoje seria impossível pensar em um jovem sem experiência ter mais chances de conseguir um emprego formal pela exigência de uma carga horária dificilmente flexibilizada, de acordo com Bruno. Com a reforma haveria a chance de contratar um novo trabalhador por um tempo menor de serviço e subir esse vínculo de acordo com a confiança do empregador na produtividade do funcionário. “É um modelo que passa a agradar contratado e contratante. Um tem a oportunidade de entrar para o mercado de trabalho e o outro de contratar uma mão de obra que não conhece ou seria de incerteza em uma única forma de vínculo possível”, observa.
O economista do Ibre/FGV traça um comparativo entre a França e a Alemanha, que vivem momentos distintos nas relações de trabalho. “Enquanto a Alemanha passou por flexibilizações trabalhistas e viu o desemprego cair, na França houve aumento da taxa de desemprego. “Outra possibilidade criada pela reforma é a do pagamento proporcional aos dias trabalhados, o caso do trabalho intermitente.”
Mas nem tudo é positivo na análise de Bruno. Ele diz que ser possível que o mercado tenha condições de gerar mais empregos a partir da reforma trabalhista, mas com aumento da desigualdade. “Se o custo do empregado é elevado para a empresa, principalmente em um momento de crise, o empregador tem que demitir funcionários”, destaca.
O economista vê contradições entre ações positivas e negativas conflitantes no texto da reforma. Uma delas o fim do imposto sindical obrigatório, que enfraquece os sindicatos. “Na mesma proposta, o governo tira a representatividade sindical, mas fortalece o poder de negociação coletiva. Isso é um paradoxo.” E a coisa pode ficar ainda mais preocupante com a autorização de acordos individuais entre empregados e empregadores. Para Bruno, deveria se pensar uma alternativa à contribuição compulsória como uma votação dos sindicalizados sobre o aumento do valor cobrado caso a entidade preste um bom serviço aos seus filiados ou não.
De acordo com o economista da FGV, a CLT engessa o mercado enquanto está em vigor o contrato de trabalho. Nesse ponto ele vê avanços com a flexibilização contratual. Mas se vê preocupado com alguns pontos. “Pode ser que empresários passem a negociar os seus interesses em acordos individuais em detrimento às necessidades do trabalhador. Essa parte é pouco protetora do empregado, que se mostra hipossuficiente nessa relação.”
Mercado dá sinais de melhora, mas depende de outras medidas

As projeções trabalhadas pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) são otimistas em relação a uma possível recuperação da economia. De acordo com o economista Bruno Ottoni, sem considerar a reforma trabalhista, a possibilidade é de queda da taxa de desemprego entre o segundo e o terceiro trimestre de 2017. “Se a reforma trabalhista for aprovada, isso pode ter um efeito a curto prazo até fim do ano.”
Mas a reforma trabalhista sozinha não seria capaz de estimular a economia. Tudo dependerá da Proposta de Emenda à Constituição número 287 de 2016 (PEC 287/16). “Se não passar a reforma da Previdência no Congresso ou se ela for muito desfigurada, as mudanças podem não ter grande impacto na taxa de desemprego”, opina. O maior problema apontado por Bruno é a insolvência do poder público, ou seja, a falta de capacidade de pagar suas dívidas, o que geraria a queda da credibilidade junto aos credores.
“O RBPS (Regulamento dos Benefícios da Previdência Social) e o BPC (Benefícios de Prestação Continuada) consomem 14% do PIB (Produto Interno Bruto). O País gasta 7% com educação. Como um país jovem como o Brasil gasta duas vezes mais com idosos do que com educação?”, questiona Bruno. A projeção é de essa conta chegue a algo entre 22% e 23% de gastos com a Previdência com o passar dos anos, o que tornaria o governo inadimplente.
Retirar Estados e municípios do texto da reforma da Previdência é visto por Bruno como um problema grave. “Se esses entes depois não realizarem os seus ajustes fiscais, o que pode acontecer é o governo federal se ver obrigado a imprimir dinheiro para ajudar governos estaduais e prefeituras”, alerta.
Cenários piores
Bruno afirma que considera pouco provável que a reforma da Previdência não venha a acontecer, mas caso a PEC 287/16 seja reprovada pelo Congresso, o economista vê que três seriam os possíveis cenários. O primeiro deles se daria pela falta de recursos para manter o pagamento da saúde e da educação, como já ocorre em algumas cidades do interior do Brasil. O cenário seguinte é o de parar de pagar as aposentadorias. “Quando se precisa decidir entre ativos e inativos, acaba por escolher o corte do pagamento dos servidores inativos.”
Para o economista, o cenário mais possível de ser adotado pelo governo brasileiro seria o terceiro, no qual a União passaria a imprimir dinheiro e geraria um momento de hiperinflação. “Os pobres sofreriam mais com a redução do poder de compra e a desvalorização de seus salários.”
Proposta é vista como necessária por uns e problemática para outros

Defendida como necessária para gerar empregos, a reforma trabalhista é vista também como a precarização das condições de trabalho. O professor de direito tributário da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Júlio Anderson Alves Bueno até diz acreditar que as novas vagas no mercado possam surgir, mas que é necessário verificar quais serão os contratos oferecidos aos empregados. “Haverá uma escravização legalizada do trabalhador.”
A preocupação de Júlio Anderson se dá com a possibilidade de redução de salários ofertados. “O empregador pensa que vai ser bom reduzir direitos trabalhistas, mas isso pode gerar um número maior de gente empregada com menos poder de compra”, critica. O professor de direito tributário chama a atenção para a diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico. “Em que condições se darão as férias e os descansos desses trabalhadores?
Quais as condições de negociação o empregado terá para negociar com o empregador? Ele vai se sujeitar a qualquer condição de trabalho para não perder o emprego em um cenário de quase 14 milhões de desempregados.”
Para Júlio Anderson, o cenário que se apresenta com a reforma trabalhista é excelente para o empresário, que poderá se beneficiar de mudanças que enfraquecem o trabalhador e tornam a realidade catastrófica para quem é mais pobre. “Essa terceirização da mão de obra por meio da contratação de pessoas jurídicas será o fim de garantias para o trabalhador”, reclama.
O crescimento que se espera com a aprovação do PL 38/17 no Senado, para o professor, seria o do acúmulo de riquezas. “É um crescimento que depois se mostrará o declínio da economia.” Outra crítica de Júlio Anderson é à Emenda Constitucional da limitação de gastos. “Só limita gastos primários, não gastos com despesa financeira. Isso libera pagamento de juros da dívida. Essas reformas são um retrocesso de séculos.”
Que reforma veremos

Para o economista Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria Integrada, tudo vai depender do que acontecerá com o texto da reforma da Previdência. Blanche se preocupa com o quanto o governo está disposto a ceder e reduzir o tamanho das mudanças propostas, o que pode não servir para muita coisa. “Se o mercado voltar a atingir a situação de insolvência fiscal do período Dilma não vai adiantar muito.”
Ele destaca que hoje o trabalhador brasileiro representa um quinto (1/5) da produtividade do empregado nos Estados Unidos. “A CLT impede a mobilidade do trabalho, faz com que se percam condições de geração de emprego.” De acordo com Blanche, a recuperação da economia será mais responsável pela abertura de novos postos de trabalho do que um novo regime trabalhista. “Se não houver a reforma da Previdência, a reforma trabalhista por si só não terá capacidade de melhorar ou recuperar a economia”, analisa.
O economista lembra que 12% do PIB destinado à Previdência é um peso que precisa ser reduzido para perto de 3% ao ano. Ele se vê preocupado com a eficácia da Emenda do teto de gastos públicos se a PEC 287/16 não for aprovada. “Vai faltar dinheiro para pagar despesas correntes como folha dos servidores. O déficit vai continuar crescendo e vai romper o risco país.” E coloca a culpa da dificuldade financeira pela qual passa o Brasil nos governos Lula e Dilma, que “quebraram o País”.
De acordo com Blanche, uma melhora da economia a curto e médio prazo é algo que ninguém espera no mercado. “A competitividade do agronegócio segurou bastante a economia no início do ano. É preciso criar um câmbio de equilíbrio, o que o governo passado transformou em um leilão.” Para o economista, tudo dependerá da Previdência que teremos. “Para manter os resultados da PEC dos gastos, que vai ser destruída em 2022 se a reforma da Previdência não for eficaz. Não se pode voltar a injetar crédito subsidiado sem garantia. Não queremos voltar para a década de 1980.”

Segundo o economista Walter Marin, desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) há a tentativa de se fazer reforma na Previdência. “Mas precisamos também de outras reformas como a judiciária e a política. E Temer não tem nada a perder. Ele pode entrar para a história como o presidente que adotou medidas que ajudaram a recuperar a economia.”
A conta de R$ 1 bilhão em juros pago diariamente pelo Brasil, segundo Walter, se justifica pela tentativa de cobrir um déficit que precisa das reformas para ajudar a equilibrar as finanças. “A reforma trabalhista precisa da reforma da Previdência para estimular os investimentos no País e melhorar a expectativa do mercado interno e internacional”, observa.
Walter afirma que o PL 38/17 pode melhorar a condição do trabalhador, com uma redução da informalidade. “Vai ser mais leve a relação do trabalho no Brasil. Não pode tornar a mão de obra escrava, mas não pode apertar o empregador.” Outro ponto positivo destacado pelo economista é a regulamentação do home office.
“Primeiro teremos um aquecimento do trabalho ocioso com aumento da produtividade, depois virá a utilização das horas extras para fortalecer a economia. O terceiro momento será o da abertura de novas vagas de trabalho nas empresas.” Walter afirma que a economia já dá sinais claros de recuperação, mas que o emprego demora a acompanhar essa melhora. “Para que tudo isso ocorra é preciso ter regras pré-estabelecidas. O governo precisa fazer a parte dele, que é tributar de forma justa todos os segmentos da sociedade. Os impostos embutidos são muito altos, mas os impostos sobre as riquezas são injustos.”
Texto insatisfatório
Contrária a alguns pontos da reforma do trabalho, a advogada trabalhista Jordanna Araújo critica que a terceirização possibilite a criação de novas regras no mercado. “Isso vai precarizar o emprego com uma mão de obra desqualificada. Há preocupação, no caso do trabalho intermitente, da demissão sem direitos trabalhistas.”

Jordanna afirma que o projeto enfraquece os sindicatos no momento em que busca a abertura de mais diálogo entre empregados e empregadores. “Como dar maior condição de firmar acordos coletivos com um trabalhador com medo de perder o emprego? Isso não protege nem moderniza nada”, diz.
A advogada lembra que a CLT e leis específicas de categorias de trabalho já garantem pontos colocados na reforma, além de a Constituição Federal assegurar a divisão das férias. “O empregado é hipossuficiente frente ao empregador e pode ter direitos reduzidos por acordos. Tudo vai seguir o que o empregador quiser. É preciso que se garanta na lei dispositivos para dar amplitude para as negociações sem enfraquecer os sindicatos.”
Ela destaca a terceirização com retirada da responsabilidade da empresa contratante. “Se a empresa falir quem vai pagar o empregado?” Ao mesmo tempo, Jordanna se coloca favorável ao direito de fracionamento de férias em até três vezes como uma forma de legalizar o que já acontece em alguns locais de trabalho.
“A CLT garante que o empregador recolha o FGTS, pague férias e outros benefícios, assegura o direito a todos os pagamentos mesmo que proporcionais.” O problema, para a advogada, é que a reforma pode criar um rodízio muito grande de emprego com o trabalho intermitente. “Há também o problema de tirar do empregado o direito ao tempo gasto no deslocamento (in itinere).”
Jordanna não concorda com a tarifação do valor do dano moral a ser pago ao empregado em uma ação trabalhista. “Cada caso tem a sua particularidade, não pode ser um valor tabelado. O juiz é quem decide a gravidade de cada caso.” A advogada afirma que a reforma trabalhista traz o risco de direitos serem reduzidos ou eliminados em acordos coletivos em que o empregado sempre estará em uma posição de inferioridade ao empregador.