Reabertura com responsabilidade é o desafio de Goiás

23 agosto 2020 às 00h01

COMPARTILHAR
Autoridades afirmam que contar com colaboração da população não foi tão proveitoso quanto se esperava

Há um mês foi decretada a reabertura de lojas, bares e restaurantes em Goiás. Desde o dia 13 de julho, a luta para retomar as atividades conflita com a necessidade de distanciamento social que pode salvar vidas. Promulgado em 19 março, os 107 dias de afastamento salvaram incontáveis vidas (para que se tenha um parâmetro, estudo da UFRJ estima 118 mil vidas salvas em apenas um mês), mas geraram um desgaste que impossibilita futuros fechamentos do comércio.
Segundo a superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO Flúvia Amorim, o isolamento social propriamente dito é atualmente inexistente na prática. “Agora falamos em distanciamento social; a medida do isolamento – aquelas pessoas que estão completamente afastadas das demais – desapareceu na prática. O cansaço da população é perceptível, a psicologia explica a necessidade de socialização. Infelizmente, ela continua sendo uma medida de proteção que pode salvar vidas, e agora precisamos pensar em novas estratégias. Compreendemos que a probabilidade de que pessoas voltem a se isolar é mínima”, diz a superintendente.
Profissionais responsáveis por criar projeções de cenários da evolução dos casos e aumento do número de óbitos causados pela Covid-19 no Estado, além de orientar a tomada de decisões nas políticas públicas, os doutores em Biologia e professores Universidade Federal de Goiás (UFG), Thiago Rangel e José Alexandre Felizola Diniz Filho, tratam como “extremamente improvável” a possibilidade de se executar um novo isolamento.

continuar com quarentena | Foto: Reprodução
Médicos da linha de frente, como o infectologista João Alves de Araújo, que, entre outros, trabalha no Hospital de Doenças Tropicais (HDT), onde são tratados pacientes da Covid-19 em Goiânia, engrossam o coro dos que pensam ser duvidosa a estratégia de um novo lockdown para combater o coronavírus.
“Observamos que Goiânia fez um isolamento muito eficaz precocemente. Praticamente não tínhamos transmissão comunitária no início da quarentena. Entretanto, é dificílimo conseguir fechar o comércio por tanto tempo em qualquer comunidade de maneira tão rigorosa”, afirma o médico infectologista.
Aglomeração no comércio
Enquanto especialistas e autoridades afirmam que a quarentena se torna mais improvável, as pesquisas publicadas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no mês de agosto de 2020 reverberam seus relatos. Segundo a síntese mensal da conjuntura, dados da CNC, as vendas do comércio varejista registraram alta de 12,6% ante o mês de maio. Isso significa maiores aglomerações em bares, lojas e academias.
O setor supermercadista registrou crescimento 3,47% nas vendas do primeiro semestre de 2020, ante o mesmo período do ano passado. O resultado foi o melhor para o semestre nos últimos 8 anos. No mês de junho, a alta foi de 2,78% em relação ao mesmo período de 2019. Os dados não apenas revelam o cansaço da população frente ao isolamento imposto pela pandemia, mas o fim do receio quanto aos dados revelados no noticiário.

Após 3,5 milhões de casos confirmados e 113 mil mortes, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL) anunciou movimentação de R$ 18 bilhões na capital apenas no final de semana do dia dos pais. Parte da explicação para a retomada animada das aglomerações em lojas é a forma com que Goiânia realizou a reabertura do comércio.
João Alves de Araújo afirma sobre a estratégia goianiense: “A maneira com que abrimos talvez tenha sido a melhor. Aparecida de Goiânia lidou de forma bem mais interessante, fechando regiões da cidade, para que assim se possa fiscalizar o fechamento do comércio e aliviar setores estratégicos por meio do rastreamento do número de infectados em determinadas regiões.”
Novas alternativas
Flúvia Amorim diz a respeito da quarentena: “Não se entende que o distanciamento seja mais uma estratégia viável. Considerando que temos vários setores em funcionamento e que não é possível manter atividades fechadas por questões culturais, começamos a procurar estratégias. Uma delas a orientação do uso de máscara e distanciamento e higiene.”
“Gostaríamos de mostrar que é possível manter as atividades usando protocolos de segurança, mas infelizmente fracassamos. Temos visto quebras do protocolo: algomerações, a não utilização da máscara, o contato físico entre pessoas. Isso traz como consequência o que vemos no brasil, um platô altíssimo na curva do número de mortes. Nossas estratégias não funcionam se a população não colocar em prática as orientações da Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO)”.
João Alves de Araújo tira parte da responsabilidade da população e a repassa a governantes e tomadores de decisão: “Andando pela cidade, questiono a forma como o isolamento como foi proposto no Brasil. É uma estratégia válida para classes médias e altas. Você vê às seis da manhã, todos os ônibus lotados. Como se fala em distanciamento assim, com o cidadão tendo de enfrentar o transporte público para ir trabalhar?”
“Enquanto classes A e B podem ficar em home office, o cidadão comum não tem esse direito de se isolar. Essa pessoa teria de ter tido apoio para poder ficar em casa, com suporte financeiro do estado. Vejo o transporte coletivo como o grande gargalo, e você não verá autoridades falar nele, porque a responsabilidade recai sobre elas”.