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O pontífice é o Vigário de Cristo, não de um ou outro grupo de interesse político. Francisco é exatamente como aquele bom padre que conhecemos um dia em alguma paróquia

Foto: Sebastian Rodriguez/ Gobierno de Chile
Foto: Sebastian Rodriguez/ Gobierno de Chile

Carlos Ramalhete
Especial para o Jornal Opção

De meados do século 20 para cá as sociedades do Ocidente, es­pecialmente as europeias, se perderam tanto em questiúnculas ideológicas que o mundo mudou sem que elas percebessem. Esquerda e direita disputam mundo afora a cabine de comando de um Titanic ideológico que vai afundando, sem perceber que há problemas bem maiores do que ter o rival ao leme.

É neste contexto que surgiu “do fim do mundo” o papa Francisco. É o primeiro papa não europeu em quase 1.300 anos, e a sua visão de mundo é completamente estranha à dos filhos da Eu­ropa descristianizada ou dos EUA, que jamais foram católicos. Já para nós, que pelos padrões europeus também estamos no “fim do mundo”, ele é extremamente familiar. Ou deveria sê-lo; é difícil para muitos brasileiros perceber a sua normalidade latino-americana por recebermos suas palavras filtradas pelas agências de notícias americanas que alimentam as redações de nossos jornais.

As questões de que trata o Papa — compaixão, caridade, fé, luxúria, cobiça, inveja — são peneiradas em busca de palavras-chave de um discurso político americano e, em menor medida, europeu, que simplesmente não faz parte do vocabulário mental do Sumo Pontífice. Daí notícias sobre o Papa “estar falando de” gays, quando prega a caridade para com irmãos na fé, ou de muçulmanos, quando trata de compaixão para com as vítimas da guerra. Americanos querem saber de gays, de muçulmanos, de direito a porte de armas, de usinas nucleares iranianas, em suma, de questões da política deles que as agências exportam mundo afora como se fossem as únicas questões prementes da realidade.

Mas não é disso que trata o Papa; ele não é ideólogo, não é nem americano nem europeu, e trata do que sempre trataram os bons padres: de como podemos agir e viver de maneira agradável a Deus. De como fugir das tentações do demônio – o papa Francisco sempre alerta contra o diabo, a quem aliás ele atribui a famosa ideologia de gênero, mas o tinhoso está tão distante das preocupações das agências de notícias que é raro algo ser noticiado a respeito. De como unir-se mais a Deus e menos ao mundo. De como amar o próximo, buscar os sacramentos, santificar-se, viver a fé. Afinal, é esse o papel de um papa; os papas não foram feitos para competir com outras “celebridades”, dando pitacos sobre todos os debates superficiais do momento e tomando partido em cada briguinha política.

O papa é o Vigário de Cristo, não de um ou outro grupo de interesse político. E o Papa Francisco é exatamente como aquele bom padre que conhecemos um dia em alguma paróquia, aquele que fica horas por dia no confessionário, que acolhe, mas sem passar a mão na cabeça, que cuida de ser sempre uma janela para o eterno num mundo em que tudo passa. A função da Igreja Católica é ser a presença do que não passa, ser a referência do Absoluto num mundo em que o relativo nos tenta a negar o valor da vida e do amor; e a pregação incessante do Santo Padre é de que deixemos de lado as questões da política para tratarmos de nossa alma. É ela que conta.

Carlos Ramalhete é professor, filósofo, funcionário público e articulista católico