De forma inédita para o Estado e o Brasil, o filho de Pedro Ludovico criou identidade própria como gestor e revolucionou a forma de administrar, de modo a fazer a economia goiana chegar a novo patamar

Mauro Borges: Plano MB foi a missão cumprida do militar que mudou Goiás | Foto: Divulgação

Era 1961. O Brasil respirava os primeiros tempos de uma real modernização, com o crescimento em especial, da indústria automobilística. Brasília se tornava sede do governo federal e dava nova projeção ao Planalto Central. Por aqui, o então recém-empossado governador Mauro Borges iniciava o que seria um projeto de desenvolvimento estadual ambicioso como nunca havia ocorrido.

Era o Plano de Desenvo­lvimento Econômico de Goiás. Ou Plano MB, como ficou conhecido, pelas iniciais de seu idealizador. Na verdade, pela primeira vez, pelas mãos de seu novo gestor, o Estado teria um planejamento de fato. E quando se fala em “Estado”, nesse caso, o termo não se refere apenas à unidade federativa: Mauro foi o primeiro governante da República a criar um órgão para lidar direta e especificamente com gestão, orçamento e planejamento. Não havia nem mesmo pasta federal com essa nomenclatura – o presidente João Goulart criaria, em 1962, o Ministério do Planejamento, que teve como primeiro titular o célebre economista Celso Furtado.

A influência dos anos JK sobre Mauro Borges parecia óbvia. Juscelino Kubitschek, com seu Plano de Metas, os lendários “50 anos em 5”, havia concluído uma gestão com grande aprovação popular, apesar da instabilidade política oriunda ainda da crise do segundo governo Getúlio Vargas (1951-1954), com a feroz perseguição da direita golpista comandada por Carlos Lacerda, o “Corvo”, e a sombra dos militares pairando pesada no ar.

Mas uma realização de JK, em particular, afetaria bastante os rumos da política e da economia estadual: o surgimento de Brasília com a transferência do Distrito Federal para aquele “quadrado” de terras cedidas por Goiás. Em seu artigo “Planejamento em Goiás: uma reflexão do Plano Mauro Borges”, publicado em 2012 na revista “Estudos”, o professor e economista Jefferson de Castro Vieira relata que a construção da nova capital era vista com apreensão pela elite goiana. Empresários e fazendeiros – que na verdade, eram uma classe apenas, naquele momento histórico – enxergavam naquela novidade um “perigo” para a economia local. E pediam reação do poder público.

Seu projeto encontrou eco nos anseios dos eleitores porque Mauro Borges era o homem certo para a conjuntura. Nascido em 1920, fizera uma carreira notável no Exército, comandando obras durante o governo de Getúlio, chegando à patente de tenente-coronel e indo à reserva como coronel. Depois de dois anos como deputado federal, ele seria conduzido jovem ainda ao governo do Estado aos 40 anos, pelo PSD.

Tal pai, tal filho? Longe disso
Filho de Pedro Ludovico, não se pode dizer que tenha herdado o mesmo estilo; pelo contrário, não optou pelo caminho fácil da política convencional. Odesafio que se impôs com plano quinquenal – e também o levou ao poder – mostrava claramente que sua disposição era de tirar Goiás da zona de conforto.

É bom lembrar que, ainda que hoje continue coadjuvante da economia nacional, o Goiás daqueles tempos era absolutamente rural. Sua área total compreendia o que hoje é o Estado do Tocantins, com uma população de menos de 2 milhões de habitantes em todo esse território. Em 1960, com menos de 150 mil habitantes, a capital Goiânia tinha pouco mais do que a vizinha Trindade tem hoje. E 70% dos goianos viviam na zona rural.

A produção do setor primário tinha um manejo tão primário quanto. Não havia como escoá-la, pois a malha de transportes era precária. Telecomunicações não eram um serviço, mas um luxo da elite no Brasil e, em Goiás, começavam apenas a engatinhar. A educação também era privilégio de poucos e o analfabetismo, alastrante. Pior do que tudo isso era o fato de que os governantes,assumindo o poder sem objetivos mais profundos, se pautavam em vencer as eleições seguintes – não que isso tenha mudado tanto na maioria dos casos, infelizmente.

Para dar conta desse quadro, Mauro Borges contratou uma equipe da Fundação Getúlio Vargas (FGV), instituição de excelência em estatísticas, planejamento e administração, para fazer um diagnóstico da situação do Estado e planificar um caminho. As bases de dados, naquele período, eram ainda incipientes: as informações sobre as diversas áreas não estavam consolidadas nem adequadas a algum padrão, o que dificultava uma melhor radiografia.

Mas o trabalho da FGV rendeu uma rota de trabalho, com metas quantificadas a alcançar durante os cinco anos de governo: quantas escolas a mais, quantos quilômetros de estradas a mais, quantos telefones instalados a mais.Ainda que muito do que foi estabelecido não tenha se cumprido – até porque o governo durou menos do que deveria, com Mauro Borges sendo cassado pelo regime militar em 64 –, a proposta de uma agenda de desenvolvimento econômico para que Goiás “evoluísse” ao padrão nacional-desenvolvimentista mudou a história.

Além da modernização da infraestrutura, buscava-se também ter uma máquina pública eficiente, muito além do apadrinhamento institucionalizado. Não à toa, Mauro foi o primeiro governador a abrir concursos para ocupação de vagas no serviço público. E precisaria. Porque, para fazer o Estado-território “andar”, foi preciso crescer o Estado-máquina. E foram muitas as estatais criadas: para créditos a empresas e pessoas (Caixego), para ampliar a malha viária (Crisa), para pesquisa e exploração mineral (Metago), para a indústria farmacêutica (Iquego), radiodifusão (Cerne), entre tantas outras.

“Falta um visionário como Mauro Borges no debate político de hoje”, diz Vilmar Rocha

Tem um dito popular – aquilo que, em tempos de internet e rede social, se chama de meme – que diz: “quando cheguei aqui tudo era mato”. Grande apreciador da história de Goiás, o professor e ex-deputado Vilmar Rocha tem especial apreço pela história do Plano MB e destaca a figura de Mauro Borges entre seus pares na política goiana: “Goiás era um grande pasto e veio alguém que fez um plano, projetou o Estado. Isso aconteceu! Mauro não era um político tradicional, ele tinha uma visão muito ampla”, ressalta.

Vilmar Rocha: “Plano MB influencia até hoje” | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Vilmar Rocha explica que, justamente por não existir uma “carta de navegação” para chegar a um lugar, o plano com metas a serem atingidas tornou Mauro Borges um personagem “revolucionário e estruturante”. Era preciso romper com o atraso e usar os recursos públicos, do Estado ou da União, para suprir o que o capital privado não alcançava. “Como não existia esse capital para investir, o Plano MB se tornou a ferramenta para fazer o motor girar”, explica o presidente estadual do PSD (“homônimo” do partido de Mauro).“Foi uma grande sacada e que constituiria, durante décadas, a base do desenvolvimento do Estado.”

De fato, o Plano MB foi uma revolução para a administração pública, com suas etapas de planejamento, com diagnóstico, estabelecimento de objetivos, quantificação em metas, seleção de instrumentos para atingi-las e, enfim, um sistema de controle e avaliação de tudo o que se fazia.

Um destaque que o professor e político faz é sobre o nome dado ao projeto. “Veja bem o nome que foi dado ao trabalho: Plano de Desenvolvimento Econômico. Sabe por quê? É que naquela época a ideia de consciência social era ainda muito pequena. Ninguém falava em ‘desenvolvimento social’; claro que isso já existia, mas com outra visão, não era discutido diretamente. até porque se pensava que o desenvolvimento econômico traria igualdade e melhoraria a vida das pessoas”, explica.

Nesse sentido, Vilmar destaca a ampla visão de Mauro Borges. “Ele contratou a Fundação Getúlio Vargas para fazer o plano. Com a economia ainda em condição primária – praticamente não havia empresariado, mas fazendeiros, fazendo criação extensiva –, era preciso o Estado agir. Então, para cada setor estratégico de desenvolvimento, era preciso criar uma estatal. Isso já se impunha para a concepção do plano.”

“Falta debate de mais qualidade”
Sempre disposto a discutir ideias e políticas públicas, Vilmar lamenta que hoje o debate político esteja reduzido, “muito pobre”, “de baixa qualidade”, com “fofoca, futrica e nhenhenhém”. “O que falta hoje em Goiás e no Brasil é um norte, visão de futuro, saber para que rumo devemos caminhar”, conclui.

Político experiente, Vilmar tem na baixa qualidade da discussão política atual uma de suas principais queixas. “Entendo que é preciso discutir os bastidores, as mudanças em secretarias e outros órgãos, que uma declaração ou outra mereça repercussão. Mas é preciso pensar além, em longo prazo, como políticos da grandeza de Mauro Borges ensinaram.”

Cenários políticos em que o próprio governante dá esperança ao povo e demonstra entusiasmo com o projeto que faz costumam realmente trazer algo positivo. Foi assim com os anos JK, no Brasil; e anos depois, com Mauro Borges. Obviamente, nem em um nem no outro caso houve um mar de rosas – houve denúncias de corrupção, revoltas, pressões de alguns setores e insatisfação de outros. “Mas havia um rumo a seguir. O que há hoje, qual o rumo que temos?”, questiona.

Vilmar dá um exemplo concreto que precisaria ser estudado a fundo. “Está havendo uma grande mudança na questão energética mundial. As energias de origem fóssil não têm futuro. Temos de caminhar para as energias renováveis. A Petrobrás como é hoje vai desaparecer”. E conta uma historieta sobre isso. “Quando Pedro Parente assumiu a presidência da Petrobrás na gestão de Michel Temer [ele esteve à frente da estatal de maio de 2016 a maio de 2018], foi fazer uma palestra na Associação Comercial de São Paulo e eu estava presente como membro do Cops [Conselho Político e Social]. Fiz uma pergunta: ‘Qual é o futuro do petróleo no mundo?’. Ele levou visivelmente um susto, porque estava na empresa para lidar com a questão da corrupção, não conhecia nenhum estudo sobre substituição do petróleo como recurso energético”, conta.

Outro problema que deveria ser “planificado” é o da educação. “Resolvemos o problema do acesso à escola, mas a qualidade é ruim. Mas qual é o plano que temos para o futuro da educação fundamental? Não temos nada.”