Problemas básicos de serviços e infraestrutura persistem em Aparecida de Goiânia

08 janeiro 2023 às 09h00

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Com população estimada em pouco mais de meio milhão de habitantes, segundo prévia do Censo realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de Aparecida de Goiânia tem se expandido geograficamente com pouco planejamento urbanístico. Assim também, se desencadeia uma série de problemas básicos, entre os quais: falta de pavimentação asfáltica, abastecimento de água, tratamento de esgoto, falta de segurança pública, transporte público insuficiente, ausência de atendimento hospitalar, poucas vagas para crianças em Cmeis e escolas.
Nas últimas décadas, foram liberados inúmeros loteamentos na cidade, embora tendo ocupação parcial de bairros existentes. Para se ter ideia, na década de 1990, na região Sudoeste do município surgiram os setores mais populosos atualmente, em meio a doação de lotes pela Prefeitura de Aparecida de Goiânia, paralelamente a invasões. Nesse período, rapidamente famílias ocuparam os setores, que receberam os nomes de Jardim Tiradentes, Cidade Livre e Independência Mansões.

Sem qualquer controle, áreas de proteção ambientais, como a Serra das Areias, margens de córregos e faixas ribeirinhas, foram habitadas diante de vistas grossas das autoridades. Nesse contexto, expandiu-se parte do Setor Nova Cidade e recentemente há cerca de 56 famílias na Ocupação Beira-Mar, a poucos metros das águas do Córrego Santo Antônio. Em 2021, houve duas ações de despejos. No entanto, o Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno denunciou que as atuações não partiram de mandado judicial ou administrativo. Com isso, as famílias seguem morando no local em barracos improvisados na base de uma encosta de barranco.
A partir de 2018, houve outras várias tentativas de invasões à Serra das Areias, porém foram repelidas. Uma próxima ao Setor dos Estados e outra perto do Dell Fiori, bairros separados pela colina. “Mas para além de ser uma questão de proteção ambiental, as ações para coibir esse tipo de ocupação passa pelos planos habitacionais e outros de urbanização que atraiam as pessoas para lugares consolidados e não nas áreas periféricas e ambientalmente protegidas. A Serra das Areias nunca foi objeto de programa ou investimento enquanto estive na gestão (de 2009 a 2014) e penso que, enquanto não houver política habitacional, esse problema vai perdurar”, lamenta a urbanista e arquiteta Maria Ester, que trabalhou na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) de Aparecida.
“A expansão urbana desenfreada sempre será um problema para a gestão, pois, numa cidade que mal conseguiu se organizar no território consolidado, ampliar seu espaço urbano é ambientalmente errôneo”
Maria Ester, urbanista e arquiteta
Na região Leste, onde está instalado o aterro sanitário (antigo lixão), famílias em vulnerabilidade social, que sobreviviam da coleta de lixo, passaram a morar em barracos de lonas em volta do lixão da cidade. Líder comunitária, a gari Francisca Barbosa, de 41 anos, recorda que na época do ‘lixão’ viviam no local 147 famílias, porém, em 2013 foram retiradas, mas continuaram vivendo nas redondezas. Lá, próximo, surgiu o Setor Terra do Sol. Entretanto, o que tem em comum todas essas localidades é a segregação, que por falta de políticas públicas de habitação atraem famílias de vários municípios goianos e de outros estados, em busca de melhoria de vida em uma cidade próxima de Goiânia.
Concomitantemente, nas regiões centrais de Aparecida de Goiânia os loteamentos passaram por situações de vazios urbanos, com alguns lotes adquiridos por especulação imobiliária ou a espera de infraestrutura básica para habitar, que foram abandonados. Nesse contexto, há bairros mais antigos na cidade que não possuem asfalto e nem qualquer aparelho público. Para efeito de comparação, o Rosa dos Ventos, na região Leste, tem mais de 40 anos, conta com cerca de 6 mil habitantes e não tem asfalto. Diferente, por exemplo, do Independência Mansões, que teve todas as ruas pavimentadas faz mais de 15 anos. Todavia, o bairro teve um boom populacional em 1995, abrigando rapidamente 17 mil habitantes, de acordo com dados da prefeitura. “A expansão urbana desenfreada sempre será um problema para a gestão, pois numa cidade que mal conseguiu se organizar no território consolidado, ampliar seu espaço urbano é ambientalmente errôneo”, cita Maria Ester.

Para a especialista em urbanização, praticamente, nenhuma cidade média brasileira conseguiu unir crescimento populacional com infraestrutura urbana. “Aparecida, especialmente, teve um surto de liberação de loteamentos na década de 1970, sem infraestrutura, que não acompanhou sua ocupação, o que causou uma espécie de vazio de gente e vimos a cidade espraiada ser chamada de cidade-dormitório. Hoje com um pouco mais de investimento nos últimos dez anos a cidade ainda enfrenta problemas pois o processo de crescimento sempre supera as obras que parecem nunca ser suficiente”, frisa.
“Mesmo tendo deixado de trabalhar no município há mais de oito anos, os gargalos na questão da infraestrutura de Aparecida parecem ser os mesmos: drenagem, mobilidade e saneamento básico sempre estarão carentes de mais investimentos pois a população se movimenta, usa a cidade, consome e o município tem que dar conta de tudo. A gestão também é lugar de gargalo quando não se moderniza, cria um problema para si mesmo e dificulta a vida da população”, afirma. Segundo Maria Ester, os problemas básicos assim requerem atenção do poder público dioturnamente. “No caso do transporte coletivo ainda temos uma cultura na gestão que não prioriza essa função e acaba por deixar a população mais carente dependente de soluções individuais. Mesmo com planos nacionais referenciando os caminhos para se atingir um melhor grau de mobilidade para todos, as constantes intervenções em trânsito parecem não corresponder a uma correta ação que culmine com inclusão e acessibilidade reais”, entende.
Neste início de ano, em decorrência das chuvas, começaram a pipocar os microproblemas de Aparecida. Nas ruas asfaltadas, os buracos surgem por toda parte; e nas sem pavimentação, a lama substitui a poeira do período de estiagem. Nos lotes baldios, o mato cresce ao ponto de ultrapassar muitas casas. Isso tudo, desfecha para os grandes argalos. Entre eles: insegurança, falta de transporte público, ausência de coletas de lixo em locais onde caminhões não conseguem trafegar e a proliferação de doenças, que sobrecarregam os poucos hospitais da cidade. Conforme dados da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), Aparecida de Goiânia aparece como a segunda cidade goiana em óbitos e casos de dengue, em 2022.
“O município pode desenvolver um trabalho de prevenção à violência e a criminalidade, por meio da prevenção… que é a iluminação pública, a limpeza de lotes, dos logradouros públicos, como praças. Isso ajuda muito”
Edemundo Dias, ex-secretário de Administração Penitenciária de Goiás
Acerca da pavimentação asfáltica, a assessoria de imprensa de Aparecida justifica que faltam 23% dos bairros aparecidenses serem asfaltados. Sobre o abastecimento de água e tratamento de esgoto, a Saneago, cujo contrato com o município tem vigência até 2041, informou que a cidade conta com 82% da população atendida com abastecimento de água tratada e 80% com cobertura de esgoto. “Os trabalhos são para a universalização desses índices”, cita a nota. “Aparecida está em destaque no cenário nacional e desponta como a segunda cidade que mais subiu no Ranking do Saneamento 2022. A informação é do Instituto Trata Brasil, em parceria com GO Associados, que divulgou estudo avaliando os indicadores de saneamento dos 100 maiores municípios brasileiros. A melhora foi alavancada, principalmente, pelos investimentos totais sobre a arrecadação, na ordem de 74%”, acrescenta.
No final do segundo mandato do ex-prefeito Maguito Vilela (MDB), que morreu em janeiro de 2021, para Aparecida foi elaborado o projeto Cidade Inteligente. O modelo é espelhado em cidades da Europa. O conceito consiste na modernização do transporte público, com integração eficiente entre modais e desenvolvimento de meios de transportes menos poluentes; agilidade para a execução dos serviços de emergência, essencialmente devido a uma melhor gestão de processamento de informação, gerando assim um curto tempo de resposta; aumento na eficiência do uso de recursos naturais; melhoria nos meios de comunicação, com a disponibilização para a população de mais canais de troca de informações; redução do uso de papéis, já que o arquivamento de documentos é feito principalmente de forma digital. Na cidade foi implantado o videomonitoramento 24 horas, que inicialmente contava com equipes de múltiplos departamentos, como de segurança pública e saúde. Recentemente, a licitação para implantação de lâmpadas leds foi cancelada pelo Tribunal de Contas do Município de Goiás (TCM-GO), que apontou irregularidades no edital.
Ex-secretário de Governo da Prefeitura de Aparecida, na gestão de Maguito, Euler Morais, lamenta que o projeto de Cidade Inteligente não tenha avançado no município. O ex-deputado lista gargalos estruturais importantes para o desenvolvimento da cidade. Dentre os quais: a construção de viadutos e trincheiras para destravar o trânsito em locais estratégicos. Para este ano, o prefeito Vilmar Mariano anunciou que realizará muitas obras de infraestrutura. Nesse sentido, um novo empréstimo deve ser feito. “Isso precisa do aval do governo federal, do tesouro nacional. Parece-me que Aparecida tem capacidade de pagamento”, destaca. “Eu acredito que o prefeito, por ter anunciado, ele precisa estar muito seguro de tudo está confirmado e é só fazer as formalidades para começar a liberação dos recursos”, entende.
Segurança pública

Para o advogado e ex-secretário de Administração Penitenciária de Goiás, Edemundo Dias de Oliveira Filho, a segurança pública, apesar de ser feita pelo Estado, via Polícias Militar e Civil, a responsabilidade recai sobre as prefeituras. Localmente, as gestões precisam promover políticas públicas de combate ao fomento da violência. Ele cita, por exemplo, a questão das drogas, destacando que na próxima semana terá uma reunião com o prefeito de Aparecida de Goiânia, Vilmar Mariano (Patriota), para discutir, entre diversas demandas, a segurança pública. Ele salienta que o município precisa aproveitar a sinalização do governo federal para o combate à fome e a implantação de políticas públicas sociais para as famílias.
“Os municípios podem contribuir muito no aspecto preventivo, porque segurança pública não é só repressão”, pontua. “Eu acredito que, agora, com o novo governo federal, centralizando as ações muito no combate à fome, vai dar uma ênfase muito grande nas políticas sociais, de enfrentamento à fome e à desigualdade social. Eu acho que isso pode ajudar na prevenção das questões que vão se refletir na segurança pública. Então a minha ideia é que o prefeito Mariano aproveite essa oportunidade e possa catalisar aqui em Goiás, um projeto que pode ter uma repercussão nacional na área de prevenção às drogas”, aponta.
Edemundo classifica o comércio de entorpecentes “como instrumento financeiro mais poderoso dos crimes organizados”. Além disso, envolve a questão de saúde pública e problemas sociais. “O município pode desenvolver um trabalho de prevenção à violência e a criminalidade, por meio da prevenção e tratamento aos dependentes de drogas, bem eficaz”, ressalta. Nesse sentido, ele pontua que a segurança pública está conectada com a infraestrutura da cidade. “Existem as prevenções básicas, que é a iluminação pública, a limpeza de lotes, dos logradouros públicos, como praças. Isso ajuda muito”, salienta.
Educação
Presidente regional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), em Aparecida de Goiânia, Valdeci Português, elenca algumas situações problemáticas na Educação básica do município. Ele cita a falta de vagas para Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis). O número de unidades não é suficiente para atender a maioria da população. Nas escolas, há o déficit de professores. O caso da cidade é crítico, sendo que em menos de uma década foi realizado um concurso público para a contratação de quase mil profissionais e, neste ano, abriu-se um processo seletivo, que em menos de dois meses, deve contratar imediatamente 400 profissionais. Em contrapartida, os concursos lutam por equiparação salarial horizontal e vertical. Esses critérios constam no contracheque dos profissionais, determinando os aumentos de ganhos baseados em letras (horizontal) e número (vertical), conforme os anos de atividades. O direito faz parte do Estatuto do Magistrado municipal, no entanto, segundo Português, há professores com mais de 7 anos no município sem receber esses benefícios.
Por outro lado, a população sofre com falta de vagas na rede de ensino. No final do ano passado, pais do Setor Alto Paraíso denunciaram que não estavam conseguindo vagas para os filhos. De acordo com a professora Solange Amorim, do Comando de Lula pela Educação, a Secretaria Municipal de Educação (SME) abriu algumas salas de 6º e 7º anos na Escola Municipal José dos Santos, no bairro, porém, não foi suficiente, ficando vários alunos “sem vaga e os pais não sabem o que fazer”. “A situação da educação em Aparecida não teve novidades desde nossas últimas manifestações. Estamos sem 13,01 % restante do piso, mais de mil servidores sem cumprimento do plano de carreira. Agentes educativos fazendo a função de professor sem receber por isso. O déficit é enorme de servidores”, denúncia.
Saúde

A prestação de saúde no município enfrenta problemas de todos os aspectos, como falta de médicos. Resulta da falta de investimentos e concurso público, que garante estabilidade, boa remuneração e benefícios. Apesar da construção e operação do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (Hmap), essa área não tem tido respaldo, mas virado caso de polícia e da Justiça. Em apenas quatro anos, o Hmap, inaugurado em dezembro de 2018, passou por inúmeras denúncias e de uma investigação policial, que tramita na Justiça Federal. A antiga Organização Social (OS), Instituto Brasileiro de Gestão Hospitalar (IBGH), que feria a unidade de saúde até o ano passado, foi acusada de desviar cerca de R$ 6 milhões, que seriam destinados principalmente ao combate da Covid-19. Antes de entregar a gestão para a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE), não havia quitado vários meses salariais de funcionários.
Outro caso sério é em relação à maternidade pública. É comum moradoras de Aparecida darem luz aos filhos em Goiânia, por falta de opções. Uma das únicas unidades de saúde para a realização de partes, a Maternidade Marlene Teixeira, no Setor Vila Brasília, vem funcionando por meio de liminar emitido pela Justiça Federal. É que por diversas irregularidades, as quais colocam em risco o exercício da medicina, o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) determinou a suspensão ética da unidade. Com tantos problemas, a prefeitura estuda a sua desativação e mudança para o Hospital Garavelo. Da época do ex-prefeito Maguito, uma grande estrutura foi construída no Jardim Boa Esperança, para abrigar uma nova maternidade, porém, falhas de engenharia “condenaram” o prédio, que virou Centro de Especialidades e, durante a pandemia de Covid-19, funcionou para vacinação e atendimentos emergenciais. Atualmente, está sem operação.