Por que mesmo os vacinados adoecem?

16 maio 2021 às 00h00

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Entre vacinados com as duas doses da CoronaVac, há apenas uma morte a cada 25 mil pessoas, o que equivale a 0,004% dos imunizados. Entre mesmo número de não vacinados, morrem 725, ou 2,9%

As vacinas contra a Covid-19 não são cem por cento eficazes em prevenir o contágio pelo vírus Sars-CoV-2, mas “nenhuma vacina é 100% eficaz”, como afirmou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em nota. A agência também afirma que “a vacinação é uma medida de controle coletivo”. Isso significa que, embora receber uma vacina signifique que o indivíduo imunizado terá menos chances de ter a doença, a estratégia só é realmente eficiente enquanto programa de saúde pública.
Em outras palavras, com o Brasil tendo aplicado 37,7 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 (segundo consórcio de veículos de imprensa), começaremos a ver nos veículos jornalísticos notícias de pessoas que foram vacinadas e ainda assim adoeceram. Algumas inclusive morrerão pela doença após serem imunizadas. Esses casos serão pinçados e colocados à luz dos holofotes midiáticos, mas não significam que a imunização não funciona.
Por exemplo: a primeira vacinada no estado da Bahia, uma enfermeira chamada Maria Angélica de Carvalho Sobrinho, de 53 anos, contraiu Covid-19 e foi internada no Instituto Couto Maia, em Salvador. Ela desenvolveu a doença antes de receber a segunda dose da CoronaVac. Ainda assim, em março, o governo estadual publicou notícia intitulada: “Mortes entre jovens com Covid-19 crescem 447% na Bahia”. A razão é que, com a imunização, a Covid-19 despencou entre pessoas na faixa etária da enfermeira Maria Angélica, de forma que os jovens passaram a representar maior porção dos doentes.
Para ser mais exato, o número de óbitos por Covid-19 entre pessoas com 80 anos ou mais caiu 47,5% na Bahia, na comparação entre março e abril deste ano, enquanto as mortes na faixa etária entre 70 e 79 anos diminuíram 30% no mesmo período, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab). Se somadas as faixas etárias, a queda foi de 38%.
Na faixa a partir dos 80 anos, foram 751 mortes causadas pelo coronavírus em março e 394 em abril. Já entre os idosos de 70 a 79 anos, foram registrados 855 óbitos em março e 598 em abril. A tendência expressiva de queda deve se manter – até agora, no mês de maio, foram notificados 45 e 75 mortes nas respectivas faixas etárias.
O secretário de Saúde, Fábio Vilas-Boas, atribui o resultado positivo à vacinação. “Nesses últimos 45 dias, podemos observar já uma redução do número de óbitos de pessoas com mais de 70 anos. Lembrando que nós começamos a vacinação a partir dos muito idosos e dos abrigados em instituições de longa permanência. A redução nessa faixa etária é muito significativa, uma vez que era a faixa com a maior taxa de mortalidade específica e proporcional”, afirmou o titular da Sesab.
“Esperamos que ao longo dos próximos dias e semanas possamos observar a mesma queda na população superior a 60 anos”, acrescentou Vilas-Boas. Entre março e abril, a queda de mortes por Covid-19 de pessoas entre 60 e 69 anos foi de 13%. Em maio, foram notificados até agora 90 óbitos nesse grupo, número superior em relação às faixas etárias mais velhas.
Por que vacinar?

A vacina de Oxford/AstraZeneca, produzida na Inglaterra, Índia e Fundação Oswaldo Cruz, por exemplo, tem 70,4% de eficácia global. Ao contrário do que é erroneamente entendido no senso comum, isso não significa que de 100 pessoas vacinadas, 70 ficam protegidas e 30 pegam o vírus. O que essa porcentagem quer dizer é que, comparado ao grupo placebo, há 70,4% menos casos entre os imunizados estudados em testes randomizados (aqueles estudos em que se compara um grupo que recebe a vacina com outro que recebe o placebo).
As duas concepções são muito diferentes, porque a chance de quem não se vacina ser infectado não é de 100%. Na verdade, as chances de alguém não vacinado contrair o caso leve de Covid-19 é de cerca de 6% ao longo de um ano (com base nos dados oficiais, desconsiderando subnotificação). Logo, as chances de um vacinado contrair a Covid-19 seriam de apenas 6% dentro do grupo de 29,6% (100% menos os 70,4% de eficácia). Ou seja, este vacinado teria apenas 1,77% de chances de manifestar Covid-19.
Esta porcentagem de “chance” de manifestar um caso leve de Covid-19 tendo sido imunizado com duas doses da vacina de Oxford/AstraZeneca é apenas uma aproximação grosseira, já que muitos outros fatores interferem na possibilidade de contrair a doença. Caso as pessoas imunizadas realizem o isolamento social, utilizem máscaras PFF2 e se mantenham fora de ambientes fechados onde há circulação de pessoas, a probabilidade de contrair o coronavírus fica muito abaixo dos 1,77%, embora no Brasil seja difícil calcular exatamente quanto.
As bases de dados públicas não distinguem entre os vacinados e os não vacinados que contraem o novo coronavírus. Outros países realizam melhor este acompanhamento. No estado americano do Alabama, por exemplo, quando o número de vacinados somava 1,2 milhões de pessoas (atualmente são 2,2 milhões, mais da metade da população do estado), o secretário de saúde do estado, Dr. Scott Harris, publicou que 484 imunizados haviam contraído a doença.
Como o estado utilizava as vacinas da Pfizer e Moderna, com eficácia de 95% e 94,5% respectivamente, o número de infectados esperado dentro do segmento dos imunizados seria mais próximo de 790. A discrepância pode ser justificada pela dinâmica do contágio: quanto menos pessoas infectadas circulam, mais improvável é que os vulneráveis encontrem um espalhador do vírus.
Além disso, Harris não tem conhecimento de nenhuma pessoa vacinada sendo hospitalizada ou morrendo após ser infectada. “Mesmo que você tenha o azar de se infectar depois de ser vacinado, você não parece realmente ficar muito doente”, disse ele a um veículo jornalístico local. “Embora isso mostre a eficácia da vacina, mostra que ninguém está imune, mesmo quando totalmente vacinado”.
Efeito das grandes escalas

No Brasil, a vacina mais aplicada é a Coronavac (Sinovac), produzida pelo Instituto Butantã. Este imunizante foi testado em voluntários no Brasil, China, Indonésia, Turquia, Bangladesh, Filipinas, Arábia Saudita e Chile. A eficácia encontrada foi de 50,38% (eficácia global); 78% em casos leves; 100% em casos graves e moderados. Isso significa que, no universo de 13 mil voluntários, nenhuma precisou ser entubada ou morreu.
Entretanto, quando a vacina é administrada para toda a população, os efeitos mais raros começam a surgir. Nesta semana, dados do Ministério da Saúde obtidos pela CNN via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que há casos de pessoas que, mesmo completamente imunizadas com a CoronaVac, contraem Covid-19 e morrem por causa da doença.
Até 31 de março, 5,3 milhões de pessoas receberam a segunda dose da CoronaVac. Destas, 623 desenvolveram a forma grave da Covid-19 e 212 pessoas acabaram morrendo. O número é extremamente baixo: uma morte a cada 25 mil pessoas que tomaram as duas doses do imunizante, o que equivale a 0,004% dos vacinados. Entre 25 mil não vacinados, morrem 725, ou 2,9%. Uma pessoa a cada 8 mil foi internada pela doença.
Para especialistas, esses números evidenciam que a vacinação é uma proteção coletiva e que a vida não poderá “voltar ao normal” a não ser que grande parte da população esteja completamente vacinada.
Caso eventual

O Jornal Opção ouviu uma mulher de 72 anos que foi vacinada com duas doses da CoronaVac e ainda assim contraiu a Covid-19. Iracy Rossi é contadora aposentada e relata que recebeu a segunda dose do imunizante no dia 22 de março, administrada pela Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia 21 dias após a primeira dose. Este é o intervalo considerado ideal para que o vacinado desenvolva imunidade contra a doença.
Ainda assim, Iracy Rossi começou a manifestar tosse seca e dores de cabeça por volta do dia 25 de abril, mais de um mês depois de receber a segunda dose. A idosa sofre de hipertensão, doença considerada uma comorbidade agravante para a Covid-19, e se preocupou com os sintomas. Sua filha a levou para realizar um teste PCR-RT por drive-in, sem deixar o carro, no estacionamento de um laboratório.
Dois dias depois, o laboratório privado retornou o resultado de seus exames como positivos para coronavírus Sars-CoV-2. Iracy Rossi, entretanto, não desenvolveu a forma grave da doença. “Meus sintomas foram só a tosse, irritação na garganta, dores de cabeça e um desconforto digestivo, que pode estar relacionado com a Covid ou não, não tenho certeza”, diz ela. Cerca de uma semana após o teste, ela se considerava curada.
Iracy Rossi pertence à categoria de pessoas que contraiu o vírus após a vacinação, mas mesmo tendo comorbidades e pertencendo ao grupo de risco dos idosos, não progrediram para o caso grave da doença – possivelmente por conta da vacina que recebera. “Sempre tomei muito cuidado e continuo usando máscara, me isolando o máximo possível e higienizando as mãos com álcool em gel. Mas é muito difícil estar resguardada o tempo todo – pode sempre haver alguém infectado ao redor. Só vamos poder descansar quando todos estiverem vacinados”, afirma Iracy Rossi.
Estratégia de saúde pública
Quando os estudos clínicos da CoronaVac foram anunciados pelo Instituto Butantan, que fabrica o imunizante no Brasil, o diretor da instituição, Dimas Covas, afirmou que a vacina dava 100% de proteção contra casos graves da doença, informação criticada por especialistas. A microbiologista Natália Pasternak disse à CNN que “esses 100% foram um erro grave de comunicação dos resultados do Butantan naquela época”. Segundo ela, o número divulgado estava baseado na amostra de pessoas que participaram do estudo, um número pequeno quando se compara com a quantidade de vacinados no Brasil.

Para Alex Precioso, diretor de farmacologia do Instituto Butantan, a informação não estava incorreta, mas estatisticamente limitada. Das 13 mil pessoas que participaram do estudo, sete adoeceram, todas do grupo que recebeu o placebo, e nenhuma morreu. “Agora a realidade é outra, não estamos mais no estudo clínico, estamos no mundo real, onde a vacinação está ocorrendo a partir de um Programa Nacional de Imunizações”, explica Precioso. “Um maior número de pessoas já foi vacinada em relação ao próprio estudo clínico, e aí sim temos a possibilidade de encontrar casos [da forma grave da doença]”.
Os especialistas são unânimes em afirmar que o desempenho da Coronavac tem sido muito bom e que é extremamente importante que a população siga se vacinando. “A vacina trabalha com redução de risco. Isso é o que qualquer vacina faz, não existe vacina 100%”, pontua Pasternak.
Para Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), muito provavelmente a efetividade da vacina no Brasil deve ser de aproximadamente 80%. “Nós estamos avaliando essa efetividade no estado de São Paulo, e esperamos ter esses resultados em breve”.
“A melhor forma de se prevenir é se vacinar, continuar com todas aquelas medidas que já comentamos, porque isso vai fazer com que o vírus, eventualmente, num determinado momento, tenha sua circulação diminuída, e é esse cenário que vai ser importante para controlar a pandemia”, afirmou Alex Precioso, do Butantan. “Para chegar a esse cenário, temos que ter a maior parte da população vacinada”.
A chave para encontrar novas infecções é fazer muitos testes, diz Torriani, co-autor de um artigo de 23 de março publicado pelo New England Journal of Medicine. Seu artigo descreveu o sucesso das vacinas de mRNA na proteção dos profissionais de saúde. “Uma pessoa infectada pode não ter sintomas ou apenas sintomas leves, o que significa que os casos podem facilmente passar despercebidos ou ser confundidos com coisas como o resfriado comum”, escreve ele.
Vacinas e variantes

Um aspecto da pandemia em curso que os especialistas estão observando meticulosamente é o surgimento de variantes do coronavírus. Algumas mutações no coronavírus podem ajudá-lo a escapar das respostas imunológicas em pessoas vacinadas, que podem exigir uma injeção de reforço para fornecer melhor proteção.
Em Israel, por exemplo, pessoas vacinadas com a vacina da Pfizer podem ter maior probabilidade de estar infectados com uma variante identificado pela primeira vez no Reino Unido ou um da África do Sul (B.1.1.17 e B.1.3.5. respectivamente) em comparação com pessoas não vacinadas, segundo os pesquisadores relataram em 9 de abril em um estudo preliminar publicado no periódico medRxiv. As pessoas não vacinadas, por outro lado, são vulneráveis a todas as versões do coronavírus.
“Mas os casos em pessoas vacinadas parecem acontecer em um determinado período de tempo”, diz Adi Stern, virologista evolucionista da Universidade de Tel Aviv. “As pessoas que contraíram a versão do vírus que surgiu no Reino Unido tinham maior probabilidade de ter recebido apenas uma dose da vacina, talvez porque ainda não tivessem proteção total. Aqueles que receberam duas doses tinham maior probabilidade de se infectar com a versão da África do Sul, mas apenas até duas semanas após a injeção”.
Depois desse período de duas semanas, Stern e seus colegas não viram casos importantes da variante na África do Sul. Embora essa variante não seja muito comum em Israel, o que pode significar que tais casos são simplesmente difíceis de encontrar. “O que achamos que acontece é que a imunidade não atingiu seu pico, que está a caminho de atingir o pico”, diz Stern. “É quando pensamos que há uma vantagem” para a variante.
A chave para encontrar novas infecções é fazer muitos testes, diz Torriani, co-autor de um artigo em 23 de março. New England Journal of Medicine carta que descreveu o sucesso das vacinas de mRNA na proteção dos profissionais de saúde no sul da Califórnia . Uma pessoa infectada pode não ter sintomas ou apenas sintomas leves, o que significa que os casos podem facilmente passar despercebidos ou ser confundidos com coisas como o resfriado comum. Portanto, as contagens atuais do CDC são provavelmente subestimadas.