O mundo acordou nesta sexta-feira, 13, com a notícia que o exército israelense ordenou que cerca de 1,1 milhão de habitantes do norte da Faixa de Gaza se deslocassem para o sul dentro de 24 horas. As informações foram passadas por Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Segundo avaliação da ONU, tamanho deslocamento nesse prazo seria “impossível sem consequências humanitárias devastadoras”.

Até o momento, morreram mais de 2,200 palestinos e cerca de 10 mil ficaram feridos no conflito que teve início no último sábado, 7. As mortes aconteceram na Faixa de Gaza e foram confirmadas pelo Ministério da Saúde da Palestina e mais de 60% dos mortos e feridos são mulheres e crianças. Ao menos 12 pessoas que trabalhavam para a Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas (UNRWA) foram mortas em Gaza.

Israel também ordenou um “cerco completo” ao local, incluindo a suspensão do fornecimento de eletricidade, alimentos, água e combustível. A União Europeia e as Nações Unidas criticaram fortemente a tática, alertando que a retenção de fornecimentos essenciais “precipitará uma grave crise humanitária em Gaza, onde a sua população corre agora um risco inevitável de fome”. Cerca de 2,3 milhões de palestinos vivem em um cerco de 360 km², fazendo com que a Faixa de Gaza seja “um dos territórios mais densamente povoados do mundo”, de acordo com a ONG israelense Gisha.

Jamal Hussein, da primeira geração de palestinos do Brasil, diz que o coração está rasgado com a tragédia. Em conversa com o Jornal Opção, ele explicou que historicamente judeus e muçulmanos sempre conviveram de forma harmoniosa, cada um com a sua fé, cada um com seus locais sagrados, e a partir de 1948, iniciaram-se os conflitos. 

“Minha avó materna é viva ainda, ela tem 88 anos e viveu na Palestina pré-48, antes da criação do Estado de Israel. Ela me disse que árabes e judeus sempre conviveram muito bem antes da criação do Estado. Depois disso, Israel invadiu territórios palestinos, expulsou pessoas e vem fazendo isso até os dias de hoje. Então, chamar de conflito, eu acho que pode até ser usado esse termo, mas o que acontece mesmo pela desproporcionalidade é um massacre mesmo”, explicou ele. 

O presidente palestino, Mahmoud Abbas, condenou a violência contra civis durante a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. “Rejeitamos as práticas de matar civis ou de abusar deles em ambos os lados porque violam a moral, a religião e o direito internacional”, disse Abbas, de acordo com a agência de notícias oficial palestina Wafa. A fala foi feita durante uma reunião em Amã com o rei da Jordânia, Abdullah II.

Existem na região cerca de 5 milhões de palestinos. Além dos que vivem em Gaza, pouco mais de 2,7 milhões também se dividem no território da Cisjordânia. A Palestina, região localizada no Oriente Médio, possui um território dividido entre duas áreas distintas, sendo a primeira delas a Faixa de Gaza, que faz fronteiras terrestres a leste e ao norte com Israel, e a sudoeste com o Egito. A segunda é a Cisjordânia, localizada entre Israel, que corresponde às fronteiras norte, sul e oeste, e à Jordânia, a leste. Inserida nessa região está a maior parcela do Mar Morto, na divisa meridional com as terras israelenses.

Região em amarelo é ocupada pelo Estado de Israel e região em veremelho é ocupada pelo povo palestino. | Foto: Jornal Opção

Jamal explicou que em uma guerra, não deve-se escolher lados, mas deveria haver um olhar mais humanitário à população civil, que é a que mais sofre. “As pessoas não podem tomar partido simplesmente pelo que ouviram há três ou quatro dias atrás. Vamos em busca da verdade, em busca de se informar. O que a gente espera é chegar num acordo. Não dá pra mensurar o nível de desespero das pessoas na Faixa de Gaza e do lado israelense também com o Hamas. De repente, soa uma sirene e as pessoas correm para um quarto a prova de bomba e míssil dentro das suas casas. É assustador”, contou.

Para Sayid Tenorio, historiador e pesquisador da Palestina e do Oriente Médio, existem três momentos históricos cruciais que estão na raiz da tragédia vivida atualmente pelo povo palestino. “O primeiro foi a fundação do Movimento Sionista no final do Século XIX, um movimento racista de europeus que nunca haviam posto os pés na Palestina, mas que passaram a cobiçar a Terra Santa, como um hipotético “Lar dos Judeus”. O segundo foi a promessa do Império Britânico de ceder a Palestina para ser esse lugar imaginário dos sionistas (Declaração Balfour, 2/11/1917). E por fim, o terceiro foi a aprovação do Plano de Partilha da Palestina em dois estados, promovido pela ONU em 29/11/1947, criando as condições para a criação do Estado de Israel, em 14/5/1948, dando início a um processo de expulsão dos moradores originários”, explicou Sayid, que possui origem mourisca (árabes muçulmanos da Península Ibérica). 

Origem histórica do conlfito

Foi na Faixa de Gaza que começou uma longa série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que determinaram a história recente da região. Há décadas existe tensão entre Israel e o Hamas, grupo armado que passou a controlar a Faixa de Gaza em 2007. Gaza foi governada, destruída e repovoada por diversas dinastias, povos e impérios, desde os antigos egípcios, centenas de anos antes de Cristo, até o século 16, quando caiu nas mãos do Império Otomano.

O território fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlado pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado. Durante a Primeira Guerra Mundial, turcos e britânicos chegaram a um acordo sobre o futuro da Faixa de Gaza e da maioria dos territórios árabes na Ásia que pertenciam ao Império Otomano.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém-criada Organização das Nações Unidas. Em 1947, a ONU aprovou a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). A resolução entrou em vigor em maio de 1948, pondo fim ao Mandato Britânico da Palestina e criando o Estado de Israel.

Os enfrentamentos entre as partes envolvidas começaram quase imediatamente, desembocando na guerra árabe-israelense de 1948. Com o conflito, centenas de milhares de refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza. Depois do armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, um conflito entre Israel e uma coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria. Israel venceu o conflito e, desde então, ocupa a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de violentos combates que chegaram até os dias de hoje.

A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses aconteceu na Faixa de Gaza, em 1987. No mesmo ano, foi criado o grupo fundamentalista Hamas, que se estenderia posteriormente aos outros territórios ocupados. Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. 

Após uma segunda intifada, muito mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza em 2005. Um ano depois, o Hamas venceu de forma clara as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo presidente da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o o grupo mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos.

Hamas não representa totalidade da população palestina

Combatentes palestinos da ala militar do Hamas. | Foto: Getty Images

O Hamas é o maior dentre diversos grupos de militantes islâmicos da Palestina. O nome em árabe é um acrônimo para Movimento de Resistência Islâmica, que teve origem em 1987 após o início da primeira intifada palestina. Em seu estatuto, o Hamas se comprometeu com a destruição de Israel. O grupo inicialmente tinha o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel, liderada por seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos. 

Desde 2005, quando Israel retirou tropas e colonos de Gaza, o Hamas também se envolveu no processo político palestino. Venceu as eleições legislativas em 2006, pouco antes de reforçar seu poder no ano seguinte, derrubando o movimento rival Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Desde então, militantes em Gaza travaram três guerras com Israel, que junto com o Egito manteve um bloqueio na região para isolar o Hamas e pressioná-lo a interromper os ataques. 

Em 2021, quando o conflito alcanlçou nova escala, o Hamas e Israel voltaram a lançar mísseis depois que um grupo de palestinos foi impedido de entrar no complexo da mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, um dos locais mais reverenciados pelo islamismo, no dia mais sagrado para o Islã. O complexo também é o local mais sagrado do judaísmo, conhecido como Monte do Templo, e é um foco frequente de confrontos entre israelenses e palestinos. 

Os palestinos reivindicam Jerusalém Oriental como a futura capital de um Estado independente. Em outubro deste ano, o grupo lançou um ataque surpresa no sul de Israel. O acontecimento foi considerado “sem precedentes” e uma das maiores falhas de segurança do país em 50 anos. O Hamas como um todo, ou em alguns casos sua ala militar, é classificado como um grupo terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, bem como outras potências globais. Já o Brasil segue as diretrizes da ONU e não classifica o grupo como terrorista. Um grupo de deputados, no entanto, pediu que o Ministério das Relações Exteriores mude o posicionamento e classifique o grupo como organização terrorista.

Em pesquisa realizada no mês de julho, do Centro Palestino de Pesquisas em Política e Estudos de Opinião, instituto independente sem fins lucrativos, 51% da população local esperava pela terceira revolta palestina da história. Meses antes, em março, a expectativa era ainda maior: 61% deles esperavam por uma nova erupção de resistência armada.

A última pesquisa do Centro mostrou forte apoio palestino à resistência armada contra Israel: 71% concordam com a formação de grupos armados. Outros 86% não acham que a Autoridade Palestina tem o direito de prender membros de grupos armados e 80% são contrários à ideia de que esses grupos se rendam e entreguem suas armas ao órgão.

Crise humanitária em Gaza

Casas destruídas após ataques aéreos israelenses na cidade de Beit Hanun, no norte da Faixa de Gaza. | Foto: Divulgação

Em meio à escassez de suprimento vitais na Faixa de Gaza, a crise humanitária tem se escalado no enclave à medida que se intensificam os bombardeios israelenses à região, em retaliação ao devastador ataque terrorista cometido pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas no fim de semana. A retalização do Estado de Israel tem matado, em sua maioria, mulheres e crianças palestinas.

Nesta sexta-feira, 13 os conflitos se espalharam para além de Gaza, com mortos na Cisjordânia e bombardeios no Líbano. Ao menos 11 pessoas morreram e 239 ficaram feridas em confrontos entre forças de segurança e manifestantes pró-Palestina na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

Os alimentos e a água estão “esgotando-se rapidamente”, disse na quinta-feira o vice-chefe de emergências do Programa Alimentar Mundial da ONU, Brian Lander. A única central elétrica de Gaza parou de funcionar na quarta-feira, 11, depois de ficar sem combustível. Os hospitais deverão ficar sem combustível a qualquer momento, levando a condições “catastróficas”, como alertou o Ministério da Saúde palestino.

O Comité Internacional da Cruz Vermelha alertou que os hospitais do enclave “correm o risco de se transformarem em necrotérios” após o cerco de Israel. A Ministra da Saúde palestina, Mai al-Kaila, pediu assistência internacional urgente para ajudar a criar hospitais de campanha na Faixa de Gaza e fornecer medicamentos e suprimentos médicos.

A Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA) alertou para a crise hídrica na região. “Os abrigos estão superlotados e têm disponibilidade limitada de alimentos, itens não alimentares e água potável”, disse o órgão em comunicado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou as redes sociais para fazer um apelo a ONU e à comunidade internacional. “É preciso que o Hamas liberte as crianças israelenses que foram sequestradas de suas famílias. É preciso que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito. É preciso que haja um mínimo de humanidade na insanidade da guerra” publicou.

Publicação de Lula no dia 11 de outubro. | Foto: Twitter

Além do cerco, as Forças Armadas de Israel têm concentrado milhares de tropas nos arredores da Faixa de Gaza, indicando uma potencial invasão iminente por terra do território palestino. Quatro rodadas anteriores de combates entre Israel e o Hamas entre 2008 e 2021 terminaram de forma inconclusiva, com o Hamas abatido, mas ainda no controle da região.

Acordos de paz e possível solução de conflitos

As conversações de paz entre Israel e a Palestina foram realizadas intermitentemente entre as décadas de 1990 e 2010, intercaladas com surtos de violência. A criação e delimitação de um estado palestino independente poderia ser a solução? Foi o que perguntou a reportagem aos palestinos e especialistas em Oriente Médio, como Sayid Tenorio.

“Esta é uma das razões da luta incansável, heroica e permanente do povo palestino e de seus movimentos de resistência. O fim da ocupação, o retorno dos exilados (Resolução 194 – 2/8/1949), o reconhecimento do Estado palestino livre e soberano e com suas fronteiras definidas, é a maior aspiração dos palestinos, que esperam há 76 anos pela sua concretização. Além disso, a libertação de todos os prisioneiros políticos palestinos (hoje são mais de 4 mil, incluindo crianças, mulheres e idosos)”, explicou o historiador.

Já Jamal Hussein tem dificuldades em acreditar em uma possível solução de conflitos. Para ele, é difícil palestinos e israleneses conviverem bem em um cenário pós guerra, onde terão que lidar com o luto das perdas, o ressentimento e a necessidade de reconstrução da devastação causada pela guerra. Além disso, ele critica a postura da ONU na mediação dos conflitos.

“Temos pessoas abaixo da lei, temos pessoas dentro da lei e temos o Estado de Israel que está acima da lei. Então, pouco importa o que a ONU ou qualquer outra instituição internacional diga, Israel vai fazer aquilo que lhe convém, baseada única e exclusivamente no seu poderismo. Eu vejo a ONU como uma instituição, talvez cheia de boas intenções, mas ineficiente”, concluiu ele.

A estrutura da ONU é constituída por seis órgãos principais: Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Administração Fiduciária, Corte Internacional de Justiça e Secretariado. Frequentemente, os conselhos se reunem e criam resoluções sobre a guerra, mas até hoje a organização não conseguiu chegar em um acordo de paz.

O Programa Mundial de Alimentos, PMA, e a Unrwa coordenam a distribuição de porções às pessoas deslocadas nos abrigos em Gaza. De acordo com a coordenadora humanitária para o Território Palestino Ocupado, Lynn Hastings, o acesso dos trabalhadores humanitários e dos fornecimentos a Gaza foi cortado esta semana. A violência também limitou a capacidade da prestação de ajuda.No entanto, a Organização Mundial da Saúde, OMS, outras agências da ONU e parceiros continuaram a trabalhar para estabelecer um corredor para chegar às pessoas em Gaza.

Aline Arruda, professora de Relações Internacionais do CEUB, explica que as autoridades precisam entrar em acordo de paz. “É necessário um acordo entre as autoridades ali para gerar o fim do conflito, isso vai precisar acontecer porque o que está acontecendo ali não é uma guerra, são muitos ataques que a gente pode chamar de terroristas em alguma medida porque não respeitam nenhuma normativa ou razoabilidade de direito internacional de conflitos armados, então atacam civis, atacam hospitais, mulheres, crianças, idosos”, explicou a professora.

Guerra teve início no último sábado, 7. | Foto: Getty Images