Recusa das famílias para doação de órgãos é acima da média nacional em Goiás
25 outubro 2025 às 21h00

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Quando se fala em salvar uma vida, cada segundo que passa pode ser determinante sobre o futuro de alguém. O vendedor Sebastião Carlos vive a angústia de esperar por um novo rim. A sobrecarga no órgão veio em decorrência da diabetes e da pressão alta. Em uma consulta de rotina feita em outubro do ano passado, ele recebeu a notícia que os rins estavam funcionando apenas em 11% da capacidade.
Sebastião conta que resistiu ao dar início ao tratamento com hemodiálise, o que teve início apenas em abril deste ano. “Eu ainda estava na esperança dos rins reagirem e ainda tive medo de começar e isso, de alguma forma, atrapalhar o meu trabalho”, conta.
Sebastião afirma que os médicos que lhe acompanham o incentivaram a entrar na lista para receber um novo órgão. Até o fechamento desta matéria, o homem estava na posição de número 348 na lista. Apesar de não precisar de ajuda para atividades básicas – já que a diabetes também tem afetado a sua visão -, Sebastião não descarta o receio de continuar durante toda a vida na hemodiálise e aponta que o transplante é a forma de viver com mais qualidade.
“Eu tenho medo de morrer. Acredito que ninguém queira morrer. Eu estou novo. Apenas 56 anos. Quero prolongar a minha estadia aqui na terra. Mas a coisa que mais quero fazer é tomar um copo cheio de água. Hoje eu não posso devido à retenção de líquido”, afirma.
2,5 mil pessoas na lista de espera
A realidade de Sebastião se assemelha com as das quase 2,5 mil que estão na lista aguardando um novo órgão em Goiás. Desse total, a maior espera é por um doador de córnea, onde cerca de 1,7 mil pessoas aguardam, seguida pelo transplante de rim, onde cerca de 680 estão esperando. Além disso, são feitos transplantes de fígado e pâncreas, segundo Katiuscia Freitas, gerente de Transplantes da Secretaria de Estado da Saúde (SES).
Segundo ela, o maior impasse é reduzir o índice de recusa das famílias goianas. No estado, esse número está em 70%, enquanto a média nacional é de 45%. Para isso, os profissionais estão sendo cada vez mais capacitados para lidarem com essas situações. “A gente acredita que os profissionais de saúde têm um papel fundamental nesse processo. Então, nós temos investido nas capacitações dos profissionais de saúde envolvidos nesse processo, geralmente os profissionais das UTIs e das comissões intra hospitalares de doação de órgãos intensivos. A gente tem treinado profissionais para que eles possam ter mais habilidade durante todo esse processo, reconhecer e identificar os casos possíveis de morte encefálica, a validação do diagnóstico e durante todo esse período principal, o acolhimento da família, a comunicação, para que a família compreenda esse processo e se sinta à vontade para falar no final sobre essa questão da doação”, explica.
Até o mês de setembro, Goiás já registrou a captação de 77 órgãos. Neste mês, já foram 11 doados. Ela explica sobre a Autorização Eletrônica para a Doação de Órgãos (AEDO), que foi desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apesar de ser uma ajuda, a última autorização é feita ainda pelos familiares.
“Mesmo com esse documento, quem decide no final é a família. A lei ainda não modificou, a decisão é da família. Mas já é algo que ajuda, porque se uma pessoa teve a iniciativa de procurar um cartório, deixar registrado, é importante que ela avise a família, mostra o documento pessoal, eu sou doador. O que a gente tem experiência é que quando uma pessoa fala em casa que ela quer ser doadora, dificilmente a família nega. Quando a gente conversa com a família sobre doação, a gente está falando com eles no momento de dor extrema, eles estão recebendo a notícia que perdeu alguém que eles amam e tem que decidir pela doação. Quando eles lembram que essa pessoa já era doadora, é mais fácil para eles tomarem essa decisão”, explica.
Katiuscia ressalta que não existe um protocolo preventivo para que o paciente que receberá o transplante não desenvolva a rejeição, mas que há exames que mostram o risco de rejeição que a pessoa tem diante daquele perante o doador. Sobre a fila, a gerente explica que o atendimento vem por critérios de gravidade, urgência e de compatibilidade. Só no caso dos tecidos, como as córneas, que essa lista ela segue uma ordem realmente cronológica de quem entrou na lista.
Para ela, falar sobre doações de órgãos é falar de vida. Por isso, é importante falar mais sobre o assunto. “É muito difícil a gente se colocar no lugar do outro. Da família que vive em luto ou de quem está na lista e aguarda um transplante. No Brasil, ela chega a 80 mil pessoas. E para a pessoa precisar de um transplante, ela tentou todos os outros tipos de tratamento, ela chegou em um momento em que só um outro órgão, um outro tecido vai poder transformar a vida dela.”
Então, eu acho que doar órgãos é importante porque você, além de salvar uma vida, você ressignifica a morte do seu ente querido, daquela pessoa que você ama. É uma maneira de você ressignificar, de dar oportunidade para que outras pessoas possam continuar através da vida daquela pessoa”, afirma.

“O sim que mudou a minha vida”
Essa decisão salvou a vida de Fernando Accioly, de 48 anos. A espera para o novo rim durou 34.680 horas. Foram cerca de três anos na fila aguardando a compatibilidade exigida para receber o novo órgão e deixar de ser um paciente renal crônico.
O coordenador de TI conta que, após fazer uma bariátrica em 2009, ficou viciado em atividade física, mais precisamente em pedalar. Devido ao grande esforço, desenvolveu um problema no joelho, o que o levou a fazer uso de vários anti-inflamatórios. Isso sobrecarregou a função dos rins, diagnóstico que ele teve em 2017.
“A minha nefrologista disse que era inicial e pediu para repetir os exames depois de seis meses. Aí foi um grande erro meu: eu não voltei porque aconteceram várias coisas na minha vida, como mudar de Goiânia. Em 2020, eu voltei a passar mal. Cheguei a achar que era algo fígado, pois sentia um gosto ruim na boca. Fiz uns exames e já notei que deu uma alteração no meu rim. Quando fui ao nefrologista, eu já estava com doença renal crônica estágio 4”, explicou.
Com isso, Fernando precisou fazer hemodiálise em agosto de 2022. Ele ficava preso na máquina durante duas horas e meia todos os dias. Por causa do diagnóstico, ele teve que mudar vários hábitos, como viagens de moto, andar de bicicleta, devido ao estado debilitado no início do tratamento.
A mudança começou na entrada dele na lista de espera por um transplante, o que ocorreu três meses após o início da hemodiálise. Fernando descartou o medo de possível rejeição do órgão a vir ser transplantado. “Quando você tem uma doença que não tem cura, todas as suas perspectivas de vida e de futuro mudam. Seu futuro é hoje, não é amanhã. Eu sempre quis correr atrás do transplante desde o início”, explicou.
Corrida contra o tempo
Fernando conta que o primeiro processo foi entre pacientes vivos, com a bisneta do tio-avô dele. Segundo a lei, é preciso ser parente de até quarto grau ou cônjuge. Apesar disso, pela falta de regulamentação, foi necessário atrás da autorização judicial. Na semana em que ele deveria assinar as procurações, ele recebeu a ligação do Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG) para receber um órgão de uma pessoa que havia acabado de falecer.
Fernando não teve muitas informações sobre o doador. Apenas de que se tratava de uma pessoa de 22 anos. Ele se emociona ao dizer que tinha vontade de conhecer a mãe do doador que proporcionou com que ele renascesse.
“Seria muito massa conhecer essa mãe porque ela me deu o sim que mudou a minha vida”, afirma.
Como transplantado, Fernando conta que passou a sentir prazer com hábitos simples, como o fato de beber água sem restrição, além de fortalecer a sua fé. Para ele, a doação de órgãos é um gesto de amor ao próximo e proporciona a existência de dois seres humanos no corpo de um. O homem, agora, reforça que quer fazer uma tatuagem de Nossa Senhora Aparecida como forma de agradecimento à nova chance de vida.

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