A situação é menos grave em três Estados: Goiás, Pará e Mato Grosso. Já explodiram Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os demais podem ir pelo mesmo caminho. Por quê?

Afonso Lopes

Nas décadas de 1980 e 1990, a relação dívida versus receita líquida em Goiás era catastrófica. O Estado devia o equivalente a três anos e quatro meses de sua arrecadação total. Atualmente, apesar de certo barulho oposicionista, essa relação caiu para pouco mais de um ano. Ou seja, a dívida de Goiás tem hoje uma proporção bem menor em relação à capacidade de receita gerada pelo Estado. Não deixou de ser problema, evidentemente, mas tornou-se administrável.

Esse quadro estadual repetiu-se em praticamente todo o país. No geral, apesar da situação extraordinária das quatro maiores economias da Federação – Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – que tem uma relação um tanto pior entre dívida e receita, os Estados brasileiros devem menos hoje do que deviam há 30 anos.

Apesar disso, a crise econômica que derruba o Brasil há pelo menos três anos, tem sistematicamente provocado debates entusiasmados em torno da tal dívida diante das crescentes dificuldades de caixa.

A situação financeira não é igual em todos os Estados, apesar da tal semelhança no perfil dívida versus receita total líquida. Então, talvez a discussão central esteja fora do foco real do problema. Goiás, Pará e Mato Grosso são os entes federados com composição financeira menos agravada atualmente. Não há, mesmo nesses Estados, dinheiro sobrando. Ao contrário. A capacidade de investimento foi duramente afetada. Mas ainda assim, todos os sintomas da saúde financeira de Goiás, Pará e Mato Grosso apontam para a normalidade possível dentro da absoluta anormalidade da brutal recessão econômica do país.

Comparativamente, então, esses sintomas positivos por aqui são radicalmente negativos em relação aos Estados situados na outra ponta, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Lá, nem salários são quitados regularmente. Esten­den­do essa comparação com os demais, que ainda não viram suas finanças explodirem de vez, novamente se constata que mesmo Estados com melhor relação dívida versus receita total líquida a questão financeira é próxima do caos absoluto.

Em outras palavras, está claramente delineado o fato de que as dívidas têm menos peso quanto a atual situação financeira dos Estados do que se fala tanto por aí. Então, resta voltar a análise para a outra ponta, a dos gastos. Aí, sim, as semelhanças acabam. A secretaria da Fazenda de Goiás já alertou para esse fato: o problema não é a dívida, mas as despesas. Ana Carla Abrão acerta, ao dizer isso, no olho da mosca. Alvo absolutamente correto.

Que se veja o exemplo do Rio de Janeiro. Ao longo de 2015, na esteira da realização do mega-show olímpico, o Estado gastou os tubos. No Rio Grande do Sul, essa gastança desenfreada ocorreu em 2014 e permaneceu um pouco mais contida, mas nem tanto assim, durante 2015.

Em Goiás, já no final de 2014, iniciou-se uma reforma administrativa que do ponto de vista político pode ser classificada como radical. Jamais, até então, um Estado brasileiro cortou numa paulada só tanta estrutura governamental. Há registros na história administrativa brasileira de cortes aqui e acolá, mas sempre com o nítido caráter ornamental e não prático.

As medidas adotadas aqui no final de 2014 e início de 2015 chamaram a atenção dos governadores do Pará e do Mato Grosso, que também promoveram rigorosos planos de acomodamento das despesas. E nessa acomodação, os três Estados se tornaram os únicos da Federação a ter chances reais de sobrevivência diante do tsunami representado por aquela onda recessiva que o ex-presidente Lula confundiu com marolinha. Justiça se faça, portanto, não foi somente Lula que errou no diagnóstico da crise.

Mas se é assim tão simples manter a casa financeira em ordem, por que os demais Estados não fazem isso também? Primeiro porque parece fácil, mas é muito difícil. Não se trata aqui de empresa privada, em que o dono decide o que fazer, como fazer e quando fazer. A administração pú­bli­ca é essencialmente política. É nes­se mundo que ela se insere no campo democrático. E quando se fala sobre isso, atinge-se diretamente o esteio de sustentação do governo, que é a convivência com a opinião pública.

A verdade é que apenas uns poucos políticos conseguem adotar medidas de contenção de gastos. Isso não é característica brasileira. No mundo todo é assim. Cada corte nas despesas significa um setor da sociedade contrariada. Somente políticos com uma extraordinária visão de futuro e exata noção da necessidade imposta pela realidade é que trilham pelos caminhos mais difíceis. A maioria prefere conviver com as benesses da popularidade fácil, porém momentânea.

A crise econômica que assola a economia brasileira vai ser superada, obviamente. E isso pode começar a ocorrer já em 2017 e completar o ciclo rumo à normalidade em 2018. Como não se atolou de vez, Goiás provavelmente será o primeiro Estado a colher os resultados do sacrifício.

Aliás, já está sendo. Enquanto milhões de servidores públicos estaduais Brasil afora não sabem se vão receber o 13º salário neste Natal ou no próximo, em Goiás isso deixou de ser problema há vários anos. E apesar da grave crise e consequente queda na arrecadação, continua sendo uma solução sempre bem-vinda e merecida para os servidores públicos do Estado. Foco na despesa, pois a dívida está sob controle. l