Pesquisas eleitorais: entenda a estatística que guia a estratégia dos candidatos
25 setembro 2022 às 00h00
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Mais do que indicadores dos rumos da disputa política, as pesquisas eleitorais servem de subsídio para estratégias de marketing das campanhas. Entretanto, com grandes interesses em jogo, alguns candidatos lançam dúvidas sobre os resultados das pesquisas, outros divulgam dados suspeitos que os favorecem. Para compreender as metodologias estatísticas que fazem uma pesquisa eleitoral ser realmente confiável, o Jornal Opção ouviu o especialista em pesquisas e estratégias Kaumer Nascimento, coordenador de pesquisas no instituto Santa Dica Consultoria e Pesquisas.
Italo Wolff – Nestas eleições, temos visto candidatos divulgando pesquisas que apontam resultados muito diferentes. Como saber quais são confiáveis?
Kaumer Nascimento – O eleitor deve considerar o histórico dos institutos. Alguns institutos surgem apenas durante o período eleitoral e têm fontes de recursos que independem de sua credibilidade. Os institutos sérios são permanentes, fazem pesquisas de mercado, e têm muito a perder com a descredibilização. Por isso, se preocupam em não errar. São institutos como Ipec (antigo Ibope) ou Datafolha, que estão estabelecidos no mercado e possuem diversos clientes. O público pode conferir seu histórico de acertos ao longo dos anos.
Recentemente, vimos membros do governo questionando o pequeno número de entrevistados nas pesquisas. Por que se pode confiar em pesquisas que ouvem poucos milhares de eleitores?
Em cidades pequenas, às vezes basta ouvir 400 eleitores em uma amostra bem definida para saber os resultados com exatidão, mas muitos de nossos clientes desconfiam e pedem pesquisas com mais entrevistas. Fazemos a pedido do cliente, mas sempre mostramos que mais pessoas ouvidas apenas reduzem a margem de erro, confirmando o mínimo recomendado pela fórmula estatística.
A razão para esse fenômeno é matemática, mas, em termos leigos, podemos dizer que é como oferecer um pote de sorvete napolitano a voluntários vendados. Se uma pessoa pegar uma colherada, pode dizer que o sorvete é de chocolate; outra pode dizer que é de creme; outra que é de morango. Você não precisa experimentar o pote todo para saber que é napolitano, basta se servir com a amostra certa.
O fato é que a estratificação da amostra precisa corresponder ao seu universo. Se o universo do Brasil tem 48,2% de homens e 51,8% de mulheres, sua entrevista tem de ter essas proporções. O mesmo vale para a regionalização: na eleição municipal de Goiânia em 2016, se dizia que Vanderlan seria prefeito até o Parque Vaca Brava; mas Iris Rezende foi eleito porque a cidade é maior depois do Vaca Brava. A pesquisa é desenhada para pegar uma amostra que representa o todo e assim evitar distorções.
Como o senhor avalia o uso das pesquisas eleitorais neste processo de 2022?
Sou crítico à utilização das pesquisas como propaganda eleitoral. Alguns marqueteiros acreditam que os eleitores votam apenas no candidato que está na frente. Acredito que as pesquisas são realmente úteis quando servem de subsídio para estratégias. Apenas saber quem vai ganhar ou perder é inútil; o interessante é entender as razões do voto e saber como mudar a situação.
Conseguimos, por exemplo, prever tendências de mudança de voto com seis meses de antecedência. Isso pode ser feito medindo a predisposição de eleitores a votar em um candidato após ser exposto às ideias dele. Ponderando a taxa de rejeição, conseguimos prever o quanto o candidato pode crescer à medida que se tornar conhecido.
Pesquisas servem até para determinar o roteiro da carreata. Verificamos regiões com mais eleitores indecisos, descobrimos locais em que um candidato tem desempenho melhor, e assim podemos recomendar um percurso para a carreata. A equipe de campanha quer percorrer bairros onde o candidatos vai ganhar votos e evitar locais já consolidados.
As pesquisas podem recomendar mudanças na estratégia política. Em uma ocasião, cruzando as intenções de votos a deputado e vereador, detectamos que um candidato estava pedindo votos para outro partido, traindo o candidato que lhe apoiava. Isso é perceptível pela associação dos nomes citados em entrevistas pelo eleitor.
Com técnica e inteligência, o candidato tem mais sorte. A pesquisa eleitoral aponta coisas ocultas. Principalmente em período de recursos e tempo escassos, a inteligência economiza tempo e esforço. Por todos esses fatores, é simplista acreditar que a utilidade das pesquisas é convencer o eleitor a votar em quem está na frente.
As pesquisas em Goiás revelam alguma particularidade?
Elas têm sido coerentes com o que o restante do país verifica. O que chama a atenção neste ano é que a polarização entre Bolsonaro (PL) e Lula (PT) fez com que os eleitores focassem na disputa presidencial em detrimento dos outros cargos. Esse fator, somado à vantagem de Ronaldo Caiado (UB), fez com que o debate pelo voto fosse bem menor do que nos últimos anos.
Em pesquisas espontâneas (sem lembrar nome algum ao entrevistado), os índices de indecisão para deputados e senadores são altíssimos. Neste mesmo período, quatro anos atrás, tínhamos 20 pontos percentuais a menos de indecisos do que temos hoje. A indefinição indica a possibilidade de surpresas, pois esses serão votos escolhidos de última hora.
Em pesquisas com estímulo, há preferência por nomes conhecidos: Marconi Perillo (PSDB), Delegado Waldir (UB), e outros já favorecidos. Para estes, temos duas perguntas importantes: seu voto é definitivo? De 75 a 80% dizem que sim. Para o restante, perguntamos: qual alternativa teria mais chances de conquistar seu voto? Desta forma, projetamos quem pode subir mais e quem já está próximo do teto de votos.
Como as pesquisas eleitorais mudaram ao longo dos anos?
As metodologias para cruzamento de dados, o desenho da amostragem, a parte matemática existe desde o princípio das pesquisas eleitorais. A diferença é a prática. Quando eu comecei, o formulário de papel precisava ser despachado via ônibus para o interior e retornar preenchido e então codificado, digitado e processado. O resultado saía quando era tarde demais.
Hoje, coletamos entrevistas em tablets que produzem o resultado em tempo real no nosso dashboard. Todas as nossas entrevistas são georreferenciadas, então eu sei que o entrevistador realmente esteve no local certo. A confiabilidade é muito maior porque tentar fraudar o sistema daria mais trabalho do que fazer as entrevistas corretamente.
Todos os institutos usam as mesmas metodologias?
Alguns têm cuidados a mais. A Pesquisa Datafolha usa a grade de amostragem. O entrevistador vai para a rua com determinações do setor censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sabendo quantas pessoas de cada perfil socioeconômico existem naquela região de domicílios. Assim, o entrevistador tem um controle do número de pessoas de diferentes grupos e busca uma amostra de entrevistados que refletem o universo pesquisado. Às vezes, uma pessoa quer dar entrevista ao pesquisador, mas ele está buscando pessoas de outro perfil, e acham que o instituto é enviesado por não querer ouvi-lo.
Outras empresas fazem entrevistas e posteriormente corrigem matematicamente a proporcionalidade de cada grupo. Caso não se consiga ouvir a quantidade de pessoas em uma amostra que representa o universo, pode-se fazer uma ponderação estatística para projetar o peso daquele grupo no total.
Quão confiáveis são essas técnicas? Como é calculada a margem de erro e o grau de confiabilidade?
Esses termos são frequentemente confundidos. A margem de erro indica a proximidade do valor real nos resultados de uma pesquisa para toda população. O número “mágico” para o mercado é aquele que produz uma margem de erro de 5%, pois, para atingir esse limite, a amostra necessária é comercialmente viável. Como a margem diminui de forma exponencial, diminuir um ponto percentual a partir daí exige um número grande de entrevistas adicionais.
Já a confiabilidade da pesquisa significa que a metodologia utilizada pode ser replicada para produzir outras pesquisas de resultado semelhante, dentro da margem de erro. Como as pesquisas podem variar de amostra para amostra, quando se tem 99% de confiança de que a pesquisa está no intervalo de confiança, significa que apenas 1% das pesquisas refeitas com aquela metodologia terão resultado diferente.
O fato de serem registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) significa que as metodologias estão sendo seguidas?
Não. O Tribunal é apenas um fiel depositário. É como registrar uma criança recém nascida no cartório: você não precisa levar a criança, apenas a declaração da maternidade. Com a justiça eleitoral é a mesma coisa, se vc diz que vai fazer a pesquisa de acordo com as normas, pronto.
O importante é que qualquer representante de partido, instituto de pesquisa, ou mesmo cidadãos comuns podem questionar o banco de dados usado nas pesquisas. O acesso é público. Embora poucas pessoas tenham a capacidade e recursos para fiscalizar pesquisas, é importante que esse trabalho seja feito.
Já ocorreu de detectarmos pesquisas com resultados fraudados porque detectamos que o perfil da amostra da cidade pesquisada estava errada. Quando a amostra não corresponde ao universo, se pode dar mais valor ao voto de um grupo do que de outro. Neste caso, se pode impedir a divulgação do resultado e as penalidades são diversas, vão até o recolhimento das contribuições previdenciárias dos entrevistadores.