Por que o trânsito em Goiânia está ficando cada vez mais congestionado? Especialistas explicam

02 junho 2024 às 00h01

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De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, Goiânia possui cerca de 1.437.366 habitantes. Se somarmos toda a Região Metropolitana da capital, incluindo as cidades de Senador Canedo, Trindade e Aparecida de Goiânia, esse número salta para 2.471.651. Conforme os dados do Departamento de Trânsito de Goiás (Detran-GO), repassados pela Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), o número de veículos cadastrados no Detran chega a 1.438.000.
No entanto, segundo a pasta, aproximadamente 850 mil veículos circulam pelas vias da capital diariamente. O secretário executivo da SMM, Ciro Meireles, explica que essa quantidade se deve ao fato de que a maioria das pessoas possui dois ou três carros. Ainda de acordo com as informações do censo de 2022, Goiânia possui a sexta maior frota do país, ficando atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. Além dos carros, há mais de 300 mil motos circulando.
Ademais, os registros do Painel de Informações do Detran indicam que cerca de 40 novos veículos são colocados nas ruas todos os dias. O resultado desse aumento constante de carros se reflete na mobilidade da capital. Meireles destaca que Goiânia foi projetada para no máximo 55 mil veículos. “Hoje nós temos praticamente um veículo por habitante.”

Com mais carros disputando o mesmo espaço nas ruas, os problemas são inevitáveis. O goianiense já está se acostumando com longas filas de congestionamentos espalhadas por toda a cidade. Antigamente, os engarrafamentos eram vistos apenas nos chamados horários de pico, ou seja, das 6h às 8h30 e das 17h30 às 20h. Entretanto, atualmente, eles estão presentes a qualquer hora do dia e se espalharam por todos os bairros.
Obras de Intervenções
Ciro Meireles esclarece que a atual gestão da capital tem trabalhado para melhorar e dar mais fluidez ao trânsito da cidade. “A SMM tem atuado em intervenções por toda a cidade com a intenção de desafogar o trânsito, realizando alargamentos de pistas, transformando ruas em sentido único, retirando estacionamentos de ambos os lados e eliminando o terceiro tempo dos semáforos”, afirma.

Ele aponta mudanças em vários bairros que apresentam maiores congestionamentos, como no Jardim América, Marista, Bueno, Parque Amazonas, Nova Suíça, Jardim Novo Mundo, Alto da Glória, Parque Oeste Industrial, Vila Redenção, Região Central e na Avenida 44. “A SMM está trabalhando sem descanso para melhorar a vida dos usuários das vias públicas”, destaca.
Ciro Meireles garante que todas as intervenções têm surtido efeitos positivos e gerado mais fluidez ao trânsito. “Temos contagem de origem e destino e do tempo que cada carro gasta para atravessar determinado trecho. Nós fazemos essa pesquisa antes e depois das intervenções.”
Ele cita as ações da pasta realizadas recentemente no Parque Oeste Industrial, onde foram retiradas duas rotatórias. “No local, passam cerca de 70 mil veículos por dia e o tempo de espera para os motoristas chegava a até 40 minutos. Agora, estão gastando menos de dez minutos”, conta.
O secretário relata que algumas mudanças poderão surtir efeitos positivos de imediato, enquanto outras poderão demorar um pouco mais. Ele argumenta que é natural que as pessoas demorem a se adaptar às mudanças. Ele enumera as intervenções feitas na Rua Dr. Constâncio Gomes, no setor Criméia Leste. No local, a reportagem apurou que as mudanças realizadas pioraram a vida dos condutores, com vários motoristas pedindo ajuda ao Jornal Opção.
Manoel Rodrigues, 46, contabilista, mora no Itatiaia e, para chegar ao trabalho no setor Nova Suíça, está levando cerca de 55 minutos. Ele diz que, antes das mudanças, esse tempo era de no máximo 35 minutos. “Somente nesse trecho eu levo mais de 10 minutos parado. Antes de mexerem aqui, nem havia congestionamentos. Na verdade, até hoje eu não sei por que fizeram essa mudança para pior”, reclama.

Ciro Meireles, contudo, pondera que, quando a SMM percebe que uma medida não teve efeito positivo, a pasta volta atrás. “Não temos compromisso com o erro e, a partir do momento que percebemos que alguma ação não deu certo, não temos problema nenhum em voltar e fazer as alterações necessárias”, diz. Porém, de acordo com Meireles, dados mostram que as intervenções feitas no local deram maior fluidez ao trânsito.
O secretário da SMM reconhece que o trânsito de Goiânia está cada vez mais complicado, mas ressalta que a prefeitura tem feito sua parte incansavelmente. “As pessoas precisam entender que Goiânia cresceu e virou uma metrópole. Já ouvi moradores de Goiânia dizer que em Brasília e em Curitiba, por exemplo, o trânsito flui, e eu digo: lógico, nessas cidades as ruas têm sentido único e são largas, isto é, foram projetadas para dar essa fluidez ao trânsito. Nosso problema é que a cidade cresceu desordenadamente, tanto verticalmente quanto horizontalmente”, explica.
Meireles concorda que o problema se alastrou para os bairros mais afastados, mas enfatiza que as obras da SMM estão em toda parte da cidade. “Não nos preocupamos somente com os bairros mais centralizados; nossa preocupação é melhorar o trânsito para toda a população de Goiânia”, garante.
Ele nomeia algumas avenidas onde se concentram os maiores gargalos atualmente: as Avenidas T9, T63, T7, Mutirão, e Castelo Branco; algumas ruas do Marista e Bueno, e a Jamel Cecílio são alguns exemplos. Ciro, contudo, revela que, com a chegada da tecnologia dos semáforos inteligentes, esses pontos irão melhorar.
Ciro Meireles admite que, no que diz respeito à tecnologia nessa área, Goiânia está muito atrasada. “Estamos muito atrasados. Para se ter uma ideia, o sincronismo hoje é feito de forma manual. Atualmente, somente um trecho da Avenida Assis Chateaubriand, Avenida 85, e na Jamel Cecílio possui um sincronismo tecnológico. Estamos instalando de forma gradual porque a prefeitura não obteve êxito em uma licitação para trazer uma empresa que assuma o sistema semafórico da cidade e implante esse sistema por GPS em todos os semáforos.”
Questionado sobre os carros que formam filas duplas em portas de escolas particulares nos horários de deixar e pegar alunos, contribuindo para a lentidão nessas ruas, Ciro Meireles ressalta: “Temos fiscalizado e autuado todos os dias. Mas, infelizmente, a maioria dos responsáveis não respeita o próximo. Estamos dependendo de uma licitação para colocar mais de 700 novos pontos de monitoramento pela cidade, e essas escolas e igrejas serão monitoradas em tempo real.”

Em referência às faixas reversas, Meireles explica que as experiências mostraram que em Goiânia elas não funcionam; pelo contrário, pioram a situação. “Fizemos um teste na Avenida Castelo Branco e os resultados não foram satisfatórios. Observamos que Goiânia tem muitos cruzamentos e, para esse sistema dar certo, precisaríamos de, no mínimo, dois agentes em cada cruzamento. Isso significa mais gastos e mais transtornos do que benefícios. Via reversa é inviável para a nossa cidade, mas estamos buscando formas de resolver esses gargalos”, assegura.
Atualmente, existem duas grandes obras em andamento que irão garantir uma boa fluidez no trânsito, de acordo com Ciro Meireles: as ações na Avenida 85 e o viaduto da Leste Oeste com a Avenida Castelo Branco.
Especialistas
Erika Kneib, urbanista, doutora em transportes e professora na Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que Goiânia enfrenta uma situação similar a outras grandes cidades brasileiras. “Uma cidade e uma gestão pública que ainda priorizam o uso do automóvel (carro e moto) resultam em muitos deslocamentos por esses meios, especialmente nos horários de pico. Não há cidade grande que consiga comportar isso”, observa.

Erika sublinha que a sociedade e a gestão pública precisam trabalhar para equilibrar melhor os modos de transporte: “Os deslocamentos para curtas distâncias precisam ser feitos prioritariamente a pé e por bicicleta, enquanto longas distâncias devem ser feitas prioritariamente por transporte coletivo”, enfatiza.
De acordo com a urbanista, o automóvel deve ser utilizado apenas quando estritamente necessário. “Hoje, é o contrário: as pessoas utilizam automóveis para praticamente todos os deslocamentos. Isso gera poluição, acidentes e congestionamentos. Nos horários de pico e até fora deles, praticamente todas as ruas e avenidas estão congestionadas”, diz.
Para a professora, a solução não é construir mais vias e viadutos. Isso já é consenso, pois apenas incentiva as pessoas a utilizarem mais carros e motos. “Construir mais vias e viadutos pensando na fluidez do automóvel é como ‘enxugar gelo’. Não resolve”, avalia.
Erika destaca que as mudanças realizadas pela SMM não geram efeitos positivos. “Construir vias e viadutos pensando em aumentar a velocidade e fluidez dos automóveis não tem resultados positivos no médio e longo prazo. Ao invés disso, só agrava os índices de acidentes e congestionamentos”, analisa.
Ela ressalta a necessidade de um planejamento urbano integrado entre uso do solo e sistemas de transporte, que envolve um conjunto de ações e medidas. “Depois, é necessário implantar com celeridade e eficiência o que foi planejado. Priorizar o transporte coletivo para que seja rápido e eficiente; tornar a caminhada e o uso da bicicleta rápidos e seguros; rever e repensar as características das vias de Goiânia, especialmente a velocidade, para que sejam mais seguras e possibilitem a caminhada e o uso da bicicleta com qualidade; permitir que as atividades urbanas sejam localizadas de forma a melhorar a mobilidade urbana. A fiscalização de trânsito é fundamental para garantir segurança”, explica.
O engenheiro de transporte e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, observa que a cidade cresce sem muito ordenamento, e as pessoas vão morar cada vez mais longe. “Muitas vezes, as pessoas não pensam no tempo necessário para chegar em casa, levar os filhos à escola, fazer compras, enfim, tudo exige um maior deslocamento de carro, e como as ruas não têm como crescer, o trânsito piora”, relata.

Marcos Rothen ressalta que o poder público deveria observar o plano diretor da cidade, controlando seu crescimento e priorizando o transporte coletivo em vez do individual. Além disso, deve gerenciar o trânsito por meio da engenharia de tráfego. “Mas é importante que as pessoas saibam que, mesmo com uma boa engenharia, se morarem longe, enfrentarão trânsito”, constata.
O professor avalia que existem poucos profissionais para dar conta do trabalho. “O poder público falha ao não dar prioridade ao trânsito. Na prefeitura, existem poucos engenheiros, poucos agentes de trânsito e poucos planejadores. Sem material humano, não adianta ter tecnologia”, denuncia.
Para ele, a mobilidade urbana é de total responsabilidade da gestão executiva municipal. Ele enfatiza que, se os responsáveis priorizassem uma boa engenharia de tráfego e o transporte coletivo, já ajudaria muito nesse processo. Porém, ele destaca que a população também pode colaborar. “É importante que as pessoas também se preocupem com o local onde vão morar. Nem todos têm a opção de escolher, mas aqueles que têm devem pensar na mobilidade ao escolher uma casa. É importante que as pessoas possam andar a pé em vez de usar o carro. Andar de bicicleta em vez de usar o carro, mas isso só é possível se morarem próximo do trabalho, das escolas e do comércio”, sublinha.
Marcos Rothen destaca que Goiânia foi projetada para se andar a pé e depois cresceu de forma desorganizada. “A única via para um trânsito rápido é a Marginal Botafogo. Todas as ruas e avenidas têm uma capacidade, e à medida que ficam cheias, a velocidade dos carros diminui”, considera. Ele pondera que, por mais avenidas que se construam, é importante as pessoas entenderem que numa cidade tudo tem limites.
Motoristas
Miguel Filho Alves da Silva trabalha como motorista e ocasionalmente realiza corridas por aplicativos. Ele observa que os períodos de maior congestionamento são das 6h30 às 9h; das 11h30 às 14h e das 17h às 20h. Miguel afirma que nestes horários o trânsito fica parado em qualquer região de Goiânia. “Não importa se é na saída leste, sul, oeste ou norte, é congestionamento em qualquer uma delas”, diz.

No entanto, o motorista reconhece que algumas intervenções da SMM foram benéficas. “As intervenções no Jardim América foram positivas. Agora estão realizando mudanças no setor Marista e eu espero que melhore por lá também”, comenta. Como motorista de aplicativo, Miguel destaca que os congestionamentos representam uma perda de receita, pois o tempo que ele passa parado no trânsito poderia ser utilizado para realizar outras corridas. “Tempo é dinheiro para nós, e quando ficamos parados deixamos de ganhar, além do gasto com combustível e embreagem”, observa.
Aghata também é motorista de aplicativo e, devido ao tempo perdido e às perdas financeiras causadas pelos congestionamentos, optou por trabalhar durante a noite. “Decidi trabalhar apenas à noite, o trânsito está mais livre. Durante o dia não é viável para um carro 2.0”, lembra.
Questionada sobre a segurança de realizar esse serviço à noite, Aghata concorda que há riscos, mas prefere arriscar. “Quando se tem experiência, tudo dá certo”, assegura. A motorista afirma que vale a pena dirigir durante a noite. “É melhor do que perder 20 minutos em um trajeto que poderia ser feito em cinco”, garante.

O pastor Davi Mendes de Morais observa que as mudanças realizadas pela SMM inicialmente causam caos devido à falta de divulgação. “É necessário que a secretaria faça uma divulgação mais eficaz dos locais onde estão sendo feitas essas mudanças, para não pegar os motoristas de surpresa. Mas tenho percebido que essas intervenções têm sido úteis”, afirma. Em relação aos congestionamentos, Davi avalia que não ocorrem apenas nos horários de pico. “Atualmente os engarrafamentos acontecem em qualquer hora e dia; quem quer evitar estresse não deve sair de carro pelas ruas de Goiânia. Só com muita paciência mesmo”, ressalta.
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