Quem é e o que pensa a direita em Goiás

08 março 2020 às 00h01

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Profissionais que se identificam com a direita dizem o que pensam sobre o presidente Bolsonaro, economia, imprensa e costumes

A reviravolta na trajetória de Jair Bolsonaro, de deputado pouco conhecido fora do Rio de Janeiro a presidente da República com 57,7 milhões de votos, fez emergir um movimento que já existia, mas que começou a mostrar seu rosto com mais intensidade: a de pessoas que se declaram de direita. Em Goiás, são políticos, jornalistas, professores universitários, economistas, enfim, gente de todo tipo e de classes sociais diferentes.
Com diferenças de pensamento, mas com algumas características em comum, como a defesa da liberdade econômica e de valores morais. Se fosse possível incluí-los em uma única caixinha – e não é, mas aqui se vai arriscar – poderiam ser considerados liberais conservadores.
O conceito de direita e de esquerda se diluiu ao longo do tempo, de forma fica difícil estabelecer suas fronteiras, mas continua útil. “Num universo conflitual como o da política, que exige continuamente a ideia das partes e do empenho para derrotar o adversário, a divisão do universo em dois hemisférios não é uma simplificação, mas uma fiel representação da realidade”, escreve Norberto Bobbio em Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política.
A definição entre esquerda e direita tem origem no pós Revolução Francesa. Os assentos dos parlamentos eram divididos entre os aristocratas, que se sentavam à direita do orador, e os comuns, que se sentavam à esquerda. Com o passar do tempo, obviamente, essa distinção se sofisticou.

“A categoria direita política encerra uma noção polissêmica, de modo que o significado é objeto de controvérsia e de oscilações entre diferentes correntes de pensamento político”, explica o professor do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de Goiás (UFG) Francisco Tavares. Mas que ela pode, em um sentido mais amplo, ser definida como um espectro ideológico identificado “com a defesa da propriedade privada, do controle estatal sobre os costumes e as práticas sociais”.
Segundo o professor, citando o Estudo sobre Eleições Goianas (Eseg), conduzido pelo professor Pedro Mundim, Goiás é um Estado hegemonizado por ideias associadas à direita. Talvez isso explique a votação expressiva de Bolsonaro no Estado, em 2018. No segundo turno, o presidente obteve 2,1 milhões de votos, 65,5% do total.
Deputados

Junto dele, uma série de parlamentares goianos identificados com a direita foram eleitos em 2018. Um caso exemplar é do deputado federal Vitor Hugo. Em sua primeira disputa eleitoral, foi eleito à Câmara dos Deputados com 31.190 votos. “Já havia um movimento organizado [de direita] em Goiás, com quem tive contato em 2017 e 2018. São pessoas que organizam encontros, debates e palestras”, diz. O efeito Bolsonaro foi que esses movimentos alcançassem um maior protagonismo. “O presidente conseguiu despertar nas pessoas o desejo de se declarar de direita”, acredita.
Para o engenheiro agrônomo e gestor ambiental Ulysses Remy, o papel do presidente tem sido unir liberais e conservadores na formação do Ministério, de forma que promoveu “o antagonismo às ideias do socialismo que norteiam toda a esquerda brasileira”. Remy acredita que mais pessoas têm se declarado de direita por causa do “acesso livre e não regulado” de informações na internet. “As falácias esquerdistas hoje são facilmente refutadas”, diz.
Professora universitária, Cláudia Helena Nunes Jaco Gomes também enxerga em Jair Bolsonaro um legítimo representante da direita brasileira. “Ele conhece os conceitos de guerra cultural, infiltração gramsciana [em relação ao filósofo Antonio Gramsci], mas sozinho não é capaz de enfrentar o establishment”, cita.

A jornalista Denise Duarte Vargas admite que Bolsonaro não é perfeito, mas o considera um “representante legítimo da direita”, por ser “um sujeito patriota, disposto a mudar este país”, cuja equipe de governo “está demonstrando eficiência com número comprovados”.
O presidente brasileiro, contudo, não é unanimidade entre os goianos que se declaram de direita. Ex-aliado, o deputado federal Delegado Waldir Soares diz que o PSL é o único partido de direita do Estado e que Bolsonaro representa a extrema-direita –opinião compartilhada professor da UFG Francisco Tavares – porque permitiu a “filhocracia” e que seus filhos defendem “o AI-5, a derrubada do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”, ao contrário do partido do qual faz parte.
“Bolsonaro assumiu o protagonismo na representação máxima da direita, mas se perdeu durante o processo. Hoje tem demonstrado tendências totalitárias que preocupam a todos, tanto direita quanto esquerda”, completa o advogado e empresário Pedro Feldon, um dos organizadores do Movimento Brasil Livre (MBL) em Goiás.
“Hoje a direita brasileira e, mais especificamente, a goiana, encontra um grande problema: a confusão entre ser de direita e ser bolsonarista. Isso trás um grande risco para o pensamento conservador e liberal, pois sujeita o futuro dessas correntes ideológicas ao resultado de um governo claramente desarticulado, despreparado e problemático”, diz Feldon.
Liberal na economia, conservador nos costumes

Boa parte dos goianos que se declaram de direita se declaram liberais conservadores. “Ser direita é diminuir a participação do Estado na sociedade, como forma de reduzir a corrupção, garantir a liberdade individual e promover o desenvolvimento econômico”, define o empresário Gustavo Gayer, um dos organizadores em Goiás da mobilização pró-governo marcada para o dia 15.
Para a professora Cláudia Helena, ser de direita “é prezar a liberdade” e reconhecer “que não somos todos iguais”. “Todas as vezes que um governante tentou igualar os homens, somente conseguiu através da violência e escravidão. Os países que adotam um governo de esquerda precisam necessariamente cercear as liberdades. Por isso é comum que revoguem o direito de possuir armas, de propriedade, de consciência religiosa etc”, afirma.
Deputado campeão de votos, Delegado Waldir Soares defende o Estado mínimo. “A direita defende o enxugamento do Estado, fora do globalismo. Defendemos a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista, combatemos a corrupção e apoiamos a Lava-Jato”, enumera.
Líder do governo na Câmara, o deputado Vitor Hugo – apesar das divergências com Waldir – tem um conceito semelhante. “A direita acredita no potencial do ser humano, que cada um pode se desenvolver independentemente do Estado”, afirma. Para ele, o modelo econômico ideal é o que promove a livre iniciativa e o livro mercado. Ao Estado, cabe cuidar de questões básicas, como saúde, educação e segurança pública.
O empresário Ulysses Remy diz que a direita é antagônica da esquerda, entre outros aspectos, por essa segunda, para ele, adota um “Estado altamente interventor na economia”. Remy diz que a direita preza pela propriedade privada e livre comércio, com a diminuição do tamanho e do custo do Estado.
“Ser direita é entender que imposto é roubo. O roubo que chama de contribuição”, afirma.
Costumes
Parte dos goianos que se identificam com a direita traz consigo um importante componente religioso. O empresário Gustavo Gayer, por exemplo, se classifica como conservador e, por isso, acredita que “o Estado não deva interferir nos pilares da sociedade que são família, liberdade individual e Deus”.

De acordo com o deputado Vitor Hugo, “a melhor direita” é aquela que “tem valores conservadores da família” e que preserva os “valores judaico-cristãos”. O delegado Waldir Soares afirma que a pauta de costumes não é tão relevante, no momento, para o PSL, porque o foco agora está nas questões econômicas. Mas diz que o partido se alinha contra algumas pautas dos chamados progressistas, como a “legalização do aborto e a liberação das drogas”.
“Gosto de ler a Bíblia todos os dias. Livro bem atual, que há mais de 2 mil anos nos avisa da deterioração do ser humano e suas vãs doutrinas. É incrível”, diz a jornalista Denise Duarte Vargas.
Conservador, mas não de direita

Nem todo mundo que se diz conservador, contudo, se identifica como de direita. É o caso do economista Gean Pablo Azara, que se afirma um liberal conservador. Diz que há uma confusão de conceitos. “Ser conservador não é o que todo mundo pensa. Conservadores são pessoas cristãs, patriotas é que querem um governo não intervencionista em seu modo de vida”, define.
O economista diz que a direita também é intervencionista, assim como a esquerda, mas em áreas distintas. “Esquerda e direita são iguais, todos são velha política”, afirma. “Um liberal conservador, vai sentir o mesmo desprezo pelo PT ou PSDB na mesma proporção”, complementa. Para Gean Pablo, existem “gays, trabalhadores, usuários de drogas” conservadores. “Suas particularidades individuais não são entrave para serem conservadores”, afirma.
Relação conflituosa com a imprensa
Ainda que existam diferenças significativa entre grupos e pessoas que se declaram de direita em Goiás, dois aspectos são comuns a muitos deles: a rejeição ao que consideram ser a esquerda e a desconfiança em relação à imprensa. Para o Vitor Hugo, o jornalismo é fundamental para a democracia, mas sua atuação merece críticas.
“A imprensa é essencial para a democracia, mas há uma parte, que a gente gostaria que fosse menor ou que não existisse, que não divulga as ações positivas do governo ou que divulga fatos que não são verdadeiros”, diz Vitor Hugo.
Waldir Soares, por sua vez, afirma que a imprensa deve ter total independência e que ela não recebe ataques do PSL, cuja líder é uma jornalista, a deputada Joice Hasselmann.
O empresário Gustavo Gayer faz críticas duras à imprensa brasileira, a quem reputa extrema importância para a democracia e equilíbrio entre os poderes. “Mas o que temos hoje no Brasil não se pode mais chamar de imprensa”, afirma. Ela afirma que esse cenário é perigoso pois, segundo pesquisa recente FSB/Veja, 63% dos brasileiros disseram não confiar na imprensa. “Está na hora de os jornalistas de verdade se erguerem contra a destruição que a parte militante está fazendo contra essa valiosa instituição”, ressalta.
Organizador do MBL em Goiás, Pedro Feldon diz que a imprensa brasileira deve “abandonar a falsa parcialidade” e “deixar claro seu viés político”. Para ele, “em Goiás,
essa parcialidade é gritante, mas os meios de comunicação insistem em fingir uma neutralidade que cedo ou tarde iria se apresentar como motivo para a redução da audiência”.

A professora Cláudia Helena diz que é “do tempo em que um dos cursos mais prestigiados era o de jornalismo”. Segundo ela, até os anos 1990, havia um conceito positivo em relação ao estudante de jornalismo por ser culto e saber escrever bem. “Hoje, a maioria dos jornalistas é composta por analfabetos funcionais”, afirma.
O engenheiro agrônomo Ulysses Remy acredita que a imprensa brasileira é dominada por esquerdistas e que a “extrema imprensa” é braço da militância de esquerda. “Mais desinforma do que informa e muitas vezes censura pensamentos diversos”, diz.
Nem mesmo a jornalista Denise Duarte Vargas olha com condescendência os profissionais da área. “Infelizmente, a maioria dos jornalistas é de esquerda, que tomou conta das redações. Talvez por isso o jornalismo não consegue se conectar com o brasileiro médio, que é conservador, embora não saibam exatamente o que significa essa palavra”, afirma.
Diante desse cenário, segundo a jornalista, veículos alternativos estão angariando mais atenção, “por parte da população que estava órfã de abordagens conservadoras”. A internet também é vista pelo engenheiro agrônomo Ulysses Remy como boa fonte de informações, em detrimento da imprensa tradicional. “Havia um discurso pejorativo em relação à direita, pelos esquerdistas que dominavam as redações. A internet tem um papel fundamental nesse processo [de fonte de informação]”, acredita.
Grupos goianos se organizam em debates e palestras
A direita goiana tem buscado se organizador ou, ao menos, disseminar seus pensamentos. É comum a realização de seminários, debates e rodas de conversa cobre temas que os aproximam. Nos dias 14 e 15 de março próximos, por exemplo, será realizado o primeiro Fórum dos Conservadores, em Goiânia. A estrela do encontro será o escritor Olavo de Carvalho, considerado ideólogo do governo, por videoconferência.
“A direita goiana mal saiu das fraldas. No entanto, existem iniciativas como a Associação de Leigos Imaculado Coração de Maria que promove palestras mensais com um nível de excelência nunca visto em nenhuma universidade de Goiás. Recentemente formamos um grupo chamado Conservadores com o propósito de atuar nas áreas da educação e cultura”, diz a professora Cláudia Helena.
Ulysses Remy cita o Instituto Bastiat, na UFG, e o Instituto Liberdade e Justiça, que promoveu eventos em Goiânia, inclusive com palestra do americano David Friedman, filho do Nobel de Economia Milton Friedman.
Esses grupos têm algumas leituras de referência, como o economista austríaco Ludwig von Misses, o filósofo alemão Hans Hermman Hoppe, o economista norte-americano Thomas Sowell, o filósofo inglês Roger Scruton, o cientista político português João Pereira Coutinho e o francês Frédéric Bastiat. Algumas pessoas também se tornam referência, como o advogado norte-americano Ben Shapiro.
Para a professora Cláudia Helena, Olavo de Carvalho tem lugar de destaque entre os autores que influenciam a direita brasileira. “Ele foi o único, o desbravador no ambiente hostil que a esquerda transformou as universidades, a mídia, as artes e tudo mais”, diz.